Os problemas de transporte urbano não são resolvidos apenas com definições técnicas. A participação popular é o principal meio para atender às necessidades da coletividade.
Autor: José Carlos Vaz

Os problemas de transporte urbano não são resolvidos apenas com definições técnicas. A participação popular é o principal meio para atender às necessidades da coletividade.
Autor: José Carlos Vaz

O transporte urbano é sempre um dos maiores problemas, nas cidades médias e grandes. As prefeituras, tradicionalmente, concentram suas ações na implantação e manutenção de vias públicas, têm atuação pouco expressiva na gestão de trânsito e se limitam a administrar a tarifa dos serviços de ônibus. Para solucionar as periódicas crises que envolvem os setores da população que mais dependem do transporte coletivo, os governos, em geral, apresentam respostas superficiais, criando novas linhas ou modificando o itinerário das existentes.

Grande parte dos municípios dificilmente consegue formular uma política de transporte mais ampla (abrangendo transporte coletivo, trânsito e vias públicas). E, no processo de elaboração, raramente os cidadãos envolvidos são consultados. As soluções atendem problemas localizados, podendo mesmo gerar novas dificuldades.

No entanto, é indispensável estabelecer diretrizes comuns e complementares, principalmente para um governo que queira priorizar o transporte coletivo e os pedestres. A participação da população na formulação de políticas e na gestão do transporte urbano é um instrumento prático para provocar ações efetivas na área de transporte, além de auxiliar na fiscalização da atuação da prefeitura no setor.

O QUE É O CONSELHO?

O Conselho Municipal de Transporte é um organismo de representação da sociedade civil na gestão da política de transporte. Sua atuação normalmente é voltada para o transporte coletivo urbano. Mas pode-se conceber um Conselho que atue também na gestão do trânsito e das vias públicas, pensando os três setores de forma integrada.

O Conselho pode ser deliberativo, consultivo, ou uma combinação das duas possibilidades. Entre suas atribuições podem estar:

a) Fiscalizar as atividades da prefeitura municipal na área de transportes;

b) Estabelecer diretrizes para a fiscalização das atividades de empresas concessionárias de serviços públicos na área de transporte;

c) Estabelecer diretrizes para a formulação da política municipal de transporte;

d) Elaborar – obrigatória ou facultativamente – pareceres sobre projetos de impacto significativo no transporte coletivo, trânsito e vias públicas;

e) Fiscalizar a aplicação de recursos destinados ao investimento e custeio de serviços de transporte;

f) Apresentar propostas de ação.

O Conselho Municipal de Transporte deve ser criado por lei municipal. Seus membros devem exercer mandatos pré-estabelecidos no texto da lei de criação, considerados como serviço público relevante, sem remuneração (sequer gratuidade no transporte coletivo).

QUEM PARTICIPA?

Além de membros do poder público, representantes de todos os grupos com interesse no transporte urbano devem participar do Conselho Municipal de Transporte.

O Conselho normalmente é presidido pelo secretário encarregado da área de transporte. Se os setores de transporte coletivo, trânsito e vias públicas estiverem dispersos por secretarias diferentes, o presidente do Conselho deve ser o secretário ou diretor responsável pelo transporte coletivo, pois este setor é o mais sensível dos três.

Pela prefeitura devem participar – nomeados pelo prefeito – dirigentes, assessores e funcionários das secretarias envolvidas com transporte. A Câmara Municipal deve indicar seus representantes, preferencialmente dentre os vereadores, garantindo maior legitimidade e reconhecimento público às discussões e deliberações do Conselho.

A representação da sociedade civil depende das características econômicas e sociais do município. É muito importante que o Conselho ofereça assento a representantes dos usuários, dos empresários e dos trabalhadores em transporte (autônomos, das empresas e da prefeitura). É necessário considerar também entidades sindicais expressivas no município, associações de moradores, comerciantes e estudantes.

A escolha dos representantes pode ser por indicação ou por eleição.

Nos caso dos representantes da sociedade civil, é importante que sua escolha seja feita de forma participativa. Sempre que possível, deve-se promover eleições entre candidatos à representação para preencher vagas de um segmento social, em vez de indicar uma entidade em particular. É o caso, por exemplo, de representantes dos usuários. Sua escolha pode ser através de uma eleição direta, aberta a todos os cidadãos do município, na qual concorrem candidatos indicados por várias entidades populares. Este mecanismo reduz a possibilidade de eleição de pessoas pouco representativas. Outra forma de conduzir representantes ao Conselho é a eleição através de plenárias setoriais, organizadas pelas principais entidades do setor, com apoio da prefeitura. Esta modalidade é adequada para a escolha, por exemplo, da representação do comércio local, que se pode realizar através de uma plenária de comerciantes, organizada pela Associação Comercial.

