Homenagem de Eduardo Suplicy no lançamento do livro “Padrões de Manipulação na grande imprensa”, realizado na PUC-SP no dia 2 de junho de 2003.

Ao ler “Padrões de Manipulação na Grande Imprensa”, o ensaio de Perseu Abramo que é editado agora, me bateu, mais do que tudo, uma profunda saudade. Não apenas a saudade do companheiro que se foi. Mas uma saudade viva, que mostra a quem lê o seu texto, como faz falta uma mentalidade crítica como a de Perseu para todos nós, para o dia-a-dia das nossas vidas.

Conheci Perseu Abramo quando trabalhei como redator de assuntos econômicos na Folha de S. Paulo, de 1976 a 1980. A editoria de economia ficava junto à de educação, de maneira que a minha mesa ficava perto da dele, que era o editor de educação. Aos poucos fui aprendendo a respeitá-lo e a admirá-lo por seu amor à verdade, à profissão, o seu anseio de fazer justiça, de defender a democracia e todas as coisas que anos mais tarde nos fizeram estar juntos e já então muito mais amigos, no Partido dos Trabalhadores, desde a sua fundação em 1980.

Perseu examina, no ensaio, as variáveis que conduzem a grande imprensa à defesa ou ataque de determinados temas de maneira não-clara e às vezes manipuladora, referindo-se à realidade de maneira indireta. Nas suas palavras, isso levaria o leitor ou telespectador, em muitos casos, a não receber a informação verdadeira, mas sim uma versão dirigida – e digerida – de determinado fato, distorcendo portanto o seu conhecimento.

O texto de Perseu Abramo foi escrito em 1988, e fazia parte de um trabalho mais amplo de pesquisa que foi interrompido. Em 1988 foi promulgada a Constituição, e o noticiário político naquele momento era da maior importância. Verificando os jornais da época, podemos notar que, embora inúmeros assuntos tenham sido tratados pela Constituinte, nas mais diversas comissões, só alguns poucos ganhavam as manchetes dos jornais e eram insistentemente repisados, nem sempre com total transparência. Alguns eram esquecidos, outros apresentados de forma fragmentada.

Perseu Abramo mostra em cada linha deste trabalho o que todo grande jornalista tem dentro de si por natureza: o amor pela informação, tratando-a como um dos direitos fundamentais do homem. É através do conhecimento dos fatos cotidianos que cada um de nós pode se situar em sua comunidade, no país ou no mundo, de maneira individual e coletiva. É com base nas informações da imprensa que pessoas, empresas e sociedades aprofundam suas conclusões e, muitas vezes, chegam a tomar decisões. Por isso, toda notícia ou comentário deve vir dentro do seu contexto e, se possível, com um mínimo de histórico. Essa é uma das coisas que Perseu sempre ensinou, como professor, e que todo estudante de jornalismo ouviu desde sua primeira aula. Perseu defendia a informação completa, sem omissões, sem fragmentações e, principalmente, sem versões e inversões.

Qualquer jornalista também sabe como é difícil ser simplesmente objetivo, dentro de conceitos como neutralidade, isenção, verdade etc. Somos humanos, e sabemos que nada disso existe na sua forma absoluta. Mas, como dizia e ensinava o bom Perseu, “temos a possibilidade concreta de buscar a objetividade e de tentar nos aproximar dela ao máximo”, levando em conta a disposição para isso, o conhecimento da realidade e, principalmente, os limites humanos e reais não apenas do jornalista, mas também de quem recebe a informação.

Perseu sempre lembrou que a informação é que forma a opinião, e como cada um pensa diferente – e tem todo o direito a isso – a sociedade democrática se enriquece a cada dia, cada vez que vai para o ar ou é publicado um bom jornal.

É bom lembrar, mais uma vez, que o texto de Perseu Abramo tem a idade da nossa Constituição – 15 anos – e os ensinamentos do velho professor ainda estão valendo. Mas, se ele estivesse aqui, estaria lembrando também que a Comunicação como um todo passou por grandes processos de modificação tecnológica e isso deveria ser levado em conta. Como é que viveríamos, hoje, sem a Internet, por exemplo, apesar de muitas vezes a tecnologia, ela própria, contribuir para a má interpretação de uma notícia? “A tecnologia mudou, avançou rapidamente, mas o homem é o mesmo” – teria respondido Perseu.

É verdade que ninguém consegue apreender o volume de informações disponíveis na rede virtual em todo o mundo. Mas, ao mesmo tempo em que, no limite, cada um pode publicar na Internet sua própria versão de um fato, ou mesmo fazer seu próprio noticiário, fica um pouco mais difícil para os grandes meios de comunicação usar desta ou daquela fórmula para manipular uma notícia. Afinal, a informação é instantânea e, caso não seja o mínimo verdadeira, pode ser desmentida imediatamente também.

E mais uma vez se Perseu estivesse aqui, com certeza estaria estudando essa dependência entre o jornalista e o meio que o emprega, estaria questionando o chamado “nicho” tão procurado pelas empresas, e diria que o jornal é o espaço mais caro – para ele quase sagrado – onde devem circular os fatos e transitar as idéias, para formar cidadãos conscientes da grandeza humana.

Por todas essas coisas, pelo grande valor que dedicava à vida, Perseu também teve uma forte atuação na vida sindical. Amava os companheiros de profissão, ia um pouco além daquela camaradagem meio fraterna. Estava sempre lá, no Sindicato dos Jornalistas, na rua Rego Freitas, a aconselhar os mais jovens, a fazer a conta dos percentuais na data-base, a defender a dignidade dos profissionais. Seu sonho era esse mesmo: ver um dia o Sindicato discutir as questões salariais, trabalhistas e também as que norteiam a filosofia da profissão. “Vamos discutir desempenho, o nosso e o das empresas. Elas sabem que a melhor coisa que pode acontecer a elas é fazer um bom jornal, uma boa revista, um bom programa de rádio ou TV. Vamos mostrar que o nosso capital, o dos jornalistas, se chama credibilidade”.

Na última conversa com minha assessora de imprensa, Rose Nogueira, também muito amiga sua e admiradora, Perseu se referiu a isso. Falando baixo e olhando bem nos olhos fez este comentário: o jornal não é só um produto, não é um balcão de negócios. O que a gente faz, todo dia, é exercer uma das profissões mais bonitas, que é garantir o direito que todo mundo tem à informação e ao conhecimento para que cada um possa se sentir um cidadão.

Pensava isso em relação a todos os tipos de imprensa: à dirigida, à comercial e até à partidária. Dentro do PT Perseu foi um defensor da difusão de idéias, do debate aberto e, principalmente, da democracia. Mas estou falando hoje no Perseu jornalista. Se lembrar do Perseu petista, então… meu Deus, quanto lhe devemos!

Salve, Perseu.

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