” Hoje existe a busca de uma verdadeira autonomia, ainda que relativa, a qual supera qualitativamente a diplomacia retórica de FHC.”

Ida de Lula a Davos foi jogada de estadista

Por Michelle Rusche

  Paulo Vizentini é professor de história contemporânea da UFRGS e pós-doutorado em Relações Internacionais e acaba de lançar o livro Relações Internacionais do Brasil de Vargas a Lula (Editora Fundação Perseu Abramo).

Na entrevista abaixo Vizentini diz o que pensa a respeito das primeiras medidas na área de política internacional adotadas pelo governo Lula e dos principais temas da atualidade, a guerra contra o Iraque, Mercosul e Alca.

As primeiras medidas na área de políticas internacionais adotadas pelo governo Lula assinalam mudanças nas relações internacionais do Brasil?
Vizentini – A política externa do governo Lula deu segmento a certas mudanças que vieram se operando ao final do governo FHC, que constituíam respostas tímidas frente às crescentes dificuldades internacionais. Um exemplo foram as cúpulas sul-americanas. Mas a diferença foi que os limites anteriores foram ultrapassados, buscando, como disse Lula, uma política externa “ativa e afirmativa”. Hoje existe a busca de uma verdadeira autonomia, ainda que relativa, a qual supera qualitativamente a diplomacia retórica de FHC. Além disso, nossa nova diplomacia constitui um elemento de contrapeso às relações econômicas externas, onde temos pouca margem de manobra.

Até que ponto a iniciativa do Brasil em integrar o Grupo de Amigos da Venezuela e definir políticas de ajuda àquele país podem representar uma idéia do papel que o Brasil terá nas relações internacionais?

Vizentini – A iniciativa brasileira foi tão boa, que os EUA tiveram de aceitá-la e manobrar para se engajar nela, neutralizando um pouco a ação brasileira. Mas ela sinalizou uma verdadeira vontade política de articular a América do Sul, superando as limitações do governo anterior.

Quais conseqüências o país pode vir a sofrer ao assumir uma posição com relação à possível guerra dos EUA contra o Iraque?

Vizentini – A posição brasileira continua sendo a tradicional do Itamaraty a este respeito: recusa de uma guerra unilateral, respeito à ONU e aos princípios do direito internacional. O que muda é a ênfase maior que o Brasil dá a isto no novo governo. Mas não estamos próximos da guerra e os EUA não tomarão atitudes contra o Brasil, até porque nunca apoiamos ações deste tipo, ou apenas durante regimes ditatoriais.

Como você avalia a ida de Lula a Davos e o conteúdo de seu discurso?

Vizentini – A ida de Lula à Davos levou o discurso do Fórum Social Mundial ao núcleo duro do pensamento neoliberal. Assim, o novo Brasil e o Fórum de Porto Alegre foram legitimados como interlocutores das relações internacionais. Antes, a grande mídia erigia um muro de silêncio em torno do FSM. Não foi uma “traição”, como disseram alguns, mas uma jogada de estadista.

Na atual conjuntura dos países sul-americanos, é viável a tentativa de recuperar o projeto do Mercosul?

Vizentini – Sim, um outro Mercosul é possível e desejável. A crise econômica inviabilizou a continuidade de projetos como o da Argentina, que eram contrários ao Mercosul. Mas a recuperação será relativamente lenta.

Que posição o Brasil deve tomar em relação à Alca?

Vizentini – A ALCA é cercada de menos entusiasmo hoje do que no passado, e o governo não deve simplesmente abandonar as negociações, mas utilizá-las pedagogicamente para mostrar aos diversos atores políticos e econômicos que ela é prejudicial no formato em que foi proposta. Como negociador, deve dar visibilidade ao processo, pois até agora tudo ocorreu entre quatro paredes. E o governo precisa evitar ser visto como radical apriorístico, recusando antes de negociar. A esquerda brasileira não é mais apenas um ator de fora, que protesta, mas um dos negociadores. Desde dentro das negociações, como governo e Estado-nação, pode revelar ao público dados que são verdadeiramente alarmantes. Trata-se de uma fase com outra dinânica, que alguns não compreenderam ainda.

Paulo G. Fagundes Vizentini é professor titular de história contemporânea na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), doutor pela Universidade de São Paulo (USP) e pós-doutorado em Relações Internacionais pela London School of Economics. É também coordenador do Núcleo de Estudos em Relações Internacionais e Integração/NERINT do Instituto Latino-Americano de Estudos Avançados da UFRGS e autor de Relações internacionais e desenvolvimento no Brasil: 1951-1964 (Vozes), A política externa do regime militar (Ed. UFRGS), Dez anos que abalaram o século XX: política internacional 1989-1999 (Novo Século) e co-autor de O dragão chinês e os tigres asiáticos (Novo Século).

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