Do que trata o texto: “Ações envolvendo várias prefeituras e representantes da sociedade civil favorecem a conscientização sobre o uso racional da água e facilitam a formalização de convênios com os órgãos estaduais”.

Do que trata o texto: “Ações envolvendo várias prefeituras e representantes da sociedade civil favorecem a conscientização sobre o uso racional da água e facilitam a formalização de convênios com os órgãos estaduais”.

Disponível em:Publicado originalmente como DICAS nº 111 em 1998
Fonte:
Instituto Pólis
Autor:
Antônio José Faria da Costa
Data de publicação:
1998


Enquanto as fontes não secam, não há conflitos pelo uso e aproveitamento da água. O mito em torno do “poder restaurador da natureza” e o descaso em relação ao meio ambiente levam à degradação das águas superficiais e subterrâneas. Mas quando o desabastecimento e a limitação do consumo se tornam realidade, o problema se configura em termos de recursos hídricos.

Não basta, no entanto, a prefeitura estabelecer uma infinidade de leis para
proteger e regular o uso dos seus mananciais se os municípios vizinhos não tiverem controle algum. Como o gerenciamento destes recursos exige uma atuação em toda a bacia hidrográfica, os consórcios intermunicipais facilitam a implementação das ações e permitem alcançar melhores resultados.

HISTÓRICO

Desde a criação do Código das Águas, em 1934, as políticas públicas sobre recursos hídricos seguiram um modelo centralizador, dando especial atenção à regulamentação das questões relativas ao aproveitamento hidráulico com fins de geração de energia elétrica, negligenciando o estabelecimento de legislação para os demais usos. Foram focalizadas regiões estratégicas, como o Vale do Paraíba, onde princípios de planejamento integrado foram sendo aplicados para reerguer economicamente a região. A partir de 1948, a Comissão do Vale do São Francisco procurou também aproveitar de forma integrada os recursos hídricos daquela bacia. As décadas de 50 e 60 caracterizaram-se por projetos e obras de barragens reguladoras das vazões dos rios buscando contornar problemas com enchentes e promover o melhor aproveitamento do solo ocupado.

Os primeiros órgãos criados se mostraram inócuos e a sobreposição de ações estaduais e federais dificultaram o planejamento integrado. Nos anos 70 começaram a se configurar alguns princípios básicos da gestão: necessidade de promover a utilização racional e integrada dos recursos hídricos, definição da bacia hidrográfica como unidade de planejamento, e a premissa da decisão colegiada, procurando compatibilizar planos setoriais de recursos hídricos de uma região. Foi então criado o Comitê Especial de Estudos Integrados de Bacias Hidrográficas (CEEIBH), que orientou o desenvolvimento dos Comitês Executivos por bacia.

A Lei 9433/97 estabelece que a água é um bem de domínio público, um recurso natural limitado e dotado de valor econômico, traçando as diretrizes da Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH), criando o Sistema Nacional de Gerenciamento dos Recursos Hídricos (SINGREH). Além disso, esta lei reconheceu a bacia hidrográfica como unidade territorial para a implementação da PNRH e criou a possibilidade da cobrança pelo uso da água. Os organismos integrantes do SNGRH são, basicamente, os Comitês de Bacia Hidrográfica e as Agências de Água, juntamente com o Conselho Nacional de Recursos Hídricos e os Conselhos Estaduais. No seu esforço descentralizador, entretanto, além de tais instâncias institucionais, a PNRH reconhece os Consórcios Intermunicipais e outras associações regionais como organizações civis de recursos hídricos.

Atualmente as prioridades são determinadas em função da importância econômica de uma região e do nível de degradação em que se encontra a bacia hidrográfica. As ações governamentais têm sido orientadas, portanto, para conciliar o aumento da demanda com a crescente escassez dos recursos, decorrente seja de fenômenos naturais como as secas no nordeste brasileiro, seja da poluição industrial e lançamento de esgotos domésticos sem qualquer tratamento nos cursos d’água.

