Do que trata o texto: O texto analisa como absorver os trabalhadores rurais que migraram para as cidades podem ser aproveitados economicamente na produção agrícola e recuperar sua dignidade se tiverem acesso a terra para trabalhar.Para isso, conta a experiência do Pólo Agro-Florestal na cidade de Rio Branco, no Acre.

Do que trata o texto: O texto analisa como absorver os trabalhadores rurais que migraram para as cidades podem ser aproveitados economicamente na produção agrícola e recuperar sua dignidade se tiverem acesso a terra para trabalhar.Para isso, conta a experiência do Pólo Agro-Florestal na cidade de Rio Branco, no Acre.

Disponível em: Publicado originalmente como DICAS nº 51Fonte: Instituto Pólis
Autor: José Carlos Vaz, a partir de documentos da Secretaria de Agricultura e Abastecimento de Rio Branco.
Data de publicação: 1995


Muitos municípios têm sofrido as conseqüências de uma urbanização recente e acelerada, alimentada pelo êxodo rural decorrente do aumento da concentração de riqueza, característica básica da política econômica brasileira nas últimas décadas.

Nessas localidades, uma grande parte dos trabalhadores que estão desempregados por não serem qualificados para o mercado urbano, podem ser aproveitados economicamente na produção agrícola e recuperar sua dignidade se tiverem acesso a terra para trabalhar. Diante da pouca eficácia das ações dos governos federal e estaduais, alguns municípios, preocupados em combater o crescimento da miséria, estão realizando iniciativas próprias de reforma agrária.

EXPERIÊNCIA
Rio Branco-AC (197 mil hab.) começou, em 1993, a implantação do Pólo Agroflorestal Geraldo Mesquita, como resposta ao quadro de urbanização descontrolada provocada pela falência da economia extrativista e pelo avanço da pecuária extensiva. Nas últimas duas décadas, a população do município saltou de menos de 50 mil para cerca de 200 mil habitantes. Mais de 50% da população do Estado do Acre passou a viver na capital, fazendo com que a cidade sofresse um crescimento irracional e desordenado, com a formação de muitos bairros carentes de serviços essenciais e com problemas comuns à maioria das cidades brasileiras.

Em função das características da economia e sociedade locais, a prefeitura desenvolveu a proposta do Pólo Agroflorestal baseado em assentamentos agroextrativistas que possibilitem a volta ao campo de famílias de ex-seringueiros e ex-agricultores. São trabalhadores desiludidos com a vida na cidade, dispostos a retomar sua atividade produtiva no meio rural, mas que não têm acesso à terra por causa da estrutura fundiária vigente ou pela falência da política nacional de reforma agrária.

Ao contrário de grande parte das ações de reforma agrária já realizadas no Brasil, o Pólo Agroflorestal é uma forma de assentamento baseada no planejamento do empreendimento como um todo e no apoio contínuo à atividade dos produtores. O planejamento considera não só a localização das áreas, mas também o apoio aos cidadãos assentados.

As áreas são definidas a partir de uma avaliação técnica do seu potencial produtivo, considerando variáveis como as disponibilidades hídricas, as condições de fertilidade do solo e a proximidade de centros consumidores e compradores. Além disso, busca-se potencializar a infra-estrutura viária, energética, sanitária e educacional já existentes.

As famílias contam com assistência para a produção de alimentos e para a implantação do sistema de culturas permanentes. Também é garantido o transporte da produção excedente até o centro consumidor.

A experiência do Pólo Agroflorestal procura promover uma nova mentalidade na política de assentamento, que deixa de ser baseada na titulação e propriedade da terra para ser fundamentada na valorização de seu uso e produção. A terra pertence ao município e as famílias têm a concessão de uso para os fins propostos.

Os lotes para implantação do sistema agroflorestal são de 3,5 a 5 hectares. A equipe técnica fornece instruções para implantação e acompanhamento do desenvolvimento das culturas.

A metodologia de trabalho desenvolvida é centrada na participação e organização das famílias dos produtores e na parceria com instituições da sociedade civil, órgãos de outros níveis de governo e entidades ligadas aos trabalhadores. O pólo implantado em Rio Branco conta com a parceria e envolvimento da Confederação dos Trabalhadores da Agricultura do Acre (CONTAG/AC), Sindicato dos Pequenos Produtores e Assalariados de Rio Branco (SINPASA), EMATER/AC, EMBRAPA (CEPAF/AC), Universidade Federal do Acre, Fundação de Tecnologia do Acre (FUNTAC), Grupo de Pesquisa em Sistema Agroflorestais do Acre (PESACRE), Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM), Ministério do Meio Ambiente/PMACI.

Além de oferecer condições materiais para o sucesso do empreendimento, a prefeitura promove um trabalho sócio-educativo. Os trabalhadores são incentivados a participar e, posteriormente, a assumir a gestão do projeto através de suas associações e cooperativas, cuja instalação é estimulada desde o processo de seleção das famílias contempladas.

