O entulho, com a reciclagem, passa de vilão a aliado da administração municipal.Autor: José Carlos Vaz
Consultor: Tarcísio P. Pinto

O entulho, com a reciclagem, passa de vilão a aliado da administração municipal.Autor: José Carlos Vaz
Consultor: Tarcísio P. Pinto

A quantidade de entulho gerado nas construções que são realizadas nas cidades brasileiras demonstra um desperdício irracional de material: desde a sua extração, passando pelo seu transporte e chegando à sua utilização na construção. Os custos desta irracionalidade são distribuídos por toda a sociedade, não só pelo aumento do custo final das construções como também pelos custos de remoção e tratamento do entulho. Na maioria das vezes, o entulho é retirado da obra e disposto clandestinamente em locais como terrenos baldios, margens de rios e de ruas das periferias. A prefeitura compromete recursos, nem sempre mensuráveis, para a remoção ou tratamento desse entulho: tanto há o trabalho de retirar o entulho da margem de um rio como o de limpar galerias e desassorear o leito de córregos onde o material termina por se depositar. O custo social total é praticamente impossível de ser determinado, pois suas conseqüências geram a degradação da qualidade de vida urbana em aspectos como transportes, enchentes, poluição visual, proliferação de vetores de doenças, entre outros. De um jeito ou de outro, toda a sociedade sofre com a deposição irregular de entulho e paga por isso.

Como para outras formas de resíduos urbanos, também no caso do entulho o ideal é reduzir o volume e reciclar a maior quantidade possível do que for produzido.

A RECICLAGEM
Apesar de causar tantos problemas, o entulho deve ser visto como fonte de materiais de grande utilidade para a construção civil. Seu uso mais tradicional – em aterros – nem sempre é o mais racional, pois ele serve também para substituir materiais normalmente extraídos de jazidas ou pode se transformar em matéria-prima para componentes de construção, de qualidade comparável aos materiais tradicionais.

É possível produzir agregados – areia, brita e bica corrida para uso em pavimentação, contenção de encostas, canalização de córregos, e uso em argamassas e concreto. Da mesma maneira, pode-se fabricar componentes de construção – blocos, briquetes, tubos para drenagem, placas. Para todas estas aplicações, é possível obter similaridade de desempenho em relação a produtos convencionais, com custos muito competitivos. De qualquer forma, a compatibilidade entre as aplicações e os materiais e componentes produzidos deve ser levada em conta. A produção de componentes deve considerar a necessidade de cuidados especiais para que a composição do entulho não prejudique o produto final. Além disso, o controle da composição e do processamento do material é indispensável.

A prefeitura deve iniciar a implantação do programa fazendo um levantamento da produção de entulho no município, estimando os custos diretos e indiretos causados pela deposição irregular. Com base nestas informações será possível determinar a tecnologia a ser empregada, os investimentos necessários e a aplicação dos resíduos reciclados.

A implantação da reciclagem do entulho, assim como da sua sistemática de coleta, é mais eficiente se contar também com os agentes privados envolvidos na indústria da construção, em especial nas cidades onde o volume de obras realizadas pela administração municipal não produzir resíduos em escala suficiente para justificar a reciclagem.

A reciclagem de entulho pode ser realizada com instalações e equipamentos de baixo custo, apesar de existirem opções mais sofisticadas tecnologicamente. Havendo condições, pode ser realizado na própria obra que gera o resíduo, eliminando os custos de transporte.

É possível contar com diversas opções tecnológicas, mas todas elas exigem áreas e equipamentos destinados à seleção, trituração e classificação de materiais. As opções mais sofisticadas permitem produzir a um custo mais baixo, empregando menos mão-de-obra e com qualidade superior. Exigem, no entanto, mais investimentos e uma escala maior de produção. Por estas características, adequam-se, normalmente, a cidades de maior porte.

A implantação de usinas de reciclagem ou fábricas de componentes de uso comum a vários municípios – através de consórcios – depende, principalmente, da distância entre eles, dada a importância dos custos de transporte, e tende a ser possível apenas para municípios muito próximos.

COLETA DO ENTULHO
Para resolver o problema do entulho é preciso organizar um sistema de coleta eficiente, minimizando o problema da deposição clandestina. É necessário estimular, facilitando o acesso a locais de deposição regular estabelecidos pela prefeitura. A partir de uma coleta eficaz é possível introduzir práticas de reciclagem para o reaproveitamento do entulho.

