“O documento é um grande desafio às lideranças políticas locais. Os governos que se comprometerem de fato com esta agenda estarão reconhecendo a importância das cidades na promoção da paz e dos direitos culturais”

Uma nova agenda para nossas cidades

Por Glauber Piva*

AGENDA 21 DA CULTURA* – Um compromisso das cidades e dos governos locais

“Acho que o quintal onde a gente brincou é maior do que a cidade. A gente só descobre isso depois de grande. A gente descobre que o tamanho das coisas há que ser medido pela intimidade que temos com as coisas. Há de ser como acontece com o amor. Assim, as pedrinhas do nosso quintal são sempre maiores do que as outras pedras do mundo. Justo pelo motivo da intimidade. (…) Se a gente cavar um buraco ao pé da goiabeira do quintal, lá estará um guri ensaiando subir na goiabeira. Se a gente cavar um buraco ao pé do galinheiro, lá estará um guri tentando agarrar no rabo de uma lagartixa. Sou hoje um caçador de achadouros da infância. Vou meio dementado e enxada às costas cavar no meu quintal vestígios dos meninos que fomos (…).”

Manoel de Barros em Memórias Inventadas – a infância

A disputa eleitoral numa cidade é como quando um poeta resolve expor as intimidades do seu quintal e imaginar o que será dele. Ele fica um tempo quietinho matutando. Fica relembrando os bons cheiros da infância e os instigantes sabores das frutas. Fica redesenhando na memória como seria aquele quintal com outras árvores, outras flores, outros amigos, outras molecagens. Fica imaginando sua cidade como espaço de conversas saudáveis, como lugar de encontros.

E o poeta gasta um tempo resgatando a memória para que tenha forças de conceber o futuro. Ele fica ali, no seu quintal, no lugar mais agradável da sua infância. Fica na cidade onde conheceu o mundo, e, a partir de onde quer fazer o mundo mudar.

Os candidatos, mesmo quando não sabem, fazem isso: ficam poetando, ficam imaginando o futuro. Os candidatos e as candidatas do PT, ao se oferecerem como líderes de um processo de reconstrução saudável das cidades, se apresentam como poetas. Não poetas delirantes, mas poetas dispostos a colocar no centro da administração pública a perspectiva do desenvolvimento humano. Ou seja, se oferecem para transformar nossas prefeituras e câmaras municipais em espaços de democracia, participação e implementação de políticas públicas.

Em Barcelona, Espanha, aconteceu, entre os dias 07 e 08 de maio, o IV Fórum de Autoridades Locais pela Inclusão Social de Porto Alegre, que aprovou a Agenda 21 da Cultura para as Cidades. O PT teve uma participação decisiva na elaboração desta agenda. A prefeitura de Porto Alegre, através de sua Secretaria Municipal de Cultura, foi a principal articuladora do evento e da proposta, que foi aprovada por centenas de cidades e governos locais de todo o mundo.

O documento é um grande desafio às lideranças políticas locais. Os governos que se comprometerem de fato com esta agenda estarão reconhecendo a importância das cidades na promoção da paz e dos direitos culturais, mas, também, assumindo o compromisso de implementar os instrumentos que garantam a participação democrática dos cidadãos na formulação, exercício e avaliação das políticas públicas de cultura. Os prefeitos e prefeitas, vereadores e vereadoras também irão se comprometer em considerar os parâmetros culturais no planejamento territorial e urbanístico, protegendo o patrimônio cultural; estabelecer políticas que fomentem a leitura e a difusão do livro; e, sobretudo, implementar ações de descentralização das políticas e recursos destinados à cultura.

Há um elemento, porém, muito importante, que é a convicção de que muitos problemas locais só serão resolvidos se os municípios constituírem redes de solidariedade e intercâmbio. São as idéias de multilateralidade e reciprocidade que se apresentam como desafio aos novos governantes.

O documento é longo e bastante importante, mas a sua base conceitual já foi expressa no documento A Imaginação a Serviço do Brasil, que o presidente Lula apresentou à sociedade em 2002, quando dizia que a cultura deveria ser encarada como um direito social básico. Este é o desafio da Agenda 21 da Cultura e de um governo petista realmente comprometido com o desenvolvimento humano.

Sabemos que falar da cultura em campanha política não é uma prática muito antiga, mas, cada vez fica mais claro que a cultura é grande geradora de emprego e renda, carrega enorme potencial de inclusão social e possibilita a construção de sociabilidades saudáveis. Então, fica-nos o desafio de gerir a política local como um espaço de intercâmbio e inversão de prioridades.

Relembrando Manoel de Barros, citado acima, “o quintal onde a gente brincou é maior do que a cidade”. Então, a cidade onde a gente mora, é muito maior do que o mundo todo. É na nossa cidade que a gente sofre, vence, trabalha, namora, tem filhos… É a partir da sua cidade e da sua região que o mundo começará a ficar melhor. E o jeito que se tem nas vilas e cidades, a cultura que se faz em cada rincão, vai ser determinante para que todos os quintais do Brasil tenham mais goiabeiras e estrelas, que todo país tenha cidades mais saudáveis.

Glauber Piva
Secretário Nacional de Cultura


*Publicado no Site da Secretaria Nacional de Cultura do PT em 12/05/2004

Clique aqui para ler a íntegra do documento
Agenda 21 da Cultura

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