Apagão: governo não debate as causas.

Nesta quinta-feira, o governo deu mais uma demonstração de arrogância, fugindo do debate sobre as causas e as soluções para a crise energética que ele próprio provocou por provada imprevidência. Nem o coordenador da Câmara de Gestão da Crise da Energia Elétrica, Pedro Parente, nem os ministros do Minas e Energia, José Jorge, e do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Alcides Tápias, devidamente convidados, compareceram à sessão da Comissão Geral da Câmara dos Deputados convocada por sugestão dos deputados Vivaldo Barbosa (PDT-RJ) e Fernando Ferro (PT-PE) pela Presidência da Casa em acordo com a Comissão de Minas e Energia e a Frente Parlamentar em Defesa do Brasil. Somente quase ao final dos trabalhos, que ocuparam o plenário da Câmara durante toda a tarde, apareceu o líder do governo, deputado Arthur Virgílio, para marcar presença e tentar desqualificar os argumentos dos técnicos e parlamentares da oposição.

Segundo o serviço de imprensa da Câmara, o líder do Governo, Arnaldo Madeira (PSDB-SP), justificou a ausência dos ministros com a desculpa de que eles estão trabalhando 24 horas para achar uma saída que amenize a crise. Como se debater a crise no Congresso Nacional não fosse relevante dentro dessas “24 horas”.

De maneira geral, com a exceção mais destacada do representante do secretário de Energia de São Paulo, os técnicos do setor elétrico convidados para o debate demonstraram que o governo é o principal responsável pela atual crise, por saber dos riscos da falta de energia e não tomar providências para evitá-los. O diretor da Coordenação dos Programas de Pós-Graduação de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Luiz Pinguelli Rosa, por exemplo, afirmou que já em 1995 entregou um relatório ao vice-presidente Marco Maciel alertando para o fato de que a privatização do setor elétrico não previa a expansão do setor, o que poderia acarretar problemas no futuro.

Os técnicos também criticaram a versão do governo segundo a qual a crise seria decorrência da falta de chuvas. O presidente do Instituto de Desenvolvimento Estratégico do Setor Elétrico (Ilumina), Roberto Pereira d`Araújo explicou, com o auxílio de uma data-show, que os reservatórios da hidrelétricas brasileiras foram projetados para produzir energia durante quatro ou cinco anos, justamente para prevenir as secas. E que o baixo nível verificado hoje é conseqüência da excessiva vazão a que estão sendo submetidos para gerar mais energia, compensando o aumento do consumo. A crise resulta justamente da imprevidência do governo, que deixou de investir na construção de novas hidrelétricas a partir de 1995, deixando de armazenar uma quantidade maior de água e, portanto, de energia potencial.

Segundo d`Araújo, se se comparasse o potencial hidráulico do país com as reservas petrolíferas mundiais, “o Brasil seria uma Arábia Saudita”. Com reservatórios correspondentes a uma área de 32 mil quilômetros quadrados, maior que o Estado de Alagoas e um volume de 500 quilômetros cúbicos, mais da metade do lago Titicaca, o país tem um potencial hidrelétrico de cerca de 200 mil megawatts e tem instalados cerca de 70 mil megawatts desse potencial.

Segundo o diretor da Federação Nacional dos Urbanitários, Luiz Gonzaga Ulhôa Tenório, para promover a privatização das distribuidoras de energia elétrica, o governo, por meio do BNDES, emprestou US$ 7 bilhões de recursos públicos às empresas privatizadas. Entre os resultado mais perversos desse processo, além dos prejuízos aos cofres públicos, à deterioração do serviços e ao aumento das tarifas para os consumidores, encontram-se a demissão de 125 mil trabalhadores do setor e o aumento da importação de produtos e equipamentos que o país já fabricava, incluindo cabos, disjuntores e softwares.

No seu discurso, o professor Luiz Pinguelli Rosa denunciou a maneira autoritária com que o presidente Fernando Henrique Cardoso está conduzindo a crise. Ele se referiu ao fato de estar previsto o corte do fornecimento de luz até mesmo de famílias de baixa renda, que consomem menos de 100 kW por mês, o correspondente ao consumo de uma ou duas lâmpadas, um chuveiro e uma geladeira. Um exemplo ainda mais drástico do autoritarismo de FHC foi a edição, também nesta quinta-feira, da Medida Provisória 2.148/01, que, entre outras decisões, veda a aplicação de vários dispositivos do Código de Defesa do Consumidor e o submete às normas da Câmara de Gestão da Crise Energética, o Ministério do Apagão. Se quiser reclamar das distribuidoras que vierem a cortar a luz de suas casas ou que provoquem a queima de seus aparelhos elétricos por excesso de tensão quando a luz voltar, os consumidores terão que contratar advogados e apelar para o Código do Processo Civil ou Penal.

A canhestra tentativa do governo de fugir das ações na Justiça contra o apagão foi imediatamente condenada pela Ordem dos Advogados do Brasil, cujo presidente nacional, Rubens Approbato Machado, já instruiu suas seccionais a ajuizar Ações Diretas de Inconstitucionalidade (Adin) contra a MP. O ministro do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, Fernando Tourinho Neto, considerou que a MP é claramente inconstitucional e que os consumidores devem insistir e entrar com ações na Justiça. E seis dos onze ministros do Supremo Tribunal Federal, ouvidos em caráter reservado pela Folha de S. Paulo, também já externaram a opinião de que a medida fere a Constituição em pelo menos dois dispositivos. O primeiro deles é o inciso XXXII do artigo 5º, que determina que o Estado promoverá a defesa do consumidor. Outro dispositivo violado é o inciso V do artigo 170, que dispõe que a defesa do consumidor é um dos princípios da ordem econômica. Há quem considere que a MP fere também o direito de acesso à Justiça que a Constituição assegura a qualquer pessoa do povo.

Nesta sexta-feira, enquanto os partidos da oposição se preparavam para dar entrada a uma Adin contra a Medida Provisória do apagão, o Advogado Geral da União, Gilmar Mendes, admitiu que o governo poderia voltar atrás. Ao que tudo indica, a iniciativa foi tomada com base na idéia do “se colar, colou”. Como não colou, o governo parece estar disposto a recuar, para evitar maiores desgastes.

O fato é que o presidente Fernando Henrique vai tentando gerir a crise por medidas de emergência e sem debate sobre suas causas. Se não debate suas causas, como pode achar solução para um problema de tamanha gravidade?


* Extraído do site da Oficina de Informação do dia 28/05/2001