Do que trata o texto: O texto analisa como o governo municipal pode intervir nos centros de bairro, estimulando e ordenando o seu desenvolvimento.

Do que trata o texto: O texto analisa como o governo municipal pode intervir nos centros de bairro, estimulando e ordenando o seu desenvolvimento.

Disponível em: Publicado originalmente como DICAS nº 17
Fonte: Instituto Pólis
Autor: José Carlos Vaz

Data de publicação: 1994


O crescimento da cidade altera substancialmente sua estrutura urbana, à medida que surgem novos bairros. A expansão da ocupação e o aumento da população estimulam o aparecimento dos centros de bairro, áreas voltadas ao comércio e à prestação de serviços, atendendo às demandas presentes nos novos bairros. Este movimento deve ser considerado positivo pois reduz a quantidade e extensão dos deslocamentos, diminuindo a necessidade de transporte coletivo; facilita o acesso aos serviços públicos e ao comércio. Além disso, os centros de bairro assumem um papel importante na constituição da identidade das comunidades locais, funcionando como um ponto de referência e expressão simbólica das condições de vida e das aspirações dos seus moradores.

São grandes as probabilidades, no entanto, de que esses novos usos produzam uma configuração que não é a mais desejável. E, então, em decorrência da forma como se dá a consolidação da estrutura urbana, o centro de bairro enfrenta obstáculos ao seu desenvolvimento. Os impactos negativos na qualidade de vida estendem-se ao transporte coletivo, ao trânsito de veículos e de pedestres, à segurança e à acessibilidade aos serviços públicos.

O governo municipal pode intervir nos centros de bairro, estimulando e ordenando o seu desenvolvimento. Em alguns casos, a intervenção pode contribuir, também, para impedir ou reverter processos de degradação.

O QUE FAZER?
As ações voltadas aos centros de bairro não podem perder de vista o bem-estar dos cidadãos. Devem, portanto, ter como objetivo maior a promoção da melhoria da qualidade de vida de todos aqueles que estão ligados ao bairro e o seu centro.

Os centros de bairro, nesse sentido, devem ter condições de atender o máximo de necessidades da população, evitando deslocamentos e promovendo o desenvolvimento local. Devem oferecer não só atividades comerciais e prestação de serviços por particulares, mas também podem ser utilizados como instrumento de descentralização dos serviços públicos. Pode-se implantar equipamentos integrados, de forma que o cidadão encontre informações e atendimento em diversas áreas de atuação da prefeitura. Com investimentos relativamente pequenos, é possível instalar um posto de atendimento integrado a outros equipamentos e serviços (terminal de ônibus, posto de saúde, posto de policiamento ou a um centro comunitário). Este posto de atendimento pode oferecer, também, serviços de órgãos públicos não municipais, mediante convênio para sua implantação e manutenção.

As intervenções devem facilitar o acesso da população ao comércio e às empresas prestadoras de serviços, através da regulamentação de estacionamento, adequação de itinerários e de pontos de ônibus e criação de áreas de circulação de pedestres e ciclistas, entre outros.

O centro de bairro pode apresentar, também, uso voltado à convivência e ao lazer, oferecidos pelo setor privado ou pelos serviços públicos. A promoção de eventos e atividades culturais nos centros de bairro, além de contribuir para a regionalização e descentralização da ação cultural, pode contribuir para consolidar o uso para lazer. O alargamento de vias, priorizando o espaço do pedestre e da bicicleta, ou projetos de reforma e redefinição de espaços como praças e canteiros centrais de avenidas também podem tornar mais atraente o centro de bairro como espaço de convivência. Em algumas situações, pode-se implantar um centro cultural em áreas ou edifícios sub-utilizados ou degradados, recuperando-os em parceria com a iniciativa privada.

O PAPEL DA PREFEITURA
A intervenção em centros de bairro requer ações planejadas e estruturadas, envolvendo diversas áreas da prefeitura. Isso implica a necessidade de uma coordenação firme do processo. A extensão e o grau de descentralização da estrutura urbana do município são fatores diretamente associados à complexidade da intervenção e, conseqüentemente, com as necessidades de planejamento e coordenação.

As intervenções nos centros de bairro atingem diretamente a vida dos cidadãos. É indispensável, portanto, que sejam precedidas por um processo de discussão com todos os setores envolvidos. A prefeitura deve ouvir múltiplas opiniões nos seus diversos departamentos e em órgãos públicos de outras esferas de governo e na sociedade.

Avança-se ainda mais na participação popular, se for elaborado um programa que preveja intervenções conjuntas entre a prefeitura e a população. Como exemplo disto, pode-se realizar atividades em mutirão ou transferir parte das ações para as empresas e moradores.

