O ouvidor público representa o cidadão junto ao governo, possibilitando o aprimoramento das ações e serviços da prefeitura.Autor: José Carlos Vaz

A prefeitura, normalmente, reserva aos munícipes um atendimento burocrático e impessoal. As reclamações e solicitações do cidadão perdem-se em meio a filas, guichês e papelada.

O ouvidor público representa o cidadão junto ao governo, possibilitando o aprimoramento das ações e serviços da prefeitura.Autor: José Carlos Vaz

A prefeitura, normalmente, reserva aos munícipes um atendimento burocrático e impessoal. As reclamações e solicitações do cidadão perdem-se em meio a filas, guichês e papelada.

Nos últimos anos, tem havido uma certa reação da sociedade contra isso e uma maior fiscalização e cobrança sobre as ações do Estado.

A criação de uma ouvidoria pública municipal possibilita que a prefeitura disponha de um instrumento eficaz para a comunicação direta com os cidadãos.

O QUE É?

A ouvidoria pública é uma instituição que auxilia o cidadão em suas relações com o Estado, funcionando como uma crítica interna da administração pública, sob a ótica do cidadão. É um canal de comunicação direta entre o cidadão e a prefeitura.

O princípio central da ouvidoria é a existência de um ouvidor (também conhecido como ombudsman), que funciona como um representante dos cidadãos dentro da prefeitura. O ouvidor deve ser tão independente quanto possível no desempenho de suas funções. Por isso, não há como conceber a figura do ouvidor sem mandato pré-definido: só poderá desempenhar sua função de forma adequada se não puder ser afastado.

O ouvidor atende pessoalmente os cidadãos que o procuram para solucionar seus problemas ou prestar reclamações e passa a defender suas demandas dentro da prefeitura. É uma função, portanto, exercida em caráter pessoal. Isto garante um atendimento diferenciado do tratamento oferecido pelas vias da burocracia municipal, onde o cidadão se perde em processos, requerimentos e demoras. O cidadão fala com uma pessoa concreta, não com um funcionário anônimo.

O papel do ouvidor público, uma vez recebida a demanda do cidadão, é entrar em contato com os órgãos responsáveis pelo assunto na prefeitura e notificar o problema, procurando descobrir quais são as suas causas e repercussões e procurando sensibilizar a administração municipal. O ouvidor não decide sobre o problema, mas o acompanhará até sua resolução, mantendo o cidadão informado.

O papel da Ouvidoria Pública não é o de procurar e apontar defeitos na ação da prefeitura, mas funcionar como uma espécie de "controle de qualidade do serviço público", apontando falhas e acertos e auxiliando na busca de soluções para os problemas.

Para que possa ser respeitado, é importante que o ouvidor integre o primeiro escalão da prefeitura, participando do secretariado. Com isso, ele tem acesso mais fácil aos secretários e ao prefeito, com os quais deve se reunir periodicamente.

O ouvidor deve ter poder de requisitar informações e processos junto a todos os órgãos da prefeitura. Deve poder, também, conduzir investigações rápidas, quando houver suspeitas de irregularidades. A partir delas, pode sugerir ao prefeito a realização de auditorias e investigações mais detalhadas.

Como a ouvidoria não delibera sobre as solicitações dos munícipes, não há necessidade de perder tempo em formalismos. Na medida do possível, a ação do ouvidor deve ser verbal ou então através de processos sumários. A ouvidoria deve impor para o restante da prefeitura um ritmo ágil de atuação, ajudando a superar os vícios do excesso de burocracia.

É aconselhável que o ouvidor público disponha de espaços nos meios de comunicação, para ampliar sua capacidade de intervenção e tornar mais transparentes suas ações. Uma coluna em jornal de circulação local ou um programa de rádio podem ser utilizados, de acordo com as condições do município.

O ouvidor deve atender pessoalmente o maior número de cidadãos possível. Para isso, as solicitações rotineiras, como poda de árvores, limpeza, pavimentação, devem ser acolhidas por telefone ou pessoalmente por uma equipe treinada para isto. A intervenção direta do ouvidor fica reservada para reclamações sobre serviços da prefeitura, solicitações não atendidas e problemas já notificados e não resolvidos.

IMPLANTANDO

A implantação da ouvidoria pública deve se dar através de aprovação de lei municipal. Requer, portanto, um processo de negociação com a Câmara Municipal, onde os principais pontos a serem discutidos serão a duração do mandato do ouvidor, a forma e os critérios para sua escolha e as funções da ouvidoria.

O mandato do ouvidor deve ser de igual ou menor duração que o do prefeito. Não é recomendável que seja possível ao prefeito nomear o ouvidor que acompanhará o mandato (ou parte dele) de seu sucessor, pois corre-se o risco de desvirtuar a ouvidoria ao nomear alguém simplesmente para combater o sucessor.

O ouvidor pode ser nomeado diretamente pelo prefeito ou por um colégio eleitoral composto por entidades da sociedade civil. Sua nomeação pela Câmara não é aconselhável, pois pode expor a função a pressões políticas que impossibilitem seu trabalho.

Não tendo o ouvidor vinculação partidária nem pretensão de deter mandato eletivo, evita-se que a função seja manipulada por interesses particulares. Critérios como maturidade, honestidade, probidade, cultura geral, conhecimentos de direito e administração pública municipal devem ser considerados. Não é aconselhável que o ouvidor seja funcionário de carreira da prefeitura, para prevenir o corporativismo ou qualquer forma de relação de barganha com funcionários.

