Melhorando a qualidade das obras*
Com soluções simples é possível diminuir custos e melhorar a qualidade das obras realizadas pela prefeitura.
Autores: Tarcísio de Paula Pinto e César Augusto de Paula Pinto
Muitas prefeituras enfrentam dificuldades para controlar a qualidade e os custos das obras realizadas. Nos últimos anos, têm proliferado teorias e técnicas de gestão voltada para a qualidade. A aplicação pura e simples de seus preceitos não surte efeito algum na construção civil, a não ser o de propiciar uma sensação estéril de estar "na moda" com a "onda da qualidade". A construção civil tem peculiaridades que obrigam a traduzir cuidadosamente para as condições concretas do setor as estratégias e políticas pela qualidade. Estratégias criadas para setores de produção nitidamente industrial, como o metalúrgico ou o eletroeletrônico, não podem ser diretamente aplicadas a uma atividade que possui forte componente de trabalho artesanal, como é o caso da construção civil. O fato de se tratar de obras sob a administração direta ou sob a contratação da prefeitura também incorpora novos problemas para a formulação de políticas voltadas à qualidade.
Se há na prefeitura a intenção de se apropriar de novos procedimentos e buscar melhores resultados, duas linhas de conduta são inevitáveis: uma delas é repensar e modificar as sistemáticas de trabalho e as tecnologias de execução e gestão; a outra é persistência, que deverá ser mantida a todo custo, principalmente pelo corpo dirigente da prefeitura. Muitas vezes a disposição para melhorar a qualidade é conseqüência dos resultados satisfatórios obtidos com a tradução dos preceitos teóricos para a prática da construção civil em todos os seus aspectos. Sem essa tradução, a persistência se esvai e a qualidade desejada transforma-se em imagem fictícia, ajudando apenas a gerar novos custos.
O QUE FAZER?
Muitas soluções práticas podem ser adotadas facilmente, inclusive por prefeituras de pequeno e médio porte, de forma a conseguir resultados concretos para o esforço de transformação. As soluções têm que ser necessariamente implantadas desde o planejamento inicial de cada obra, abordando todos os projetos, o uso dos materiais e equipamentos, até a gerência de recursos humanos.
Para a melhoria da qualidade, reduzindo-se o desperdício e aumentando a produtividade, é preciso compreender que é impossível encontrar uma única solução mágica. Resultados concretos virão sempre da adoção de pequenas soluções que, em somatória, constituirão a qualidade de cada prefeitura.
Por conta desses fatores, é recomendável que se elabore um Programa de Qualidade e de Redução de Custos, procurando articular um conjunto de práticas e normas de ação que possibilitem um processo contínuo de melhoria de qualidade e redução de custos das obras realizadas pela prefeitura. O gerenciamento de um programa como este exige a presença de profissionais capacitados. Além da contratação ou formação de funcionários para este fim, é possível atribuir o gerenciamento do programa a empresas especializadas, a um custo em torno de 2% do valor das obras.
SOLUÇÕES
O Programa de Qualidade e de Redução de Custos deve incorporar soluções relativamente simples para combater problemas freqüentes na construção civil. O diferencial de custo entre a adoção dessas soluções e os efeitos dos problemas a que se referem é bastante significativo. Para os inúmeros problemas e suas conseqüências econômicas, há soluções aplicáveis com custo menor.
Ociosidade da mão-de-obra em canteiros – A efetivação de uma pequena equipe de planejamento e administração de materiais permite reduzir significativamente este item de desperdício, que chega a representar um custo adicional de 12% do valor da obra.
Absenteísmo, baixa produtividade e acidentes de trabalho – Têm como uma de suas principais causas a inexistência ou ineficiência de uma política de recursos humanos. Experiências realizadas em obras demonstram claramente que a ênfase no atendimento ao trabalhador nas áreas da saúde, alimentação e formação profissional tem conseguido resultados bastante satisfatórios. Apesar das particularidades do setor público, que trazem dificuldades adicionais à gestão de pessoal, as prefeituras têm condições de aumentar a produtividade da mão-de-obra nas atividades de construção, com uma política de recursos humanos voltada para a valorização do funcionário e seu comprometimento com o serviço público.
Controle dimensional – A maioria das obras de construção civil, principalmente as prediais, confere pouca ou nenhuma importância ao rigor nas medidas de projeto na execução de fundações, estrutura, alvenaria, revestimento e pisos. Este tipo de problema chega a implicar um acréscimo de 6,5% no custo total da obra. Observa-se com alarmante freqüência que espessuras de revestimentos são aumentadas no mínimo em 50% sem que o fato cause surpresa. A implantação de uma equipe volante, responsável por até quatro obras do mesmo porte, confere ao controle dimensional um rigor que traz somente benefícios às obras.