Como são os conflitos que orientam tanto a tomada de decisões em relação aos recursos hídricos quanto a organização da sociedade civil, foi justamente nas bacias mais degradadas que surgiram as primeiras manifestações em atenção à sua utilização racional. No final da década de 80, baseados na Constituição de 88, os estados de São Paulo, Rio Grande do Sul, Espírito Santo e Ceará já se mobilizavam na elaboração de legislação estadual e no incentivo à criação de instâncias institucionais específicas ao gerenciamento dos recursos hídricos. Mas foi somente nos anos 90 que surgiram os primeiros Consórcios Intermunicipais de Bacia e os Comitês de Bacia Hidrográfica.

POSSIBILIDADES
Os Consórcios de Bacia Hidrográfica têm realizado um importante trabalho nas regiões onde atuam, destacando-se a conscientização da população sobre o uso racional da água, o reflorestamento das matas ciliares, a formalização de convênios com os órgãos estaduais, rateios para a realização de obras de saneamento e tratamento de esgotos, além de promover a integração dos municípios para a realização de estudos que favoreçam a elaboração de um Plano Diretor da Bacia Hidrográfica, indispensável para o encaminhamento da gestão.

A constituição de uma sociedade civil sem fins lucrativos é a personalidade jurídica atualmente mais recomendada para os consórcios intermunicipais, dada a sua estrutura simples e desburocratizada. Os prefeitos devem inicialmente elaborar e encaminhar à Câmara Municipal um projeto de lei solicitando a aprovação para que o município participe do consórcio. Após a autorização dos respectivos Legislativos, deverá ser elaborado o estatuto regulamentando a participação dos consorciados. É fundamental que todos os prefeitos envolvidos no consórcio participem da reunião de aprovação do estatuto – devidamente registrada em ata – durante a qual serão eleitos o presidente e o vice-presidente do consórcio. Seguem-se os procedimentos de publicação no Diário Oficial do Estado, o registro no Cartório de Títulos e Documentos da cidade eleita como sede e a obtenção do CGC.

A estrutura organizacional do consórcio é bastante simples. O Conselho de Sócios ou dos Municípios (CM) é constituído pelos prefeitos, representando o órgão máximo de deliberação. Mais recentemente os consórcios têm também previsto em estatuto a participação de representantes da sociedade civil no Conselho de Sócios, colaborando para aumentar a transparência na administração pública. O Conselho Fiscal é o órgão encarregado de acompanhar a gestão e a fiscalização das finanças e da contabilidade. Dele participam representantes das Câmara Municipais dos municípios consorciados, podendo também contar com representantes da sociedade civil e da iniciativa privada. A Secretaria Executiva (SE), formada pela equipe técnica e administrativa, assume a coordenação e a implementação das ações definidas pelo CM. Além dessas três instâncias, alguns consórcios optaram pela constituição de uma Plenária de Entidades, órgão consultivo formado por entidades da sociedade civil (universidades, centros de pesquisa, Comitês Municipais de Recursos Hídricos, ONGs, etc.).

Essa estrutura administrativa tem a vantagem de garantir a agilidade necessária para a execução dos trabalhos. Na medida em que pode ser difícil conciliar as agendas dos prefeitos consorciados, e as reuniões do CM devem ter caráter deliberativo, a SE pode se articular em uma Coordenadoria de Planejamento (CP) e Grupos Municipais de Trabalho (GMT), dos quais podem participar as entidades representadas na Plenária. A CP se encarregaria da elaboração dos planos de trabalho a serem encaminhados ao CM, para posterior execução pelos GMT. Assim, a discussão sobre as prioridades para a bacia hidrográfica contará com a participação da sociedade civil nos vários estágios de funcionamento do consórcio, aumentando a legitimidade no processo e facilitando aos prefeitos a implementação das decisões.

