“Este é o Lula. Uma pessoa autêntica, clara, ligada às suas raízes, ao Brasil e à sua história, mas extraordinariamente capaz de inovação e de olhar para o mundo muito além dos limites das cômodas certezas.”

Por Massimo D’ Alema

Creio que seja muito oportuna a edição italiana deste livro que, um ano depois da histórica vitória de Luiz Inácio Lula da Silva, traz finalmente uma reconstrução atenta e fascinante de sua vida, além de um perfil humano e político do atual presidente do Brasil.

Conheço Lula há muitos anos e tive a oportunidade de encontrá-lo inúmeras vezes, desde quando ele participou do Congresso de fundação dos PDS (Partido dos Democratas de Esquerda), realizado em Rimini, em 1991. O diálogo entre nós sempre foi direto e franco, facilitado, creio, pelo fato de ambos pertencermos a partidos de massas, fortemente radicados na realidade e estruturalmente democráticos. Partidos que jamais se satisfizeram com respostas “de cima para baixo” aos graves problemas que tiveram de enfrentar, seja durante os longos anos na oposição, seja no governo.

Lula, assim como muitos dos seus colaboradores mais próximos, tem uma história especialmente ligada à Itália. São muitas as razões: primeiro, de caráter pessoal, pois a mulher de Lula, Marisa, é de origem italiana; depois, políticos, a ligação com a história do Partido Comunista Italiano e com a tradição gramsciana; e finalmente sociais, em razão do profundo relacionamento do PT e da CUT, e portanto de Lula, com o sindicalismo italiano, tanto com aquele ligado à esquerda quanto com o de matriz católica, ambos unidos por uma maturidade política e por uma recusa do corporativismo que, seguramente, deve ter surpreendido e conquistado o jovem dirigente sindical brasileiro. Todavia, a primeira viagem de Lula a Itália, em 1980, se deu por meio do convite de Alberto Tridente, na ocasião dirigente da FLM (Federação dos Trabalhadores Metalúrgicos). E em razão desse vínculo especial com a Itália, em plena campanha eleitoral, no final de 2001, Lula visitou a Itália e, no encontro na Fondazione Italianieuropei, surgiu a idéia de minha viagem ao Brasil.

Mas talvez o verdadeiro marco em nossas relações tenha surgido durante o período em que o PT passou a governar municípios como São Paulo, Porto Alegre e uma dezenas de outros. Nesse período, no início da década de 1990, a pedido do próprio Lula, hospedamos Cezar Santos Alvarez, dirigente nacional do PT, que se tornou uma referência imprescindível nas relações entre os municípios por ele administrados, começando por Porto Alegre, e os municípios italianos governados pela esquerda ou centro-esquerda. No esforço concreto, mais político do que ideológico, para governar bem é que se forjou o diálogo mais intenso entre o PT e PDS italiano. Esse jovem dirigente, que foi nosso hóspede por um ano e estudou a experiência italiana – em especial a desenvolvida em Emilia-Romagna -, depois de ter sido assessor do prefeito de Porto ALegre, Tarso Genro, hoje é subsecretário-geral da Presidência da República no governo Lula.
Para mim, particularmente, a experiência mais intensa foi a viagem ao Brasil em maio de 2002, para colaborar na campanha eleitoral de Lula. Em janeiro desse mesmo ano, no Fórum Social Mundial de Porto Alegre, Aloizio Mercadante e Marco Aurélio Garcia, membros do alto escalão do PT (atualmente o primeiro é líder do governo no Senado e o segundo é Assessor de Assuntos Internacionais de Lula), confirmaram aos dirigentes do DS presentes ao Fórum, o convite pessoal de Lula para ir ao Brasil para apoiar sua candidatura.

Era a quarta vez que Luiz Inácio Lula da Silva se candidatava e as pesquisas não lhe eram favoráveis. Seus índices oscilavam entre 25% e 30%, sua margem histórica. Decidi que a relação política e humana, tinha de prevalecer sobre as pesquisas e, em maio, passei uma semana no Brasil, participando de atividades eleitorais em apoio ao PT e a Lula. E também para o amigo, e atual ministro da Educação, Tarso Genro, com quem visitei Porto Alegre e outras regiões do estado do rio Grande do Sul e, em particular, Caxias do Sul, cidade-símbolo da imigração italiana no sul do Brasil.

A comunidade de nossos conterrâneos, quase todos vênetos e friulianos, estabelecidos nessa região na segunda metade do século XIX, na área montanhosa em torno de Caxias, desenvolveram pequenas e médias empresas agrícolas (a partir da vinicultura) e manufatureiras, recriando relações urbanísticas e geográficas surpreendentemente similares às do Vêneto. Assim como uma mistura de antigos dialetos vênetos, combinados com o português, deu vida a um “talian” falado correntemente entre eles e do qual existem até dicionários.

