Atrair empresas para o município é mais fácil e eficaz quando há um planejamento das ações e a preocupação em constituir um sistema produtivo integrado.Autor: Roberto N. Garibe Filho

Atrair empresas para o município é mais fácil e eficaz quando há um planejamento das ações e a preocupação em constituir um sistema produtivo integrado.Autor: Roberto N. Garibe Filho

Quando se pensa em desenvolvimento econômico local e nas possibilidades de intervenção das prefeituras, a idéia recorrente é oferecer incentivos para que as empresas decidam se instalar no município: isenção de impostos, terrenos a baixo custo, serviços de terraplanagem, entre outros. Na maior parte das cidades, a prefeitura cria um distrito industrial em uma área afastada do centro e próxima das principais vias de acesso, rodovias e ferrovias, oferecendo lotes com infraestrutura viária, água, luz e telefone. A participação do poder público local restringe-se à elaboração de leis que garantam os incentivos e regulamentem a utilização das áreas industriais, subutilizando seu potencial de intervenção.

A decisão de atrair novas empresas muitas vezes é tomada sem planejamento, resultando em um sistema produtivo desarticulado, tanto na relação entre as empresas, por serem de diferentes setores produtivos, quanto em relação à vocação econômica local. Em alguns casos, a atração de empresas de diferentes setores é a principal causa de ineficiência das políticas de intervenção, pois dificilmente conseguem trazer benefícios globais para os produtores. Em outros casos, a economia local fica dependente do desempenho das grandes empresas que se instalam no município.

MUDANÇA DE CONCEPÇÃO

Como isso poderia ser diferente? E por que deveria sê-lo? A atração de novos investimentos pode se dar com o objetivo de criar um sistema produtivo integrado, especializando a economia local em algum setor ou produto e, se possível, respeitando a vocação econômica do município. O ambiente torna-se propício para a localização e também para a criação de novas empresas. Para que isso aconteça, a prefeitura não deve se limitar à ação legislativa mas, juntamente com a sociedade civil, definir estratégias de como valorizar a economia local , traçando um plano de ações de longo prazo, promovendo um crescimento em bases sólidas.

O fundamento desse conceito está no desenvolvimento de cooperativas, escolas profissionalizantes, centros de serviços que promovam uma melhoria na circulação de informações e o acesso do sistema produtivo local a novas informações, relevantes para uma melhor inserção da região no mercado, como por exemplo: mudanças tecnológicas e dos processos de produção, mercados potenciais, atuação da concorrência, pesquisas sobre o perfil dos consumidores.

ENTENDER O SISTEMA PRODUTIVO

Um primeiro passo é coletar informações sobre o sistema produtivo local, para que a intervenção do poder público ou a criação de um projeto de intervenção seja feito de uma forma mais consciente. Fazer um levantamento das etapas de produção de determinado produto ou setor, procurando saber quais não se localizam na cidade ou que insumos são "importados" de outras regiões, qual o número de trabalhadores empregados, o grau de qualificação que devem ter esses trabalhadores, integração regional da economia local, etc., que ajudem a compreender melhor o sistema produtivo local.

O município pode utilizar, algum levantamento já realizado sobre determinado tema, e ampliá-lo, pesquisando novos dados. A contratação de serviços de especialistas, consultores ou pesquisadores pode ser necessária em municípios com uma economia mais complexa.

A coleta de dados é importante para verificar a viabilidade ou a melhor forma de motivar a formação de um sistema produtivo integrado: se certas etapas podem ser realizadas no município, incentivando a localização de determinadas empresas, ou incentivando que os produtores locais criem novas empresas; ou mesmo comparando a produção de determinado setor ou produto no município com a de outras localidades, identificando os pontos fracos.

VALORIZAÇÃO DOS RECURSOS LOCAIS

Valorizar os recursos e a produção local, incentivando as formas de produção constituídas historicamente podem gerar uma vantagem competitiva no município. O que se nota como atividade prevalecente, por mais que pareça uma atividade "atrasada", pode ser melhorada e inserida de forma diferente no mercado.

Por exemplo, num município cuja atividade principal é a cerâmica, há várias empresas que a produzem, utilizando os insumos e a mão de obra local. Com isso, certamente, as pessoas da cidade trabalham, já trabalharam ou conhecem pessoas que estão ligadas a essa atividade, havendo um certo conhecimento generalizado sobre a produção. Como aproveitar isso? Uma possibilidade seria promover a atividade de desenhistas, ou seja, pessoas que concebem e projetam um produto ou uma linha de produtos. Muitas vezes, os novos produtos não se adaptam ao tipo de maquinário existente e então é preciso mudar as máquinas ou adaptá-las. A partir disso, pode-se desenvolver a produção de máquinas para cerâmica no próprio município. Mas os novos produtos podem esbarrar num outro problema: o mercado. Se o mercado de produtos de cerâmica é de consumidores de menor poder aquisitivo, o processo de elaboração, encarecendo o produto, pode não compensar o investimento. Uma saída pode ser a promoção da produção em pequena escala, fora dos portões das grandes empresas, incentivando a criação de pequenas empresas que poderão fornecer produtos mais variados para um outro tipo de consumidor.

