Combatendo a fome com alimentação alternativa*
Autor: José Carlos Vaz
Consultores: Valdo França e Christiane Costa
Autor: José Carlos Vaz
Consultores: Valdo França e Christiane Costa
O acesso à alimentação suficiente para uma vida saudável é um direito a ser assegurado a todo cidadão. E o principal responsável pelo combate à fome continua sendo o poder público. A erradicação da miséria depende de modificações estruturais fora do alcance imediato das prefeituras. No entanto, os dirigentes municipais têm a obrigação política e moral de criar alternativas compatíveis com o quadro de urgência que se apresenta.
O fornecimento de complemento nutricional, aliado aos serviços de atendimento às crianças (assistência médica, merenda, creche), pode gerar melhorias significativas em sua saúde e rendimento escolar. O método da Alimentação Alternativa permite um complemento nutricional de baixo custo e fácil implantação.
A ALIMENTAÇÃO ALTERNATIVA
O panorama nutricional brasileiro mostra um aproveitamento insuficiente do potencial nutritivo dos alimentos: a fome é agravada pela ausência de iniciativas para uma melhor utilização de fontes nutrientes disponíveis. Desperdiça-se a complementação alimentar de baixo custo que pode ser encontrada em folhas de hortaliças, vegetação espontânea, sementes e farelos produzidos no beneficiamento de cereais como arroz e trigo.
O princípio utilizado pela Alimentação Alternativa é o da Multimistura, onde a qualidade decorre da variedade e não da quantidade. Aproveita-se toda a potencialidade nutritiva dos alimentos através da combinação de variados elementos.
FARINHA MÚLTIPLA
Pesquisas desenvolvidas na Universidade Federal de Minas Gerais e na Universidade de São Paulo apontam para a riqueza de vitaminas e sais minerais contidos nos farelos e nas folhas.
A produção de componentes nutricionais feitos a partir de farelos (de arroz e de trigo), da moagem de folhas verdes (de mandioca, batata-doce, abóbora) e sementes (de gergelim, girassol, melancia, etc.) – e sua reunião no complemento nutricional Farinha Múltipla – requer uma tecnologia muito simples: selecionar, moer, tostar e peneirar os ingredientes. O produto assim obtido é um complemento de fácil aplicação na culinária, podendo ser acrescentado à alimentação usual, sem alteração do paladar das receitas.
Pode-se aprender as técnicas de produção através de um curso onde, além da confecção do produto, discute-se aspectos nutricionais, os resultados obtidos com o uso da Alimentação Alternativa, receitas para o melhor aproveitamento dos alimentos consumidos e também a recuperação de receitas tradicionais da culinária brasileira.
Juntamente com o uso da Farinha Múltipla, a Alimentação Alternativa trabalha no sentido de levar ao aproveitamento máximo de alimentos como: fubá, quirela de arroz e milho, vegetação espontânea como beldroega, ora-pro-nóbis, caruru, trevo, borragens, chaguinha e cambuquira.
UMA POLÍTICA SOCIAL DE COMBATE À FOME
A adoção de Alimentação Alternativa permite à prefeitura executar uma política social de combate à fome em suas múltiplas manifestações – em particular a desnutrição infantil. Esta política pode ir além da orientação à população e fornecer Farinha Múltipla como complemento nutricional a gestantes e crianças através de creches, merenda escolar e postos de saúde.
IMPLANTAÇÃO
O primeiro passo é a elaboração de um Plano de Implantação, para orientar a execução do projeto. Através de um estudo da economia e da cultura local, faz-se um levantamento dos recursos nutricionais (inclusive daqueles não considerados alimentos) e hábitos alimentares da população, determinando quais produtos podem ser empregados na fabricação da Farinha Múltipla.
Baseado nesses estudos, o Plano de Implantação deve ser detalhado, indicando as áreas envolvidas, as etapas, metas, prazos e responsabilidades.
A partir daí, pode-se organizar o fornecimento da matéria-prima, integrando ao projeto os pequenos agricultores da região. A prefeitura deve, ainda, procurar fornecedores para os produtos não assumidos pelos agricultores locais. É possível produzir a matéria-prima também em hortas comunitárias.
A montagem da Casa da Farinha, para o processamento dos ingredientes, baseia-se em tecnologia muito simples. A produção pode ser administrada e operada por uma cooperativa de trabalhadores ou mesmo por uma entidade filantrópica.