Instalações hidráulicas e elétricas – Apresentam alto índice de desperdício, podendo chegar a 15% dos custos do item, devido a uma série de fatores: características dos materiais utilizados, que exigem cortes (tubos e fios condutores); grande variedade de peças; grau de especialização dos operários; e falta de racionalização nos projetos e na execução. A racionalização dos projetos admite a utilização de kits de montagem em bancadas específicas. Assim, absorve-se mão-de-obra menos qualificada, reduz-se expressivamente o desperdício de material e de tempo e incrementa-se a qualidade nas uniões entre tubos e conexões e entre fios condutores.
Fôrmas para estruturas de concreto – As chapas adotadas na confecção de fôrmas para estruturas de concreto, principalmente lajes, normalmente apresentam rápido desgaste e, por isso, baixo índice de reutilização. Isso se deve aos danos causados durante as etapas de montagem, desmontagem e transporte. A proteção das bordas e o razoável enrijecimento obtidos com o uso de requadros com perfis metálicos seção "U" têm contribuído bastante para aumentar o número de reutilizações das chapas.
Manipulação de madeira para fôrmas – A solução preconizada, de baixo custo de implementação, é a adoção de práticas de racionalização e controle do uso das fôrmas de madeira desde o projeto até a sua montagem. Encarar a madeira, enquanto fôrma, não só como material de consumo da obra mas também como um equipamento para produzir peças de concreto, melhora sensivelmente o índice de perdas do insumo, reduzindo um desperdício que chega a atingir mais de 4% do custo total.
Aço para armaduras – O manuseio do aço na obra requer também a adoção de rotinas relacionadas ao recebimento no canteiro, passando pelo corte planejado, montagem e controle das respectivas aparas geradas. A criação de uma central de montagem, para onde conflui a execução de armaduras de várias obras, tem sido valiosa para reduzir os custos e melhorar o padrão de qualidade.
Componentes de vedação – O nível de perda nessa área é bastante alto (cerca de 1,77% do custo total), sobretudo quando utilizados produtos cerâmicos, devido à qualidade do material entregue no canteiro. Cuidados especiais são necessários e envolvem basicamente o setor de projetos (para modulação do projeto, definição de peças para corte e elaboração de especificações para compra) e os responsáveis pelas obras (que deverão solucionar de forma eficiente a estocagem do material, a sistemática de distribuição e o uso de componentes inteiros, peças cortadas e aparas geradas). É importante, ainda, estabelecer procedimentos de controle de qualidade no recebimento dos produtos.
Argamassas para revestimento – Este é um dos mais freqüentes fatores de desperdício e de má qualidade na realização de obras, desde as péssimas condições de estocagem e misturação até a aplicação propriamente dita. Ações como execução de baias adequadas ao armazenamento do material a granel, escolha de misturador mais eficiente, treinamento, controle na utilização correta dos traços das argamassas e cuidados nos projetos de fachadas, para que possibilitem a absorção das variações de prumo, são providências simples, sem complexidade tecnológica, de baixo custo e que geram resultados compensadores.
RESULTADOS
Intervenções no sentido da qualidade e da redução de custos trazem resultados a curto prazo para a prefeitura. Permitem economizar os recursos públicos, reduzir prazos de execução de obras e oferecer resultados melhores (o que significa, inclusive, oferecer melhor qualidade de vida aos cidadãos).
Também é possível obter resultados a longo prazo: a implantação de um Programa de Qualidade e Redução de Custos aprimora o nível profissional dos funcionários municipais envolvidos com a realização de obras em todas as suas fases, quaisquer que sejam suas funções. Dependendo das condições de sua implantação, pode contribuir para a constituição de uma cultura da qualidade na administração municipal, que pode mesmo inibir a prática de realização de obras às pressas às vésperas de eleições, a qualquer custo e sem preocupação com qualidade e durabilidade.
A prefeitura pode estender a aplicação das técnicas aqui apresentadas também a seus fornecedores de serviços de construção civil, transformando-as em exigências nos processos de contratação. Também é possível desenvolver programas em parceria com esses fornecedores, especialmente quando existirem contratos de prazo mais longo.
Todas estas propostas, que atingem o projeto e a execução, constituem uma série de intervenções cujo objetivo é reduzir o custo previsto e manter um padrão de qualidade adequado aos usuários das obras públicas (cidadãos e funcionários), combatendo o desperdício, desenvolvendo uma equipe disciplinada e consciente e sistematizando procedimentos corretos que não exijam tecnologias sofisticadas. No conjunto, essas soluções darão visibilidade interna e externa à qualidade pretendida, desde que mantida a persistência na aplicação de cada uma delas. Os passos indicados constituem a primeira intervenção. Outras deverão surgir, necessariamente, acompanhadas de mecanismos de auto-avaliação e correção, para que a prefeitura consolide sua própria cultura para a qualidade e a redução de custos.
* Publicado originalmente como DICAS nº 38 em 1995.
Dicas é um boletim voltado para dirigentes municipais (prefeitos, secretários, vereadores) e lideranças sociais. Atualmente, seu acervo está publicado no site do Instituto Pólis.