Inicialmente o consórcio pode contar com uma equipe formada por funcionários das prefeituras consorciadas e das entidades que participam da Plenária. Mas a experiência tem demonstrado que, dependendo da natureza do consórcio e das metas traçadas, aqueles que contam com uma equipe exclusiva, plenamente dedicada aos propósitos estabelecidos, tendem a funcionar melhor. Quando se tratar de questões de natureza técnica e não meramente administrativa, devem ser consultados profissionais de competência específica. Em todo caso, o consórcio deve sempre manter sua autonomia para contratar os funcionários que julgar conveniente.

RECURSOS

Os recursos financeiros necessários para a administração do consórcio são definidos pelos associados, tendo sido comum o repasse de uma pequena porcentagem do Fundo de Participação dos Municípios ou o estabelecimento de uma contribuição mensal, facultando à iniciativa privada a participação no Conselho Administrativo. Esse mecanismo garante aos municípios consorciados um adequado grau de autonomia frente ao Estado, garantindo também a continuidade administrativa indispensável ao bom funcionamento do consórcio.

Uma vez decididas quais ações serão implementadas na bacia hidrográfica, o consórcio deve buscar apoio nos níveis estadual e federal, que contam com agências específicas de financiamento e cooperação técnica. Mais uma vantagem para a constituição dos consórcios intermunicipais de recursos hídricos é que eles são reconhecidos como entidades de gestão de recursos hídricos e, na inexistência de um Comitê de Bacia (ver box) na área de atuação do consórcio, cabe a eles a responsabilidade pela execução das obras de saneamento.

COMITÊS DE BACIA HIDROGRÁFICA E AGÊNCIAS DE ÁGUA
Apesar de reconhecer os consórcios intermunicipais como entidades de gerenciamento dos recursos hídricos, a Política Nacional de Recursos Hídricos estabelece que as instâncias locais de gestão são os Comitês de Bacia Hidrográfica e suas respectivas Agências de Água. Buscando a descentralização e o planejamento integrado, a PNRH previu a constituição dos Comitês limitando a participação dos poderes públicos à metade de sua composição, cabendo a outra metade aos usuários da bacia, embora nos rios estaduais os comitês sejam tripartites, com representação do governo estadual, municipal e da sociedade civil.

Dentre as atribuições dos comitês destacam-se a de articular a atuação das entidades envolvidas com os recursos hídricos e a de administrar os conflitos locais, estabelecendo os mecanismos de cobrança pelo uso da água e aprovação do plano de aplicação dos recursos arrecadados. Cada comitê, ou grupo de comitês contará com a assistência de uma Agência de Água, funcionando como sua secretaria executiva e braço técnico-administrativo viabilizado financeiramente pela cobrança apoiada nos princípios de “usuário-pagador” e “poluidor-pagador”. Isso quer dizer que os usuários da bacia deverão pagar tanto pela retirada da água disponível na superfície e no subsolo, como pela sua devolução ao meio ambiente.

A principal dificuldade do sistema de gerenciamento proposto pela PNGRH é que a criação dos comitês e agências de água depende do grau de mobilização da sociedade civil na área de abrangência da bacia. Enquanto não há conflitos envolvendo o uso da água, apesar da degradação constante a que estão sujeitos os mananciais, o controle e a fiscalização por parte do Estado ficam restritos ao mecanismo de outorga, ou seja, qualquer novo empreendimento na área da bacia exige cadastro e autorização, para que possa haver algum controle do que está sendo feito com a água. Isto, no entanto, não é capaz, por si só, de refrear a poluição. Além disso, as diferenças regionais e sócio-econômicas num país de dimensões continentais como o Brasil, dificultando a fiscalização e o acompanhamento de tudo o que está se passando, podem comprometer o trabalho dos comitês e de suas respectivas agências, inviabilizadas pela dificuldade de cobrança.