Uma postura ativa da prefeitura para aumentar a arrecadação dos impostos estaduais pode ampliar a receita municipal.
Autores: José Carlos Vaz e Anna Luiza S. Souto Ferreira

Uma postura ativa da prefeitura para aumentar a arrecadação dos impostos estaduais pode ampliar a receita municipal.
Autores: José Carlos Vaz e Anna Luiza S. Souto Ferreira

A política tributária do município não pode se restringir ao estabelecimento e administração dos tributos municipais. A maior parte da receita dos municípios brasileiros provém de repasses de impostos federais e estaduais, que são responsabilidade dos Estados e da União. A maioria dos municípios aguarda esses repasses, de maneira passiva. Entretanto, os impostos estaduais (IPVA e ICMS) são repassados também em função de sua arrecadação no município. Assim, quanto maior for a arrecadação destes impostos no município, maior será sua participação nas transferências estaduais. Portanto, ao aumentar sua arrecadação, o município ampliará suas receitas totais. O fato de não serem impostos municipais não impede que a prefeitura procure melhorar sua arrecadação.

O QUE FAZER?

As principais ações para aumentar a arrecadação podem ser organizadas em três grupos: aumento da fiscalização, incentivo à ocorrência do fato gerador do tributo e redução da inadimplência. Para os impostos estaduais, as prefeituras podem realizar ações do primeiro e do segundo grupo. Apesar de não terem poder para reduzir a inadimplência, podem auxiliar o governo do Estado na fiscalização do ICMS, podem estimular a realização de atividades comerciais ou o licenciamento de veículos no município, aumentando, respectivamente, a arrecadação do ICMS e do IPVA.

MAIS ICMS

No caso do ICMS, que tem um peso muito maior que o IPVA, as duas formas de ação podem ser empreendidas.

a) Auxílio à fiscalização

A prefeitura pode oferecer suporte ao governo do Estado para a fiscalização do ICMS. É importante firmar convênios para definir e organizar essas ações conjuntas. Normalmente, a forma mais simples de auxiliar a atividade de fiscalização é fornecer infra-estrutura: colocando pessoal de apoio, instalações, combustível ou veículos à disposição da Secretaria da Fazenda do Estado. É possível também, estabelecer convênios que permitam à própria prefeitura, através de seus funcionários, realizar diretamente a fiscalização do ICMS.

As campanhas de incentivo à exigência de nota fiscal pelos consumidores também funcionam como forma de reduzir a sonegação, constituindo uma fiscalização indireta. Entretanto, muitos especialistas avaliam que este tipo de fiscalização só traz bons resultados quando envolve interesses diretos dos consumidores, através da penalização pela compra de mercadorias sem nota fiscal, ou pelo oferecimento de benefícios pela exigência da nota fiscal.

É bastante usual que os Estados realizem concursos para incentivar a prática dos consumidores exigirem nota fiscal, sorteando prêmios aos que recolhem as notas fiscais. As prefeituras podem realizar concursos semelhantes, oferecendo prêmios em função da apresentação de notas fiscais de empresas instaladas no município (ou seja, cujo recolhimento de ICMS contribui para o cálculo da participação do município no repasse do governo estadual). Uma das exigências para se participar do concurso, pode ser a quitação de débitos com a prefeitura, tanto da parte do contribuinte quanto do comerciante, que regularizará seus débitos para não perder compradores caso suas notas fiscais não tenham validade para o concurso.

Em municípios pequenos, os dias de sorteio podem ser transformados em eventos sociais e políticos, convertendo-se, inclusive, em alternativa de lazer.

Pode-se, também, cogitar a participação do governo municipal em um concurso promovido pelo governo estadual, oferecendo prêmios próprios para as notas fiscais referentes ao município.

b) Incentivo às atividades comerciais

Além de ações voltadas diretamente ao aumento da arrecadação, a prefeitura pode, ao incentivar as atividades comerciais no município, conseguir aumento de arrecadação do ICMS em sua base territorial. Esta alternativa é especialmente válida para municípios cujos habitantes façam suas compras em cidades vizinhas.

Uma das formas de provocar mudanças nos hábitos de compra da população é tornar mais competitivo o comércio local. Pode-se também estimular a instalação de novas empresas no município. Para identificar produtos ou mercados que possam competir com outros municípios, será preciso fazer um diagnóstico da economia local.

Como grande parte das ações de ampliação da arrecadação de ICMS passa por iniciativas conjuntas entre prefeitura e comerciantes (ou outros atores sociais), o programa de aumento de arrecadação e valorização do comércio local deve contar com a participação e integração da comunidade. Sempre que possível, a prefeitura deve fazer com que os comerciantes beneficiados pelos eventos ou promoções arquem com, pelo menos, parte dos custos.

