Do que trata o texto: Esta é uma das vinte experiências selecionadas no ciclo de premiação de 1996 do Programa de Gestão Pública e Cidadania (iniciativa conjunta da Fundação Getúlio Vargas e da Fundação Ford).

Disponível em: Publicado originalmente como DICAS nº 76
Fonte: Instituto Pólis
Autor: Adaptação, por José Carlos Vaz, do relatório de Beatriz do Valle Bargieri para o Programa Gestão Pública e Cidadania (FGV-Fundação Ford).

Data de publicação: 1996


Quixadá-CE (70 mil hab.), localizado-se no sertão central do Ceará, caracteriza-se economicamente como um pólo industrial (desorganizado) de confecção e pólo comercial que atrai a população de cidades vizinhas. Logo após a eleição de 1992, ainda antes da posse do novo prefeito, a partir de uma pesquisa-diagnóstico e reuniões com a população, identificou-se o desemprego como a principal preocupação no município. O novo governo, desde os primeiros dias de sua gestão, procurou realizar ações que ajudassem a amenizar o problema. Criou o Programa de Geração de Emprego e Renda.

Esse programa insere-se numa política global de promoção do desenvolvimento econômico e social, orientada para a geração de emprego e renda para setores sociais de baixa renda, marginalizados do núcleo central do processo produtivo da economia regional.

Pode ser adaptado para outros municípios, de acordo com os recursos iniciais disponíveis, uma vez que o montante unitário é pequeno. Sua reprodução depende muito da capacidade de articular parcerias e estabelecer contatos qualificados com os cidadãos.

AÇÕES
O programa foi desenvolvido inicialmente pela Secretaria do Trabalho e Ação Social da Prefeitura Municipal de Quixadá, que optou por uma estratégia gradual de implantação. Ganhando credibilidade com os resultados positivos, a prefeitura buscou estabelecer parcerias com órgãos públicos estaduais e federais, entidades internacionais e ONGs.

As ações do programa caracterizaram-se por estimular a montagem ou ampliação de pequenos negócios, sem perder de vista a preocupação com a sua eficiência e desenvolvimento. Foi adotado um amplo conjunto de ações, permitindo viabilizar as iniciativas através de apoio técnico-jurídico, suporte financeiro, capacitação para gerenciamento e qualificação de mão-de-obra especializada. Dessa forma, os resultados alcançados ultrapassaram o caráter emergencial. Cinco linhas de trabalho nortearam o programa:

a) Crédito popular: O programa concedeu créditos, sem cobrança de juros, para abertura e expansão de pequenos negócios. Em abril começaram a ser liberados os primeiros créditos. Não havia um valor mínimo, atingindo o máximo de R$ 1.000,00, com média em torno de R$ 100,00. Com a ampliação do programa, em 1996 foi possível elevar o limite máximo para R$ 3.000,00 para ampliação e R$ 4.000,00 para novos negócios. Para a linha de financiamento do Banco do Nordeste do Brasil – BNB – pode-se chegar a valores maiores.

b) Apoio a iniciativas individuais (pequenos negócios): O programa desenvolveu atividades de acompanhamento das iniciativas, desde a definição e capacitação para seu desenvolvimento até o acompanhamento do funcionamento das unidades formadas a partir do programa. As pessoas que queriam participar do programa foram submetidas a cursos de criação de novos negócios (7 manhas e 3 tardes), obrigatórios para recebimento de financiamento. Nesses cursos pôde-se discutir e aprofundar as expectativas dos participantes, além de lhes apresentar formas de gerenciamento do negócio, métodos de apropriação de custos, a análise da viabilidade, etc. A partir do curso, e com seu apoio, definia-se o empreendimento e elaborava-se o projeto. Para iniciativas já existentes, foram oferecidos cursos de técnicas de gerenciamento.

c) Formação de cooperativas e associações: Fez parte das atividades do programa o estímulo e apoio técnico-jurídico a iniciativas de organização da comunidade, visando obter recursos para projetos comunitários de geração de renda. O associativismo e o cooperativismo foram apoiados também através da facilitação do acesso a linhas de crédito (como PROFAT – Programa Fundo de Amparo ao Trabalhador e Projeto S. José, do Governo do Estado), através da legalização e regularização de entidades para que as comunidades possam se habilitar a essas fontes de financiamento. Foram regularizadas cerca de 40 associações. A prefeitura apoiou a organização de duas cooperativas, integrando produtores que se encontravam desorganizados e dispersos.

d) Capacitação de mão-de-obra especializada: O programa promoveu cursos de capacitação profissional que permitiram o acesso a emprego e renda e a viabilização de novos negócios.

e) Regularização do setor informal da economia: Também fez parte do escopo do programa a regularização de unidades produtivas informais, possibilitando, a partir disso, seu acesso a financiamentos.

PARCERIAS
A prefeitura procurou construir o programa junto com as entidades da sociedade local e os órgãos públicos. Disto resultou um programa onde se destacam várias parcerias, em diferentes níveis e com diferentes tipos de entidades, possibilitando resultados significativos a um custo financeiro razoavelmente baixo. A busca de parcerias tem sido uma preocupação constante e foi sendo efetivada a partir das necessidades concretas constatadas no decorrer da própria execução do programa, e garantem a penetração do programa junto aos cidadãos do município.