Os empresários locais devem ser convidados a aderir ao projeto. Isto não exclui as empresas beneficiadas de participar do financiamento de sua implantação, para que os benefícios gerados pelos investimentos públicos não fiquem sem contrapartida. O instrumento jurídico da contribuição de melhoria pode ser utilizado para recuperar os investimentos da prefeitura.

A definição prévia dos bairros em que se pretende atuar evita a dispersão de esforços. Para orientar a escolha, devem ser avaliados critérios como necessidade de geração de empregos na área, serviços públicos existentes, possibilidades de obtenção da adesão e participação da sociedade, infra-estrutura disponível na área, grau de degradação urbana e capacidade de polarização de serviços do centro de bairro.

Para cada centro em que se pretende atuar é preciso realizar estudos de caracterização sócio-econômica e de acessibilidade, definindo exatamente a área a ser tratada como centro.

EXPERIÊNCIA
A Prefeitura de Porto Alegre-RS vem desenvolvendo o Projeto Centros de Bairro, com o objetivo de reforçar os já existentes e criar novos centros de bairro na cidade. Este objetivo faz parte de uma política de descentralização da ação municipal, buscando a constituição de uma rede de centros autônomos, que possam suprir as demandas dos bairros.

A partir de um grupo de trabalho da Secretaria do Planejamento, foi montada uma equipe maior, com técnicos de vários órgãos municipais e estaduais, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e representantes de entidades comunitárias. Durante dois meses, esta equipe realizou atividades de levantamento e caracterização ambiental nas áreas escolhidas e tomou conhecimento das demandas locais.

A etapa seguinte foi a realização de "Oficinas de Projetos" nos bairros, para a elaboração de diretrizes para os bairros. Após um trabalho de discussão no grupo técnico responsável pelo projeto, os resultados das "oficinas" foram submetidos à apreciação dos envolvidos, em reuniões nos bairros. O resultado final desta etapa foi uma espécie de "catálogo de idéias", apresentando o potencial de desenvolvimento dos centros de bairro.

Reconhecendo a impossibilidade de implementação de todos os projetos com recursos unicamente municipais, a prefeitura desencadeou um processo de consolidação dos centros de bairro que necessitará da participação de vários segmentos sociais para sua implantação. Nessa linha de atuação, os investimentos públicos deverão ter o caráter de indutores do investimento privado. Ou seja, as ações da prefeitura, previamente discutidas com a população, deverão viabilizar investimentos privados orientados para a valorização da área como espaço integrador de uma identidade local e do desenvolvimento do bairro.

RESULTADOS
a) sociais

A implantação de uma política de revitalização ou desenvolvimento dos centros de bairro permite o aparecimento de novas relações e dinâmicas sociais na vida urbana. A reconfiguração dos espaços públicos do cotidiano do cidadão possibilita valorizar as identidades locais, estimula a convivência e a integração dos moradores e usuários. No caso dos bairros periféricos, onde houve uma ocupação recente e na maioria das vezes por migrantes, este reforço da identidade reduz a alienação da cidade. O morador recém-chegado tem mais condições de se integrar na nova realidade, deixando de ver seu bairro apenas como dormitório.

Outro resultado social importante – e de especial relevância em cidades maiores, onde a estrutura urbana torna penoso o deslocamento até o centro da cidade – é a possibilidade de ampliar o acesso da população aos serviços públicos.

b) econômicos

O reforço dos centros de bairro cria condições para o desenvolvimento do comércio e da rede de serviços locais, inclusive gerando empregos que beneficiarão os moradores do próprio bairro.

Reduz as deseconomias de concentração, ou seja, os impactos negativos gerados pela concentração de atividades em uma única área, com efeitos importantes sobre os gastos e custos de transporte, equipamentos sociais e infra-estrutura urbana.

c) urbanísticos
As intervenções nos centros de bairro alteram a configuração urbana, estabelecendo novas relações entre cidade e cidadãos. Tendem a reduzir a necessidade de deslocamentos motorizados para trabalho e aquisição de bens e serviços e a aumentar a oferta e a qualidade da infra-estrutura, dos serviços e equipamentos de lazer. Desta forma, contribuem para o desenvolvimento de um modelo de cidade que privilegia a qualidade de vida dos cidadãos.

d) políticos
A articulação com empresários locais para a implantação do projeto pode criar oportunidades para vencer eventuais resistências que alguns governos do campo democrático-popular encontram por parte desse setor. Cria, também, condições para abertura de novos canais de negociação política, inclusive em outras questões.

Por exigir um grande esforço de contato e discussão com os interessados, o processo de intervenção amplia a capacidade de articulação do governo municipal com a sociedade. Pode, ainda, democratizar as decisões sobre projetos e usos do espaço urbano, na medida em que estiver integrado a um projeto mais amplo de descentralização do poder e de participação popular.