MAIS IPVA

Para aumentar a arrecadação do IPVA não há muitas atividades de fiscalização que o município possa realizar. É necessário estimular o licenciamento de veículos no município. Atrair para o município a instalação de empresas que dependem de uma frota grande de veículos é a alternativa mais vantajosa, como no caso as empresas de ônibus, transportadoras e locadoras de veículos. Pode-se oferecer benefícios através de uma redução de taxas e ISS que resulte em um valor inferior àquele gerado pelo aumento da parcela do município da arrecadação adicional de IPVA (50% da arrecadação).

EXPERIÊNCIAS

Ronda Alta-RS (12 mil hab.) implantou um programa de aumento da arrecadação do ICMS, a partir de 1990, que uniu o auxílio à fiscalização e o incentivo ao comércio.

Várias intervenções de estímulo às vendas do comércio local foram realizadas. Um dos melhores exemplos é a Feira da Pechincha. Nesta feira, o comércio expunha seus produtos e toda noite havia uma programação cultural com espetáculos de artistas de outras cidades e do próprio município (violeiros, gaiteiros etc.). A feira conseguiu reunir cerca de 3 mil pessoas por noite. Para que os moradores do interior também pudessem participar, a prefeitura colocou transporte à sua disposição. Foi montado, também, um parque infantil com ingresso gratuito para os estudantes.

Seguindo a proposta de integrar a comunidade em torno do desenvolvimento do município, a prefeitura criou a campanha Bolão da Notinha, um programa destinado a aumentar a arrecadação de ICMS, incentivando os consumidores a exigirem nota fiscal no ato da compra. Ao atingir determinado valor em notas fiscais, o comprador podia trocá-las por cupons com os quais concorria a uma série de prêmios todos os meses e no final do ano participava do sorteio de um carro novo.

Essa iniciativa da administração contou com o apoio dos comerciantes locais, por acenar com a perspectiva de um aumento de suas vendas. Além de se prontificarem a oferecer alguns dos artigos a serem sorteados, eles também eram os responsáveis por organizar um jantar mensal, no decorrer do qual era realizado o sorteio. Esse jantar reunia muitas pessoas, tornando-se um momento de confraternização e debate de idéias. A cada mês o prefeito discursava sobre um determinado tema e convidava as lideranças políticas de oposição para apresentarem seus projetos para o município. A renda desse jantar revertia para uma das associações locais, num sistema de rodízio (Brigada Militar, Associação dos Pequenos e Micro Empresários, Sindicatos, etc.).

O Bolão da Notinha notabilizou-se por ser uma prática simples e eficiente. Grupos de comerciantes das regiões vizinhas passaram a procurar a prefeitura de Ronda Alta para obter informações sobre o programa, visando implementá-lo em suas cidades.

RESULTADOS

Os benefícios trazidos pelas ações de que levam à melhoria da arrecadação do ICMS e do IPVA tendem a ser mais amplos do que o simples aumento da receita municipal. Como grande parte das ações possíveis está relacionada com intervenções na atividade econômica, pode-se combinar resultados positivos para as receitas da prefeitura com a ampliação da oferta de empregos ou da renda dos cidadãos. Um programa que use medidas de incentivo ao comércio pode ser espaço para criação de um Fórum de Desenvolvimento Local articulando lideranças da cidade para discutir alternativas para seu desenvolvimento.

No caso de Ronda Alta, a campanha do Bolão da Notinha mobilizou a população e atingiu um enorme sucesso. Atraídos pelo concurso, muitos moradores das regiões vizinhas passaram a fazer compras em Ronda Alta. Com isso, as vendas do comércio local aumentaram sensivelmente, engordando os cofres da administração. Em 1991, a campanha do Bolão da Notinha fez com que a arrecadação municipal crescesse, aproximadamente, 3,75% (receita total). A participação do município de Ronda Alta no montante de ICMS gerado no Estado cresceu cerca de 10%.

Além de incentivar o comércio local e aumentar a arrecadação de ICMS, o concurso também estimulou os contribuintes a quitarem os impostos devidos à prefeitura (IPTU, por exemplo), já que isso era um requisito para se poder trocar as notas fiscais por cupons.

As ações de aumento da arrecadação de impostos podem ser revertidas em investimentos em políticas sociais do município, inclusive através de compromisso expresso da prefeitura. A prefeitura pode, por exemplo, comprometer-se a aumentar os investimentos na área de saúde na medida em que a arrecadação aumentar, conseguindo, com isso, maior apoio popular.

No caso de Ronda Alta, a prefeitura associou seu programa de ampliação da arrecadação de ICMS a atividades culturais e de lazer, custeadas em sua maior parte pelos comerciantes beneficiados. Essas práticas produziram uma mobilização da população, auxiliando a ampliação das bases de sustentação do governo.
 


* Publicado originalmente como DICAS nº 20 em 1994

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