A questão do voto secreto no Senado Federal
Técnicos da Unicamp entregaram ontem ao presidente da Casa, Jáder Barbalho, um laudo em que listam 18 possibilidades de fraude.
Onde está a fraude
Depois de quase um mês analisando o sistema computadorizado de votação do Senado Federal, técnicos da Unicamp entregaram ontem ao presidente da Casa, Jáder Barbalho, um laudo em que listam 18 possibilidades de fraude. É um sistema de “segurança zero”, cheio de buracos, parecido com um queijo suíço, como afirmou o Correio Braziliense.
Entre as brechas, os técnicos constataram que os votos não são criptografados; as senhas dos senadores ficam armazenados em arquivos que podem ser acessados por terceiros; os cabos que interligam o sistema ficam expostos em locais de fácil acesso, permitindo grampos; dois computadores estranhos ao sistema estão conectados a uma rede externa, facilitando o acesso ao painel eletrônico a partir de qualquer gabinete etc.
Os técnicos não conseguiram, porém, determinar se o painel foi violado durante o processo de cassação do senador Luiz Estevão (PMDB-DF). Foi a hipótese dessa violação, atribuída pelo procurador da República, Luiz Francisco de Souza, ao senador Antônio Carlos Magalhães, que levou o novo presidente do Senado, Jáder Barbalho, a solicitar a perícia. ACM comemorou o resultado, dizendo que foi “mais uma vitória minha contra os meus detratores”.
Até que se vislumbre uma solução segura, Jáder Barbalho determinou que as próximas votações secretas serão feitas com cédulas.
A grande questão, entretanto, é que não há uma solução segura para esse tipo de votação. Pelo menos, não do ponto de vista dos eleitores. Num sistema de democracia representativa, o voto secreto dos parlamentares carece de qualquer sentido, porque não permite que os eleitores confiram se os seus interesses estão sendo efetiva e adequadamente representados. No fundo, o sigilo do voto parlamentar é uma fraude à vontade popular.
Para resolver o problema de maneira definitiva, será preciso aprovar uma emenda constitucional que acabe com o voto secreto no Congresso Nacional. Iniciativa nesse sentido foi apresentada pelo senador Tião Viana (PT-AC) e está em tramitação na Comissão de Constituição e Justiça do Senado.
A Constituição Federal prevê diversas hipóteses para os senadores esconderem os seus votos:
– quando aprovam a nomeação de magistrados, ministros do Tribunal de Contas da União indicados pelo Presidente da República, Governador de Território, presidente e diretores do Banco Central, Procurador-Geral da República e titulares de outros cargos que a lei determinar; –
– – quando aprovam a exoneração, de ofício, do Procurador-Geral da República antes do término de seu mandato; –
– A Constituição determina também a votação secreta, tanto no Senado como na Câmara, nas seguintes situações:
– quando os senadores e deputados resolvem sobre a prisão ou autorizem, ou não, a formação de culpa do parlamentar indiciado em flagrante de crime inafiançável; –
– – quando decidem sobre a perda de mandato de parlamentar. –
– É fácil perceber que em qualquer dessas hipóteses, o único motivo para o sigilo é o parlamentar querer agradar o Poder Executivo ou o Poder Judiciário, sem desagradar as pessoas que nele depositaram sua confiança pelo voto popular. Ou quando o senador ou deputado quer exercer o privilégio do corporativismo, aí também surrupiando do eleitor o direito de acompanhar as ações de quem o representa.
Há quem defenda a permanência do voto secreto no Congresso Nacional e o compare ao voto direto, secreto, universal e periódico, previsto no artigo 60 da Constituição como uma das cláusulas pétreas, isto é, aquelas que não podem ser objeto de emenda constitucional. O argumento é exagerado. O voto secreto do parlamentar visa proteger um político, que já desfruta de diversas regalias e imunidades. Já o voto secreto do eleitor tem a ver com a necessidade de proteger o cidadão comum do mandonismo e do arbítrio que são comuns em diversas situações.
Como há males que vêm para o bem, o escândalo do painel eletrônico do Senado talvez resulte em algum avanço democrático. O Correio Braziliense noticia que a divulgação do laudo da Unicamp reforçou a idéia de aprovação da emenda constitucional do senador Tião Viana, acabando com o sigilo do voto. Segundo o jornal, a proposta já contaria com o apoio do líder do governo, José Roberto Arruda (PSDB) e do próprio presidente do Senado. Pode ser que Barbalho queira mesmo passar para história como o homem que varreu esse entulho autoritário.
O ideal, como já se disse, é que todas as votações no Congresso fossem abertas e que a galeria do plenário Ulysses Guimarães – hoje isolada por vidros à prova de som – comportasse mesmo alguns milhares de pessoas.
* Publicado no Oficina de Informação de 29/03/2001. Acesse o site.