No processo de criação e implantação, as maiores resistências são encontradas dentro do próprio executivo municipal. É natural que os secretários sintam um certo desconforto com a criação de uma instância com autoridade moral e política para questionar seus atos. Na Câmara Municipal também podem aparecer resistências, sobretudo dos vereadores que pautam seus mandatos pela exploração das carências dos cidadãos, funcionando como "despachantes" junto à prefeitura.

A ouvidoria pública requer poucos recursos. Além do ouvidor e de um número reduzido de auxiliares técnicos e administrativos, é preciso dispor de pessoas, especialmente treinadas, para realizar o atendimento telefônico aos munícipes, quando for o caso.

CUIDADOS

As dificuldades que a ouvidoria pública irá enfrentar estão localizadas, na sua maioria, no interior da própria prefeitura. Além das resistências deliberadas à sua ação, a lentidão causada pelo tratamento "burocrático" de suas solicitações pode atrapalhar seu desempenho (daí a importância de procurar agir por caminhos o menos formais possível). Para vencer esta dificuldade, é preciso que os dirigentes e funcionários municipais sejam sensibilizados para a importância do trabalho da ouvidoria. As solicitações da ouvidoria devem ser atendidas pelos órgãos da prefeitura, sob o risco de desmoralizá-la.

Na indicação do ouvidor e na sua relação com o governo municipal, é preciso evitar que a ouvidoria se transforme em um centro de poder conflitante, um canhão político voltado contra a cadeira do prefeito. A nomeação do ouvidor deve levar em conta esta possibilidade. A existência de algum tipo de acompanhamento das suas ações por um grupo de entidades representativas da sociedade civil pode minimizar esse risco.

É preciso atenção para não banalizar ou desmoralizar a ação da ouvidoria, pois é uma instituição que só funciona bem se tiver credibilidade junto à população. Por isso, o ouvidor não deve se expor excessivamente nos meios de comunicação nem entrar em polêmicas públicas, especialmente com membros do governo. Também não pode ser alguém que incomoda os secretários o tempo todo (daí a importância de existir uma prática sistemática de contato com os dirigentes municipais). Além disso, é óbvio que o ouvidor não pode prometer soluções a ninguém, visto que ele não tem poder de decisão.

Outro cuidado importante é não permitir que a ouvidoria se torne o órgão oficial de bajulação e auto-elogio do governo municipal. Esta postura enganosa será facilmente percebida pela população e mais comprometerá do que melhorará a imagem da administração.

EXPERIÊNCIAS

A proposta aqui apresentada corresponde, em linhas gerais, ao ombudsman da Suécia, existente há quase dois séculos e encontrado também nos demais países escandinavos, na Itália, Nova Zelândia, Portugal, Alemanha e Israel, entre outros. No Brasil, o estado do Paraná foi o precursor. Alguns de seus municípios, como Campo Mourão (82 mil hab.) e Paranaguá (108 mil hab.), já implantaram. Algumas empresas e instituições privadas também já têm a figura do "ombudsman" atuando.

Em Santos-SP (429 mil hab.), a Ouvidoria Pública foi criada em abril de 1994, a partir do interesse do prefeito em contar com um instrumento de controle da administração. Além do atendimento pessoal pelo ouvidor, para os casos mais complexos ou urgentes, a ouvidoria possui um serviço telefônico que atende casos mais comuns, encaminhando-os aos setores responsáveis na prefeitura, que têm prazo de cinco dias para responder. Se não há resposta, o ouvidor intervém pessoalmente. Os funcionários também colaboram com a ouvidoria, que atende também queixas funcionais. Muitos funcionários, sem obrigatoriedade de se identificar, apontam problemas na prefeitura, que podem ser investigados pelo ouvidor.

O ouvidor atende uma média diária de 5 cidadãos pessoalmente e 10 por telefone. Seis atendentes recebem mais de 1000 reclamações telefônicas por mês. O ouvidor conta também com uma assessora e uma secretária.

RESULTADOS

A existência da Ouvidoria permite a comunicação direta entre os cidadãos e a prefeitura, tornando-a mais próxima a eles, o que é importante em especial para os municípios de médio e grande porte. No caso de Santos, as pessoas atendidas se espantam: "mas é o senhor mesmo que fala com a gente?"

Nos municípios menores, em que o cidadão tem contato mais fácil com o prefeito e secretários, ela também traz resultados positivos, pois o ouvidor não representa o prefeito junto ao munícipe, e sim o cidadão junto ao governo.

A ouvidoria é o oposto da "cultura do guichê", que trata o cidadão impessoalmente, subvalorizando seus direitos e abrindo espaço para práticas irregulares na prefeitura. Por tornar a informação mais acessível ao cidadão, a ouvidoria contribui para a ampliação dos direitos políticos e sociais.
A ouvidoria, como forma de combate ao favoritismo e ao clientelismo, pode ser um instrumento de moralização da prefeitura. Em Santos, os casos de desvio de recursos públicos são centralizados na ouvidoria, que recebe denúncias de irregularidades praticadas por funcionários municipais e encaminha as ações administrativas e criminais necessárias. O ouvidor participa das comissões processantes internas, funcionando como um elemento inibidor de práticas corporativistas.

A ouvidoria pública contribui para o aprimoramento das ações e serviços da prefeitura. Dispondo de um acompanhamento estatístico dos casos atendidos, pode também auxiliar o planejamento municipal. A partir de seus registros, identifica-se carências específicas em setores ou regiões da cidade. O contato constante com os dirigentes municipais leva-os a aumentar sua atenção com a qualidade e resultados de suas iniciativas.


* Publicado originalmente como DICAS nº 25 em 1994

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