Nas áreas da prefeitura onde se pretende implantar a Farinha Múltipla, são necessários cursos de capacitação para os profissionais envolvidos.
O acompanhamento e supervisão dos resultados requer um sistema de registro quantitativo e qualitativo da evolução do projeto. O acompanhamento é completado por um processo de animação dos funcionários, através da avaliação contínua dos resultados, troca de informações com outras experiências em andamento e apoio técnico através da Rede "Alternativas Contra A Fome".
A elaboração de uma cartilha e a veiculação de anúncios funcionam como um importante elemento de apoio. É indispensável capacitar agentes multiplicadores da proposta através de seminários e cursos dirigidos à população.
RECURSOS
A implantação da produção da Farinha Múltipla não exige investimentos vultosos. O atendimento a 13.000 crianças, por exemplo, requer cerca de US$ 29.000, referentes a veículos, mobiliário e instalações. A contratação de consultoria técnica especializada para promover a implantação custa entre US$ 12.000 e US$ 15.000.
A fabricação da Farinha Múltipla tem custos operacionais muito baixos. Com cerca de US$ 30.000 anuais é possível atender a 13.000 crianças, o que significa aproximadamente US$ 2,31 anuais por criança (sendo que a matéria-prima representa US$ 0,60).
EXPERIÊNCIAS
Em Ribeirão das Neves-MG, o médico Marcos Oliveira organizou a distribuição de farelos de arroz e trigo como complemento nutricional às crianças atendidas no posto de saúde. Houve uma sensível redução do índice de perda de peso, que chegou a zero, e diminuiu o retorno de crianças com novas queixas. A partir desta comprovação clínica, pôde ser implantado um programa de saúde e alimentação escolar baseado no uso de alimentos não-convencionais. A prefeitura forneceu um fogão industrial para posto de saúde, onde o complemento, à base de mistura de farelos, era processado e vendido a preço de custo.
Em Registro-SP, a experiência da Pastoral da Criança, incorporada pelo Centro de Saúde, tem possibilitado a recuperação de crianças desnutridas nas regiões mais pobres do município. Utilizando-se do princípio da Multimistura, os técnicos do Centro de Saúde têm dado orientação nutricional às mães, obtendo sensíveis melhoras nas condições gerais de saúde das crianças.
É importante enfatizar o caráter de complemento deste instrumento: deve acompanhar programas de creche, reforço alimentar e assistência médica. Não é a Alimentação Alternativa que elimina a desnutrição infantil, mas sim uma política social abrangente, da qual ela faça parte.
RESULTADOS
1. nutricionais
O fornecimento da Alimentação Alternativa para crianças, em creches e postos de saúde, proporciona cicatrização de lesões cutâneas, melhoria da visão e dos reflexos motores e psíquicos, diminuição de diarréias e outros sintomas típicos da desnutrição, aumento da capacidade de resposta a estímulos e redução de apatia e dificuldades de aprendizado.
2. econômicos
Outros resultados positivos somam-se ao baixo custo do programa. A Alimentação Alternativa passa a servir, também, como instrumento de geração de renda, estimulando pequenos agricultores e iniciativas comunitárias como hortas e cooperativas.
Como a Farinha Múltipla pode substituir outros complementos nutricionais, baseados em produtos químicos produzidos por grandes empresas monopolistas, seu uso reduz o fluxo de recursos para fora da economia local.
3. sociais
Além de auxiliar no combate à desnutrição, a Alimentação Alternativa pode diminuir a demanda por serviços de saúde e melhorar o aproveitamento no processo de aprendizagem infantil. A partir de seu sucesso, é possível desencadear outros programas alimentares, baseados no estudo dos recursos e hábitos nutricionais já realizado. A possibilidade de estimular trabalhos comunitários pode contribuir para avanços na organização da sociedade civil e na descoberta de novas fórmulas de relacionamento entre esta e o governo municipal.
4. ecológicos
A Alimentação Alternativa possibilita o aproveitamento mais racional de recursos naturais, ao eliminar o desperdício de alimentos (e partes de alimentos) com grande poder nutritivo.
5. culturais
Ao valorizar aspectos da culinária brasileira popular, possibilitando a redescoberta de antigas receitas e a reavaliação de outras, a Alimentação Alternativa pode ser uma intervenção cultural significativa junto à população do município.
(% de crianças com novas queixas)
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