Arte de decifrar a economia
"É que ele não perdoava a natureza social cruel das políticas dos governos(…)."
Aloysio Biondi foi o maior jornalista econômico do Brasil. Sua arte não estava apenas no armazenamento da sabedoria teórica – de qualquer maneira, uma condição para não cair nas armadilhas ideológicas -, mas sobretudo na capacidade prática de se valer dela para garimpar no cotidiano da economia as grandes verdades históricas.
Não me aterei à sua trajetória – em parte ao menos mencionada por uma imprensa sem graça, por não ter lhe reservado, permanentemente, o lugar de destaque que ele merece, o que, na realidade, fala muito e mal dessa mesma grande imprensa. Falarei um pouco do que aprendemos de Aloysio Biondi, no exercício de desmascarar as falcatruas teóricas, analíticas e jornalísticas da ideologia econômica que nos vitima a quase todos.
A economia estuda as formas pelas quais os homens produzem sua vida material. Para a economia clássica, se trataria de uma ciência exata, porque se voltaria sobre leis objetivas, definíveis com o grau de rigor das ciências naturais. Daí suas tentativas de fazer passar visões determinadas como universais – de que o caso dos chamados "pensamento único" e "Consenso de Washiington" são versões mais recentes e vulgarizadas.
O pensamento de Marx rompeu com essa tendência, demonstrando como por detrás das relações econômicas se encontram relações sociais e, no caso do capitalismo, o processo de produção tem embutido um processo de exploração. Daí que os proprietários dos meios de produção – do capital – tendam a se enriquecer, enquanto os trabalhadores – os portadores da força de trabalho – apenas reproduzam suas condições de existência.
Na grande imprensa, os colunistas econômicas são considerados – junto com os jornalsitas policiais – os mais comprometidos com suas fontes. Se um jornalista denuncia que há tortura nas delegacias de polícia, no mínimo deixa de ter fontes internas à polícia para o seu noticiáriio. Os jornalistas econômicos críticos deixarão de ter as notícias quentes do Banco Central e das diversas repertições oficiais, além de deixar de privar da convivência com os grandes empresários econômicos – com o que significam, um e outro, em termos de informação, mas também de prebendas econômicas, diretas e indiretas.
Os colunistas econômicos da grande imprensa brasileira se devem, todos, aos governos de turno. Nenhum deles defende a cidadania, todos são solidários e propagandistas – de forma mais ou menos inteligente, mais ou menos medíocre – dos planos e políticas dos governos, tornando-se seus verdadeiros ventrílocos. Nenhum ponto de vista crítico, nenhuma ruptura com o economicismo estreito, nada que os faça ser mais do que porta-vozes do grande capital, intermediados pelas versões oficiais do governo.
Aloysio Biondi se diferenciava claramente dessa gente. Talvez por isso mesmo tenha sido apenas tolerado pela grande imprensa, ainda assim durante periodos determinados, ainda assim uma vez por semana. É que ele não perdoava a natureza social cruel das políticas dos governos, demonstrando, a partir dos acontecimentos cotidianos, o significado dessas políticas para o país e para a grande maioria da população.
Em primeiro lugar, ele se diferenciava pela visão anti-economicista das análises correntes. O reducionismo economicista é uma das vias de imposição da hegemonia do capital financeiro – uma de cujas consequências é a financeirização do Estado brasileiro -, que reduz o país à sua economia, a economia ao mercado. E que reduz o país à conjuntura financeira, como se o mercdo fosse o coração pelo qual pulsa o país e não simplesmente o termômetro do capital especulativo.
Em segundo lugar, Aloysio Biondi sempre teve em mente um projeto para o Brasil, um projeto nacional, em que nossa inserção internacional se desse de forma soberana e em que nos aliássemos a todos os países que, como nós, somos vítimas da dominação das grandes corporações multinacionais, dos organismos econômicos e financeiros internacionais a seu serviço e dos Estados que perpetuam relações imperiais no mundo.
E, além disso, Aloysio mantinha um compromisso ético com a verdade e com as necessidades das grandes maiorias populares, que faz dele uma referência para todos os que buscam pautar suas vidas pelo humanismo e pela solidariedade.
O objetivo do conhecimento, do desvendamento racional da realidade não é o simples deleite. É sobretudo dotar os homens da compreensão do mundo que estão – consciente ou inconscientemente – construindo e tornar possível a desalienação, a reconstrução do mundo conforme a vontade majoritária da humanidade. Aloysio foi um companheiro e um combatente intestimável nessa luta.