Gestão municipal da água*
A disponibilidade de água é fundamental para o desenvolvimento local. As ações e o planejamento da prefeitura devem ser elaborados com a participação da sociedade, facilitando a implementação das decisões.
Dicas é um boletim voltado para dirigentes municipais (prefeitos, secretários, vereadores) e lideranças sociais. Atualmente, seu acervo está publicado no site do Instituto Pólis.
Autor: Antonio José Faria da Costa
Dentre as questões ambientais, o gerenciamento dos recursos hídricos tem ganho bastante destaque. Isso porque a escassez das águas já é uma realidade reconhecida e os conflitos envolvendo seus múltiplos usos são cada vez mais constantes. E mais do que ser um fator de desenvolvimento de uma região, a água é fundamental para a vida no planeta. As atividades humanas têm comprometido a quantidade e a qualidade de água disponível. Para garantir um aproveitamento presente e futuro dos recursos hídricos em bases sustentáveis, várias decisões vêm sendo tomadas nos últimos anos no nível federal e também estadual. É importante conhecê-las tanto para os municípios que já enfrentam problemas de desabastecimento como para aqueles que ainda dispõem de fartos recursos hídricos no seu território.
RESPONSABILIDADES
Dependendo da região, os conflitos envolvendo o uso da água são anteriores à decretação da lei federal nº 9433, de janeiro de 1997, que estabelece a Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH), definindo a água como bem de domínio público e dotado de valor econômico. Com o aval da Constituição de 88, alguns estados já incluíram referências ao sistema estadual dos recursos hídricos em suas constituições. Segundo o novo arranjo, o planejamento abrangerá um Plano Estadual de Recursos Hídricos (elaborado por um órgão colegiado estadual) e os diversos planos elaborados pelos Comitês de Bacias Hidrográficas (fóruns regionais também com poder normativo e deliberativo).
A Constituição prevê a possibilidade de o município legislar sobre as questões não contempladas pelas leis federais e estaduais sempre que se tratar de assuntos de gestão ambiental local e de interesse do município. Cabe aos vereadores, portanto, regulamentar a legislação ambiental, definindo punições e multas para aqueles que insistem em poluir os cursos d’água, e articular com o executivo o controle e a fiscalização no município.
A gestão dos recursos hídricos deve estar integrada ao conjunto das questões ambientais. Pode-se cogitar para isso a criação de uma secretaria exclusiva ou um rearranjo das competências entre as já existentes. Esta secretaria ou departamento deve ser encarregada do levantamento da situação ambiental no território do município, contando com uma base de dados sobre as áreas de proteção ou aquelas degradadas e de risco, cadastro dos recursos hídricos disponíveis, situação da flora e da fauna no município, cadastro dos usuários das águas, etc., bem como procurar estar atualizada sobre a legislação em vigor e ter acesso a informações referentes aos debates estaduais e federais.
AÇÕES MUNICIPAIS
Dependendo das características geográficas e sócio-econômicas da região, devem ser estudadas principalmente as medidas de saneamento básico do município, destacando-se a destinação final do resíduo sólido e o tratamento de esgotos. As soluções convencionais nem sempre são as mais adequadas e quase sempre prejudicam a qualidade dos recursos hídricos da região. Os lixões e aterros sanitários, por exemplo, além de serem soluções apenas temporárias, são focos potenciais de poluição das águas superficiais e subterrâneas. Os efluentes domésticos e industriais devem receber tratamento antes de serem lançados nos cursos d’água. Além disso, deve-se controlar a capacidade de absorção da carga de efluentes lançados, procurando minimizar os impactos.
No primeiro caso, campanhas de coleta seletiva do lixo são instrumentos mais racionais de ação, facilitando o manejo dos resíduos sólidos por parte da administração pública. Um significativo volume de lixo gerado pelo município pode ser compactado e armazenado para posterior encaminhamento para reciclagem; o lixo orgânico, depois do processo de compostagem, pode ser transformado em adubo para aproveitamento na agricultura.
Quanto aos esgotos, há tecnologias modernas como os reatores aeróbicos verticais que têm a vantagem de requererem pequeno espaço para instalação, fácil manutenção e possibilidade de aproveitamento da rede de drenagem pluvial urbana para condução dos efluentes tratados. Como toda proposta a ser implementada, é preciso fazer uma análise de viabilidade.
São importantes a preservação e o manejo de pequenos córregos e riachos, a proteção e recuperação de sua mata ciliar. Equivocadamente, muitas vezes no município não é dada a devida atenção a esses cursos d’água, creditando-lhes pouca importância. Mas muitos municípios que já sofrem com a escassez de recursos hídricos (como Penápolis-SP) se anteciparam no cuidado com a microbacia que os abastece. O Consórcio Intermunicipal Ribeirão Lajeado tem promovido o replantio de espécies nativas nas margens dos córregos, além de preservar as nascentes.
Com relação às matas ciliares, uma iniciativa que pode ser desenvolvida no âmbito municipal é a criação de viveiros de mudas nativas. Os viveiros funcionam como centros de pesquisa e educação ambiental, ao envolver estudantes e outros setores da sociedade civil na coleta de sementes e produção de mudas, acompanhando o processo desde a germinação até o plantio final. A vantagem dos viveiros de mudas nativas é que eles podem também produzir espécies para arborização urbana e mudas de árvores frutíferas. Além disso o viveiro pode ser assumido por alguma organização da sociedade civil, reforçando o caráter prático da preocupação com os recursos hídricos.