Para cidades maiores, é importante que a coleta de entulho seja realizada de forma desconcentrada, com instalações de recebimento de entulho em várias regiões da cidade. Em contrapartida, é preciso lembrar que a concentração dos resíduos torna mais barata a sua reciclagem, reduzindo os gastos com transporte, que, em geral, é a variável mais importante num processo de reciclagem. Há portanto, uma equação a ser resolvida, envolvendo custos e quantidade de locais para deposição regular. Estabelecer dias de coleta por bairro, onde a população pode deixar o entulho nas calçadas para ser recolhido por caminhões da prefeitura é uma prática já adotada em alguns municípios. Entretanto, só é eficaz se for possível manter a regularidade do atendimento, sem perder a confiança da população. A divulgação dos locais e dias de recolhimento e o estabelecimento de medidas rigorosas de fiscalização não podem ser dispensadas. Este sistema de coleta, apesar de muito prático para os produtores do entulho, implica altos custos para a prefeitura.

A política de coleta do entulho deve ser integrada aos demais serviços de limpeza pública do município. Pode-se aproveitar programas já existentes ou, ao contrário, a partir do recolhimento de entulho implantar novos serviços como a coleta de "bagulhos" (por exemplo, móveis usados) que normalmente têm o mesmo tipo de deposição irregular e tão danosa quanto o entulho.

Mas o entulho surge não só da substituição de componentes pela reforma ou reconstrução. Muitas vezes é gerado por deficiências no processo construtivo: erros ou indefinições na elaboração dos projetos e na sua execução, má qualidade dos materiais empregados, perdas na estocagem e no transporte. Estes desperdícios podem ser atenuados através do aperfeiçoamento dos controles sobre a realização das obras públicas e também através de trabalhos conjuntos com empresas e trabalhadores da construção civil, visando aperfeiçoar os métodos construtivos, reduzindo a produção de entulho e os desperdícios de material.

EXPERIÊNCIAS
Nos EUA, Japão, França, Itália, Inglaterra e Alemanha e outros países a reciclagem de entulho já se consolidou, com centenas de unidades instaladas. Os governos locais dispõem de leis exigindo o uso de materiais reciclados na construção e em serviços públicos.

No Brasil, entretanto, o reaproveitamento do entulho é restrito, praticamente, à sua utilização como material para aterro e, em muito menor escala, à conservação de estradas de terra. A prefeitura de São Paulo, em 1991, implantou uma usina de reciclagem com capacidade para 100 t/hora, produzindo material utilizado como sub-base para pavimentação de vias secundárias, numa experiência pioneira no Hemisfério Sul.

Em Belo Horizonte-MG, a prefeitura está implantando um programa para correção ambiental de áreas degradadas pela deposição clandestina de entulho, com a criação de uma rede de áreas para sua captação. O programa é completado pela instalação de usinas de reciclagem que produzirão materiais para uso em obras e serviços públicos, que deverão entrar em operação ainda em 1994.

RESULTADOS

1. Ambientais
Os principais resultados produzidos pela reciclagem do entulho são benefícios ambientais. A equação da qualidade de vida e da utilização não predatória dos recursos naturais é mais importante que a equação econômica. Os benefícios são conseguidos não só por se diminuir a deposição em locais inadequados (e suas conseqüências indesejáveis já apresentadas) como também por minimizar a necessidade de extração de matéria-prima em jazidas, o que nem sempre é adequadamente fiscalizado. Reduz-se, ainda, a necessidade de destinação de áreas públicas para a deposição dos resíduos.

2. Econômicos
As experiências indicam que é vantajoso também economicamente substituir a deposição irregular do entulho pela sua reciclagem. O custo para a administração municipal é de US$ 10 por metro cúbico clandestinamente depositado, aproximadamente, incluindo a correção da deposição e o controle de doenças. Estima-se que o custo da reciclagem significa cerca de 25% desses custos.
A produção de agregados com base no entulho pode gerar economias de mais de 80% em relação aos preços dos agregados convencionais. A partir deste material é possível fabricar componentes com uma economia de até 70% em relação a similares com matéria-prima não reciclada. Esta relação pode variar, evidentemente, de acordo com a tecnologia empregada nas instalações de reciclagem, o custo dos materiais convencionais e os custos do processo de reciclagem implantado. De qualquer forma, na grande maioria dos casos, a reciclagem de entulho possibilita o barateamento das atividades de construção.

3. Sociais
O emprego de material reciclado em programas de habitação popular traz bons resultados. Os custos de produção da infra-estrutura das unidades podem ser reduzidos.
Como o princípio econômico que viabiliza a produção de componentes originários do entulho é o emprego de maquinaria e não o emprego de mão-de-obra intensiva, nem sempre se pode afirmar que a sua reciclagem seja geradora de empregos.


* Publicado originalmente como DICAS nº 7 em 1994.Dicas é um boletim voltado para dirigentes municipais (prefeitos, secretários, vereadores) e lideranças sociais. Atualmente, seu acervo está publicado no site do Instituto Pólis.

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