O “Ministério da Seca” lançou site sobre a seca e os problemas decorrentes dela.

Nesta quarta-feira, a Câmara Setorial Extraordinária de Convívio com a Seca e Inclusão Social, ou “Ministério da Seca”, lançou a sua página na Internet, no endereço www.sudene.gov.br. Desenhada em óbvios tons quentes do vermelho e do amarelo, com detalhes de fotografias do sol e de cactos, a página informa que “há 636 municípios vítimas de grande queda nas precipitações na região Nordeste”, 316 dos quais em situação de calamidades e 320 em situação de alerta. A página não diz quantas pessoas já foram atingidas pela seca atual, mas indica que nos oito Estados para os quais há informações, há 11,1 milhões de pessoas, das quais 4,4 milhões (40%) vivem na área rural.

O “Ministério da Seca” informa ainda que, desta vez, dará tratamento diferenciado aos efeitos da calamidade. Por um lado, haverá ações emergenciais, como em secas anteriores, incluindo a distribuição de água em carros-pipa e de cestas de alimentos para aliviar o sofrimento dos atingidos. Por outro, “serão desenvolvidas ações estratégicas, que elevarão a capacidade da região de responder ao problema”. Entre essas ações, uma “política agressiva de formação da mão-de-obra local”, com a “educação maciça de crianças e a “qualificação profissional dos indivíduos atingidos”; programas de geração de renda, programas que assegurem fornecimento de água no longo prazo e programas de assistência social que transformem as condições produtivas locais.

No programa existe o ponto “O que se deseja com o programa”, que trata da participação e da mobilização da sociedade civil, do compromisso dos beneficiários e da ética e do controle social. Mas há também o item de oposição a esse primeiro e que diz “O que não se deseja com o programa”. O governo diz que não deseja:

* “Permitir a reprodução do tradicional pacto da miséria”, isto é, a “vulnerabilidade e fome combatidas através de troca por consciência social e política”;
* O “combate apenas aos elementos físicos da seca”, pois a “seca não é um fenômeno climatológico”;
* “Recorrer aos sistemas de frente de emergência”, pois “elas reproduzem o clientelismo e asseguram a manutenção do fisiologismo”
* “Permitir desvios e corrupção que são facilitados em ações emergenciais”, pois “a pressa reduz a capacidade de controle”.
* Finalmente, o governo não quer “criar dependência de ações apenas emergenciais ou clientelistas”, isto é, a “distribuição de água e cesta básicas, assim como realização de obras sonrisal”, que causam uma certa efervescência mas logo desaparecem.

Como se vê, até parece que desta vez o drama da seca será tratado segundo a máxima de que é preciso, em vez de dar um peixe para matar a fome emergencial, ensinar os homens a pescar para que eles acabem definitivamente com a fome. Os fatos verificados nos últimos anos recomendam, porém, pouco otimismo.

Em 1998, o Nordeste viveu uma seca tremenda, semelhante à atual. Na ocasião, como está ocorrendo agora novamente, as ações do governo para combater seus efeitos foram decididas com atraso. O presidente Fernando Henrique alegou que não havia sido alertado a tempo e que a solução dependeria de “Deus, do tempo e da chuva”.

Desta vez, exatamente quando alegava não ter sido informado a tempo da possibilidade de ocorrer uma crise energética — que igualmente quis debitar na conta de São Pedro –, o presidente recebeu o alerta vermelho do ministro Raul Jungmann, por meio de um telefonema dado no dia 21 de maio. Imediatamente, o convocou e o nomeou para o “Ministério da Seca”, que recebeu o nome pomposo de “Câmara Setorial Extraordinária de Convívio com a Seca e Inclusão Social”.

Desde então, Jungmann acumula as novas funções com a gestão do Ministério da Reforma e do Desenvolvimento Agrário e até se instalou num escritório no Recife, onde pode contar com o apoio logístico da recém-extinta Sudene.

Jungmann foi do Partido Comunista Brasileiro e atualmente está licenciado do PPS. O novo tom da retórica oficial sobre o problema da seca, como se lê na página da Internet da Câmara Setorial Extraordinária, é dele. A questão é que, para responder à seca, é preciso mais do isso.

Na segunda-feira, cinco mil trabalhadores rurais de várias regiões de Pernambuco, convocados pela Federação dos Trabalhadores na Agricultura (Fetape), fizeram no Recife uma manifestação de protesto contra o tratamento dado pelo governo aos efeitos da seca. Acompanhando o protesto, o bispo de Afogados da Ingazeira, D. Francisco Austregésilo de Mesquita, previu saques nas próximas semanas: “Quando pessoas correm o risco de morrer de fome são acobertados pela lei dos homens, pela lei de Deus e pela lei da natureza para conseguir o que comer. São atitudes tomadas em casos de extrema necessidade”. Na quarta-feira, um grupo de três mil flagelados interditou a BR-230, entre os municípios de Souza e Aparecida, na Paraíba, com paus e pedras, para exigir cestas básicas e a abertura de frentes de trabalho.

São, certamente, as primeiras de muitas manifestações que ocorrerão nos Estados do Nordeste nos próximos meses. Manifestações como as que ocorreram há três anos, na seca de 1998. Na próxima terça-feira, o presidente Fernando Henrique Cardoso deverá anunciar as medidas estratégicas do programa para o “convívio” com a seca. O que alegará desta vez? Que não foi avisado a tempo das secas que se sucedem no nordeste há centenas de anos?

Para conhecer mais sobre a questão da seca no nordeste, leia entrevista de Celso Furtado publicada no livro “Seca e poder” da Editora Fundação Perseu Abramo, R$ 10,00
Visite o site da editora.

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