Nas cidades em que o processo de elaboração do orçamento é participativo, as plenárias podem ser usadas para eleger os representantes dos Conselhos.

IMPLANTANDO

Antes de implantar o Conselho Municipal de Transporte, é preciso redigir um processo de discussão bastante complexo. A prefeitura deve conduzir as discussões e negociações com todos os setores envolvidos. É importante que o governo envolva os diversos interessados, considerando a sua diferente expressão na sociedade, priorizando aqueles que se ocupem dos interesses dos usuários.

A prefeitura deve se estruturar para oferecer a infra-estrutura necessária ao funcionamento do Conselho. Isto compreende serviços administrativos e a designação de um funcionário para elaborar atas e pautas de reunião, providenciar a convocação de conselheiros e realizar outras atividades de secretaria executiva. Não é necessário que este funcionário se dedique ao Conselho em tempo integral. Se o Conselho entender que é importante, deve ter o poder de requisitar assessoria de técnicos.

É importante definir bem a natureza dos objetos sobre os quais o Conselho delibera ou aconselha, evitando que ele se ocupe do "varejo". Por exemplo, no caso da tarifa, o Conselho deve estabelecer os critérios, princípios, parâmetro para fixação da tarifa, deixando a decisão a cargo do Executivo.

Não pode se perder nas picuinhas, geralmente de natureza clientelista e localista, como mudança de local de ponto de ônibus e aumento do número de lombadas.

O Conselho deve estabelecer prioridades, precedências, mas não deve tomar decisões que impliquem desorganização do orçamento público, ou um gasto maior do que o viável.

As decisões do Conselho devem ser importantes e rápidas para não desmoralizar, deslegitimar ou desestimular os conselheiros.

CUIDADOS

O Conselho pode ter maioria de representantes do poder público ou da sociedade civil ou ter composição paritária (metade dos membros representando o governo municipal e metade a sociedade civil), dependendo das atribuições que se pretende para o Conselho. Quando a sociedade civil predomina em sua composição, as decisões do Conselho tendem a conseguir maior legitimidade política. Por outro lado, neste caso, o governo municipal pode enfrentar situações em que suas propostas sejam rejeitadas pelo Conselho, podendo significar inconvenientes maiores quando o Conselho possuir atribuições deliberativas.

Em termos numéricos, é importante negociar uma composição do Conselho que não implique super-representação de alguns setores em detrimento de outros. A quantidade de representantes de cada segmento deve ser diretamente relacionada ao seu peso político.

Para que seu papel fiscalizador seja desempenhado de forma adequada, os conselheiros devem ter poder para exigir da prefeitura informações que considerem relevantes. A prefeitura deve montar um sistema de informações sobre transporte que satisfaça essa necessidade e evite embates com conselheiros por conta de dificuldades em conseguir informações.

RESULTADOS

Os principais benefícios trazidos pelo Conselho de Transportes dizem respeito diretamente à democratização da gestão municipal. Ao incorporar a sociedade no processo de formulação e avaliação da política de transportes, contribui para um processo mais amplo, de fortalecimento do direito dos cidadãos a participar diretamente da gestão dos serviços públicos. Esta participação confere transparência à gestão, o que é particularmente relevante por se tratar de um serviço pelo qual a autoridade pública cobra uma tarifa. A decisão, portanto, vai além dos recursos públicos orçamentários e se reflete no orçamento familiar dos cidadãos.

A presença do Conselho junto à administração municipal permite que os cidadãos possam aumentar sua capacidade de fiscalizar a ação dos governantes, principalmente quando o regimento interno do Conselho favorece a obtenção de informações pelos representantes populares e a formação de sub-comissões para analisar situações especiais.

Um Conselho de transportes com a presença de representantes de usuários e demais beneficiados pelo transporte coletivo também contribui para a desmitificação do conhecimento técnico. Cai por terra o argumento de que os serviços de transporte são um assunto tão complexo que só podem ser discutidos pelos "especialistas". Com o direito de acesso à informação garantido à sociedade civil, o tema pode passar a ser encarado politicamente, como mais uma das arenas de disputa no espaço urbano.

A participação dos usuários também contribui para melhorar a qualidade das decisões tomadas, pois incorpora a visão daqueles que convivem diariamente com as questões de transporte, tendo sua vida diretamente condicionada pela política pública adotada. As decisões tomadas no campo dos transportes, uma vez aprovadas pelo Conselho, tendem a conseguir maior grau de legitimidade social, o que pode facilitar sua implantação, reduzindo resistências e ampliando o leque de apoio à política de transportes. Obviamente, esta legitimidade dependerá da representatividade de que disponham os membros do Conselho.
 


* Publicado originalmente como DICAS nº23 em 1994