Nos encontros com setores de classe média e com representantes do empresariado ítalo-brasileiro, comecei a perceber que esta poderia ser a vez de Lula. Depois, no encontro com Lula em São Paulo, vi que as possibilidades eram verdadeiramente concretas: pela primeira vez a questão das alianças, não só as de cunho social, mas também as políticas, tinha um lugar central no programa e nas ações do PT e de seu líder e não era, como nas campanhas eleitorais anteriores, uma mera esperança ou uma petição de princípio. Era, então, o ponto crucial da proposta política e uma resposta aos interesses legítimos de setores produtivos e progressistas da sociedade brasileira.

Estava em curso, naqueles dias, uma forte pressão especulativa sobre o Real, e Lula soube reagir com determinação e inteligência, tranqüilizando o mercado financeiro e ratificando sua posição de respeitar todos os acordos internacionais assumidos. Assim, estancou o movimento especulativo e reafirmou aquilo que, se me consentem dizer, eu definiria como o seu “segredo”: manter intocável uma forte capacidade de renovação e, ao mesmo tempo, afirmar-se em ações concretas como um estadista moderno e visionário. Aquele setor essencial da classe média brasileira que nunca havia votado nele, percebeu essa evolução e essa virada, e foi conquistada por uma inédita combinação de compreensão do Estado e vocação reformista desse grande brasileiro.

Antes de nos despedirmos, Lula me fez prometer que, caso ele vencesse, eu voltaria a encontrá-lo antes de sua posse, durante o período de sessenta dias de transição entre o seu mandato e o do presidente anterior. Cinco meses depois, em outubro, com enorme apoio – sem precedentes – de 53 milhões de eleitores brasileiros, o garoto de Pernambuco, o torneiro mecânico, o dirigente sindical, o fundador do PT, o tecedor de grandes alianças, foi eleito Presidente de um país de dimensões continentais.

Mantive a promessa e, poucas semanas depois, eu me encontrava com ele em São Paulo. Depois de um abraço e de uma breve troca de palavras, ele me disse: “Até o dia da posse oficial, em primeiro de janeiro, não farei nenhum encontro internacional porque irei me dedicar à formação de meu governo. Mas eu te convidei para vir até aqui, como um gesto de reconhecimento por ter estado no Brasil, ao meu lado, mesmo quando as coisas não iam bem e só alguns poucos achavam que eu iria conseguir”. Ele fez questão de repetir essas mesmas palavras às dezenas de jornalistas que permaneciam vinte e quatro horas diante de seu escritório, para os quais me apresentou como um amigo, e com os quais ele falou de suas relações comigo e com a Itália.

Este é o Lula. Uma pessoa autêntica, clara, ligada às suas raízes, ao Brasil e à sua história, mas extraordinariamente capaz de inovação e de olhar para o mundo muito além dos limites das cômodas certezas.

Vi Lula novamente, já Presidente, no Congresso da Internacional Socialista, que significativamente quisemos que se desse no Brasil, em São Paulo, para marcar esse acontecimento que, no cenário mundial, foi a sua eleição para a Presidência do Brasil. O impulso dado nas relações com os países em desenvolvimento, a começar pela Índia, China e África do Sul e a formação do G-20, a relação estratégica com a Argentina e o papel de líder da América Latina, a relação decisiva e clara com os Estados Unidos e olhar voltado para a Europa, sem nunca deixar de nos lembrar de nossas contradições e incongruências em relação ao tema do protecionismo, junto com o tema central da paz mundial, são os pontos essenciais do diálogo com a esquerda internacional e com a Internacional Socialista.

E são justamente esses os temas centrais do relacionamento com a Europa, os quais são os mais presentes e necessários. Uma Europa menos fechada em torno de suas barreiras e menos voltada exclusivamente para suas prerrogativas comerciais. Uma Europa que “percebesse” a responsabilidade de dialogar antes de tudo com aqueles, e entre esses o Brasil, que ainda nos consideram como exemplo de integração. No fracassado encontro da OMC, em Cancún, o retrocesso desse diálogo mostrou-se evidente em toda sua crueza.

Com a Europa, com o socialismo europeu e mundial, com a esquerda democrática, essa interlocução precisa continuar porque todos nós precisamos das idéias, da coragem e da humanidade de Lula.

Mais informações sobre Lula, o filho do Brasil (em português)

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