Outra experiência a destacar é o Manejo Conservacionista de Bacia Hidrográfica, inspirado na experiência desenvolvida na Venezuela. O Manejo Conservacionista consiste na integração de duas vertentes, uma institucional e outra comunitária. A institucional, de caráter técnico e científico, congrega especialistas responsáveis pela realização de diagnósticos da bacia baseados em instrumentos modernos de planejamento ambiental, como fotos aéreas, imagens de satélite, análises físico-químicas da água e solo, etc. A vertente comunitária, formada pelas lideranças da sociedade civil da região da bacia, participa também da discussão e elaboração do Plano Ambiental, na forma de contribuições organizadas em Cadernos de Planejamento Popular. Estes cadernos são instrumentos que procuram captar a percepção ambiental das comunidades rurais e urbanas da bacia. No processo de planejamento participativo está prevista a capacitação dos técnicos e dos líderes comunitários, envolvendo a sociedade no processo de conscientização ambiental. Quando é possível contar com os recursos humanos necessários à realização dos diagnósticos técnicos, tal metodologia de planejamento ambiental pode render bons frutos beneficiando tanto uma vertente quanto a outra.
PARCERIAS COM A SOCIEDADE
Embora seja importante que o órgão público centralize os trabalhos, seu sucesso depende da participação e do apoio da sociedade civil. A própria Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH) reconhece que o gerenciamento dos recursos hídricos só pode ser feito de forma integrada e enfatiza a participação da sociedade civil nos órgãos colegiados de discussão e encaminhamento de soluções para os conflitos na bacia hidrográfica. Sendo assim, é fundamental que o município promova a organização dos usuários, divulgando a legislação existente, bem como conscientizando-os sobre a situação real no município, incentivando a busca de soluções para os problemas e um planejamento para evitar problemas futuros. Campanhas de educação ambiental tanto nas escolas, quanto nos meios de comunicação e nos espaços de trabalho, buscando uma utilização mais racional da água, evitando o desperdício e controlar a poluição dos mananciais, são medidas eficazes.
Uma outra possibilidade é a constituição de Conselhos Municipais de gestão de recursos hídricos. Composto por representantes de órgãos públicos estaduais e municipais (Secretaria de Meio Ambiente, Secretaria Municipal de Recursos Hídricos, etc.), da iniciativa privada e da sociedade civil (associações, ONGs, etc.). Os Conselhos Municipais são um espaço privilegiado para a discussão e elaboração de um Plano Municipal que congregue todos os usos setoriais da água. Já implementados em alguns estados, os Conselhos têm se mostrado importantes para motivar os cidadãos a discutir tanto as ações públicas referentes à captação e tratamento da água para consumo até a coleta e tratamento dos esgotos, bem como controles dos vetores de doenças transmissíveis, reservatórios e destinação final do lixo. No Ceará, por exemplo, a COGERH, Companhia de Gestão de Recursos Hídricos criou o Departamento de Organização dos Usuários buscando promover uma maior participação dos usuários das águas através do gerenciamento participativo (conselhos gestores de açudes e conselhos de usuários de vales perenizados para a operação dos respectivos reservatórios).
RESULTADOS
Ações da prefeitura para gerenciar os recursos hídricos, baseadas na legislação mais recente, permitem melhorar a qualidade e a quantidade de água disponível no município. Além de ser fundamental para a vida da população, isso pode ajudar a atrair investimentos e recursos. Em alguns estados, por exemplo, já existe uma legislação que beneficia com financiamentos e repasses de verba os municípios que se mostram preocupados com a gestão ambiental. É o caso do ICMS-Ecológico, e das compensações decorrentes da criação de Áreas de Proteção Ambiental (APAs).
Ao formar Conselhos Municipais para a Gestão dos Recursos Hídricos, com a participação dos usuários – sociedade civil organizada, empresários, etc. – o governo municipal favorece o exercício da cidadania. Todos os que precisam da água se envolvem para discutir os problemas que podem afetar o fornecimento: fatores geradores de poluição, medidas de saneamento, destinação final do lixo, controle dos vetores, desperdício de água.
Como a lei federal nº 9433, que regulamenta uso dos recursos hídricos, prevê, inclusive, a possibilidade de cobrança pelo uso da água, a prefeitura pode fazer um planejamento para garantir a disponibilidade dos recursos hídricos do município, por exemplo, cadastrando os usuários e os poluidores. Ao ampliar a participação da sociedade na elaboração deste planejamento, através dos Conselhos, as decisões do governo municipal serão mais transparentes e contarão com maior apoio para serem implementadas.
Após este mapeamento, o Conselho pode se articular com o legislativo municipal para a elaboração tanto de leis punitivas – multas aos poluidores e desperdiçadores –, quanto de leis de incentivo – como anistias e subsídios para os que investirem em tecnologias que preservem os recursos hídricos.
Os Conselhos podem também contribuir para o desenvolvimento da consciência ambiental ao assumir ações concretas como a produção de mudas para reconstituição das matas ciliares ou com campanhas nas escolas e locais de trabalho.
* Publicado originalmente como DICAS nº 108 em 1998.
Dicas é um boletim voltado para dirigentes municipais (prefeitos, secretários, vereadores) e lideranças sociais. Atualmente, seu acervo está publicado no site do Instituto Pólis.