Para as atividades de capacitação, quatro parcerias foram constituídas:

a) GRET: Desta entidade francesa, o programa recebeu a colaboração na formação de artesãos especializados em entalhe sobre pedra (Quixadá é uma cidade cercada de grandes pedras). Um especialista francês permaneceu um ano em Quixadá formando artesãos.

b) GTZ: A agência de cooperação alemã colaborou com o programa na capacitação dos seus técnicos e no apoio à realização dos cursos de capacitação para implantação dos empreendimentos. Os técnicos da prefeitura aprenderam a metodologia CEFE – Criação de Empresas, Formação de Empresários, baseada em princípios participativos, que se mostrou eficiente para o público-alvo: pessoas simples e baixo nível de escolaridade.

c) SEBRAE: Uma série de cursos técnicos profissionalizantes foram oferecidos, com o apoio do SEBRAE, permitindo capacitar a mão-de-obra local.

d) SINE: O SINE auxiliou o programa da prefeitura, através de convênio, nas atividades de apoio e capacitação para o gerenciamento de novos negócios.

O programa caracteriza-se também pela articulação com outros programas da própria administração municipal:

a) Crescer com Cidadania, projeto de assistência a meninos de rua, que se articula à geração de emprego e renda: A partir da conversa com seus familiares e com a comunidade de onde eles vieram, foi identificado que "não tinham o que comer em casa" e que "precisavam trazer alguma coisa para casa". A construção do programa foi coletiva (meninos, famílias, e Conselho da Criança e do Adolescente). O projeto incluiu, além de escola, lazer, esporte e cultura, um Programa de Profissionalização com Geração de Renda.

b) Mutirão: A realização de cursos profissionalizantes para beneficiários de mutirões possibilitou que, além de construírem suas próprias casas, adquirissem uma profissão com possibilidades de inserção no mercado de construção civil. Alguns mutirantes passaram a ter dedicação exclusiva, sendo remunerados pelo próprio mutirão.

c) Hora de Plantar: Neste programa, a prefeitura concede horas de trator a pequenos proprietários rurais (em 1996 foram atendidos 2.083). O uso do trator é pago com a própria produção, usada na merenda escolar. O programa também funciona como uma política de incentivo ao associativismo como forma de obtenção de financiamento para aquisição de tratores e para a produção. Algumas associações comunitárias rurais conseguiram comprar tratores e os alugam, a preços acessíveis, a seus associados.

RECURSOS

Depois de quase um ano utilizando apenas recursos da prefeitura, o programa estabeleceu uma parceria com o Departamento de Atividades Produtivas, da Secretaria de Ação Social do governo estadual, permitindo acesso a crédito junto ao BEC – Banco do Estado do Ceará.

Em março de 94, foi criado o Fundo de Incentivo às Pequenas Unidades Produtivas – FIPUP, através de Lei Municipal, "destinado a propiciar o apoio financeiro à implantação, consolidação ou ampliação de pequenas unidades produtivas de Quixadá, além de prover e financiar os mecanismos de apoio gerencial e tecnológico necessários aos empreendimentos".

Em 1995, um convênio com o SINE possibilitou o acesso a crédito do BNB. Foi fundamental para a celebração deste convênio a repercussão positiva do trabalho já realizado pela Prefeitura e a proposta de superar a simples obtenção de financiamentos, capacitando e acompanhando técnico-juridicamente os projetos financiados.

Nesse mesmo ano, o orçamento do programa atingiu R$ 245.921,26. Destes, R$ 54.584,66 (recursos próprios) foram gastos em manutenção da infra-estrutura do Programa e na promoção de cursos. O restante destinou-se ao fornecimento de crédito. O FIPUP forneceu R$ 4.567,23, o Governo do Estado (através do BEC) aportou R$ 16.939,11 e o BNB contribuiu com R$ 169.830,26.

RESULTADOS
O Programa apontou para mudanças na cultura política, modificando a relação dos cidadãos com os órgãos públicos. Ajudou a superar práticas políticas de cunho paternalista e clientelista. Ao oferecer orientação, capacitação e pequenos financiamentos, possibilitou a promoção da dignidade dos cidadãos enquanto trabalhadores e produtores de riqueza.

O Programa mostra que é possível uma atuação efetiva dos governos municipais na geração de emprego e renda. O poder público municipal conseguiu, com grande ousadia e poucos recursos, alavancar medidas de combate ao desemprego articuladas e amplas, tratando de forma interligada o acesso ao crédito, o apoio à organização e a capacitação profissional para enfrentar o mercado. Seu êxito em conquistar parcerias deve-se exatamente a essas características.

Uma pesquisa do SINE indicou redução da taxa de desemprego aberto, de 14,61% em 1992 para 8,37% em 1994 e 7,18% em 1995. Foi exatamente o mercado informal que proporcionou o aumento de ocupação.

No período 1993-1996, o programa financiou 196 negócios (abertura ou ampliação). Capacitou cerca de 900 trabalhadores (incluindo gerenciamento de negócios e qualificação de mão-de-obra). A prefeitura avaliou, em 1996, a relação entre a demanda assistida e a demanda existente em cerca de 30%.

Passos importantes também foram dados na organização dos produtores e na sua qualificação para atuação e competição no mercado. Duas cooperativas foram organizadas: a de confecções tem 50 cooperados e mais 300 empregos diretos. A cooperativa dos artesãos de pedras não continuou seu funcionamento. No caso das associações, existe uma participação intensa da comunidade, que aprova, discute e acompanha todos os passos do Programa – principalmente na área rural, onde existe um conselho que aprova os projetos comunitários.