CONSELHO DE POLÍTICA INDUSTRIAL

Para enfrentar o desafio dessa intervenção, é importante repartir as responsabilidades e recolher idéias e opiniões dos agentes locais, garantindo sua legitimação e o empenho da sociedade. O conselho de política industrial deve reunir representantes dos envolvidos com as possíveis transformações econômicas: sindicatos de trabalhadores, proprietários, cooperativas, bancos locais, movimentos ecológicos e outras organizações não-governamentais. O conselho deve ser reconhecido legalmente como consultor das medidas de política industrial, prevendo, através de estatuto, a forma de indicação dos seus membros e abrangência de atuação.

A formação de um conselho de política industrial é um primeiro passo na transformação da concepção da intervenção pública. A prefeitura, a partir disso, deve indicar suas intenções de desenvolver um projeto visando o crescimento econômico do município, distribuindo responsabilidades e deixando claros os seus limites de atuação. As funções do conselho podem ser a apresentação e discussão de propostas, planejamento da intervenção a longo prazo, a supervisão das políticas e o gerenciamento da estrutura de serviços às empresas. Dependendo do tamanho e da complexidade produtiva de cada município, o conselho pode ser dividido em diversas áreas, organizando-se de acordo com os diferentes setores de produção ou produtos. Com esse arranjo, pode-se ter propostas diferenciadas e, ao mesmo tempo, sintonizadas com suas demandas específicas. A participação de representantes diretamente envolvidos com a produção ajuda a adequar melhor as políticas a seus beneficiados.

PEQUENAS EMPRESAS

Pode-se argumentar que pequenas empresas são mais vulneráveis à concorrência por não disporem de serviços especializados, pesquisas e informações sobre novos produtos e mercados.

Essa deficiência pode ser contornada através da associação entre os produtores, pois se os custos destes serviços são proibitivos para os pequenos produtores individualmente, não o são se contratados coletivamente. Por exemplo, o acesso a informações sobre maquinários – se são compatíveis com os insumos à disposição dos produtores, quais suas vantagens ou problemas, etc. – podem ser obtidos contratando-se os serviços de uma empresa ou consultor especializado. Além disso, as empresas, em vez de se reunirem para contratarem um serviço cada vez que a necessidade aparecer, podem se organizar de forma mais permanente, através de um centro mantido pelos próprios proprietários.

O próprio conselho poderia gerenciar esses serviços, inclusive discutindo quais necessitam ser organizados desta forma. Esse é justamente o ponto central de sua atuação: organizar centros de serviços, da melhor maneira possível, que atendam às demandas dos produtores, potencializando a competitividade do sistema produtivo local como um todo. Podem ser organizados, por exemplo, consórcios de venda e de aquisição de matérias primas, principalmente quando o município não possui uma rede forte de comercialização, ganhando maior poder de negociação; cursos de capacitação profissional; escritórios para potencializar a transferência de tecnologia; política de crédito aos pequenos produtores, etc.

RESULTADOS

O modelo proposto propicia a formação de micro e pequenas empresas, por se adaptarem melhor aos requisitos, principalmente no que diz respeito à necessidade de associação entre os produtores e a circulação de informações.

A justificativa para que o poder público intervenha na questão do desenvolvimento econômico local está na busca de melhor qualidade de vida para os cidadãos, oferecendo mais oportunidades de trabalho e melhores ganhos salariais. A criação de pequenas empresas aumenta o número de empregos e também o número de proprietários, contribuindo para uma melhor distribuição de renda; melhora a flexibilidade do sistema produtivo local, pois as pequenas empresas são mais ágeis para enfrentar mudanças no mercado por se adaptarem melhor às novas formas de produção; possuem maior capacidade de associação e, conseqüentemente, de fazer circular informações; necessitam de menos crédito para financiar o capital de giro e instalações; o município torna-se mais imune a crises, pois sua economia não depende do desempenho de uma ou duas grandes empresas, mas de um sistema produtivo composto por diversos pequenos proprietários.

As vantagens de uma iniciativa como esta são muito grandes, pois quando a cadeia produtiva está completa, com agregação de etapas produtivas e serviços, atinge-se um produto mais elaborado, valorizando e melhorando a produção local. Além disso, no caso dessa complementaridade ocorrer com pequenas empresas, há o engajamento de um número maior de produtores empenhados no sucesso dos produtos finais e na prosperidade do sistema produtivo como um todo.
 


* Publicado originalmente como DICAS nº 71 em 1996

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