Os pressupostos centrais desse trabalho educativo são:

a) afirmação da importância social dos produtores envolvidos;

b) socialização do saber;

c) aproveitamento coletivo de todas as potencialidades da natureza para evitar a subutilização e o desperdício;

d) garantia do acesso dos trabalhadores aos serviços de saúde, educação, transporte e lazer;

e) estímulo à organização dos produtores, para que eles se apropriem e usufruam dos bens e riquezas por eles mesmos gerados. Nesse processo de organização espera-se que os produtores evoluam da co-gestão para a auto-gestão do assentamento.

SELEÇÃO DAS FAMÍLIAS

O primeiro dos requisitos para que uma família se habilite a receber um lote no Pólo Agroflorestal é ter aptidão para o trabalho com a terra.

São priorizadas as famílias que moram em áreas de ocupação irregular e/ou com risco de alagamento, desbarrancamento e deslizamento e que estejam dispostas a voltar a viver no meio rural. No processo seletivo – que conta com a participação de sindicatos e outras entidades governamentais e não-governamentais – somam mais pontos as famílias que não possuem casa própria ou residem em habitações ou áreas precárias. Também somam mais pontos as famílias que não tenham nenhum emprego no setor público ou privado.

É fundamental também a disponibilidade de mão-de-obra. Além do casal, é importante que a família seja constituída por, pelo menos, mais dois filhos para ajudar na atividade produtiva diária.

As famílias cadastradas recebem a visita de técnicos da secretaria para constatação de sua real situação e devem participar de todas as reuniões convocadas, onde são apresentadas as explicações sobre o projeto, os direitos e deveres dos assentados.

RECURSOS
Os requisitos básicos para a implantação de um Pólo Agroflorestal são: área próxima ao mercado de consumo; infra-estrutura viária mínima, que possibilite o escoamento da produção e o acesso aos equipamentos sociais indispensáveis, como saúde e educação; disponibilidade de energia; recursos hídricos (rios, açudes, vertentes) e um solo propício para as atividades agrícolas.

No Pólo Agroflorestal já implantado, foram assentadas 52 famílias (302 pessoas), utilizando-se uma área total de 210,62 hectares e área cultivada de 150 hectares, com 29.545 mudas plantadas (açaí, abacaxi, cupuaçu, pupunha, maracujá , manga, acerola, banana, araçá, coco-da-bahia, entre outras), além do plantio de 150 mil pés de mandioca.

A secretaria fornece aves, um casal de suínos e um casal de caprinos a cada família e, com a procriação dos animais, as famílias devem repor à secretaria a mesma quantidade recebida.

Os principais investimentos em equipamentos e infra-estrutura de apoio à produção foram 6,63 quilômetros de rede elétrica (monofásica), um caminhão, um trator com implementos, uma perua (carro) Kombi, uma máquina beneficiadora de arroz, um engenho de cana de açúcar e uma casa-de-farinha.

Os custos de implantação do projeto, segundo a prefeitura, são da ordem de cerca de US$ 400 mil, o que significa um custo de quase R$ 8 mil por família. Os agentes financiadores são o Ministério do Meio Ambiente – PMACI, a SUDAM e a Prefeitura Municipal de Rio Branco.

Veja também as experiências "Terra Solidária", de Iguaraçu-PR e PROVE, de Brasília-DF.

RESULTADOS
A proposta, pelo seu baixo custo de implantação, pode se constituir numa alternativa viável de reforma agrária para a Amazônia e iluminar a formulação de outras propostas de política de desenvolvimento para as demais regiões do país, considerando que a solução da questão agrária e agrícola é indispensável para a superação da crise econômica e social que a sociedade brasileira enfrenta.

Há resultados evidentes na melhoria da qualidade de vida dos cidadãos beneficiados. As famílias passam a residir fora da cidade, afastadas das áreas de risco potenciais que normalmente se formam nos bairros da periferia. Também é um instrumento de combate à miséria e à fome, tanto por aumentar e diversificar a produção de alimentos, como pelos seus aspectos de geração de emprego e renda. Permite ao pequeno produtor aumentar seus ganhos, por não depender de intermediários. Além de produzir para a subsistência da família, o agricultor pode comercializar, diretamente, o excedente no mercado local, através da Tenda do Produtor, feiras livres e mercados municipais que são administrados pela Prefeitura. As projeções da prefeitura indicam que a renda familiar mensal poder chegar a seis salários-mínimos, quando os sistemas agroflorestais atingirem sua maturação.A comercialização direta, por sua vez, contribui para o barateamento dos alimentos na cidade.

Do ponto de vista ambiental, o Pólo Agroflorestal pode contribuir para a recuperação de áreas degradadas pela pecuária extensiva e, ao mesmo tempo, é uma alternativa de desenvolvimento sustentável, por possibilitar a utilização racional dos recursos naturais. No caso do pólo implantado em Rio Branco, a área era utilizada para a criação de gado e a terra já estava empobrecida.

A realização de atividades de caráter sócio-educativo com as famílias beneficiadas e o acesso aos serviços públicos servem à afirmação da cidadania e ao resgate da dignidade dos beneficiários. Assim, a proposta não se limita apenas ao desenvolvimento econômico, mas busca subordiná-lo à promoção do desenvolvimento humano.

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