“A diferença entre a participação da China e a do Brasil na globalização salta aos olhos.”


“A China é um gigante que está dormindo. Deixem-no dormir, pois quando acordar ele irá sacudir o mundo”. Foi Napoleão Bonaparte quem disse isso. Se estivesse vivo hoje, tenho certeza de que ele diria que o gigante já acordou.

Escrevo de Beijing, a capital da China, onde lidero uma comitiva do Partido dos Trabalhadores que, desde o dia 14, a convite do governo chinês, visita oficialmente o país pela primeira vez.

O crescimento econômico do país é extraordinário. Beijing parece um monumental canteiro de obras, que se espalha uniformemente tanto no centro como na periferia. Que lições nós, brasileiros, podemos tirar desse desenvolvimento e do modo como a China está encarando o processo de globalização econômica?

Tratamos dessa questão com Wei Jianxing, um dos principais dirigentes do Bureau Político Permanente do Comitê Central do Partido Comunista da China, que recebeu nossa comitiva em audiência, no Grande Palácio do Povo, esta semana.

A China, como o Brasil, é um país continental. Uma das diferenças básicas é que o gigante asiático tem 1,3 bilhão de habitantes, cerca de 23% da população mundial, mas apenas 7% das terras agricultáveis do planeta. Mesmo assim, consegue produzir o suficiente para alimentar esse mundo de gente. O Produto Interno Bruto é de 1,1 trilhão de dólares e deve crescer 8% neste ano. Na verdade, a China detém as maiores taxas de crescimento do mundo nas últimas duas décadas. Isso com a renda per capita crescendo 6% ao ano, o que significa que o país, além de crescer em ritmo invejável, tem diminuído significativamente a desigualdade social.

O Banco Mundial divulgou recentemente um relatório afirmando que, consideradas as estatísticas internacionais como um todo, a China foi nos últimos anos o principal país responsável pela diminuição da pobreza no mundo. Descontados os chineses, a pobreza teria crescido.

A principal razão para esse contraste é que a China está se modernizando e se integrando à globalização, mas busca fazê-lo de modo autônomo e soberano. Tudo indica que, na China, o FMI não está dando ordens nem impondo os seus modelos econômicos.

Os chineses nos explicam que estão praticando o que chamam de socialismo de mercado. A impressão que dá é que eles estão aprendendo a ganhar dinheiro com os capitalistas, para gastá-lo como socialistas.

Até pode ser que os chineses aceitem uma economia de mercado, mas certamente não admitem uma sociedade dominada pelo mercado. O Estado chinês tem participado diretamente do atual estágio da globalização, mas não abre mão do planejamento, da definição de prioridades. Ou seja, não permite que o mercado decida em nome da sociedade.

A diferença entre a participação da China e a do Brasil na globalização salta aos olhos. Nosso país não tem praticamente autonomia nenhuma, o desenvolvimento econômico vem sendo sistematicamente sacrificado e a desigualdade social aqui é crescente. Enquanto isso, as determinações do FMI continuam sendo seguidas à risca pelo governo brasileiro.

Durante a audiência com Jianxing, sem dúvida um dos momentos mais significativos da visita até agora, a nossa delegação apresentou ao dirigente chinês uma nota oficial do partido em que defende “a continuidade e o aprofundamento da política de parceria estratégica entre a China e o Brasil, países de expressão continental e responsabilidade mundial”. O PT deixou claro que considera do maior interesse do Brasil e dos brasileiros ampliar as relações diplomáticas, econômicas, culturais e tecnológicas com o povo chinês.

A nota manifesta ainda plena solidariedade com a China em relação ao incidente provocado por um avião-espião norte-americano, que recentemente invadiu o espaço aéreo daquele país, provocando a morte de um piloto chinês. Repudia também a tentativa norte-americana de retomar a corrida armamentista, violando tratados e acordos internacionais de natureza bilateral e multilateral.

Devo reconhecer que estou muito satisfeito com a intensa programação de trabalho que nossa comitiva tem cumprido em Beijing. E digo isso em nome de toda a delegação, destacando José Dirceu, presidente nacional do partido, Jorge Viana, governador do Acre, Antonio Palocci, prefeito de Ribeirão Preto, e os deputados federais Paulo Delgado (MG) e Jaques Wagner (BA). Na próxima semana visitaremos Xangai e outras províncias importantes da China.


* Luiz Inácio Lula da Silva, presidente de honra do Partido dos Trabalhadores e conselheiro do Instituto Cidadania.