“Diadema é uma recusa ao pensamento neoliberal”, afirma Jeanne Bisilliat
Entrevista com a autora do livro que discute políticas públicas de Diadema, Jeanne Bisilliat.
“Diadema é uma recusa ao pensamento neoliberal”
A pesquisadora Jeanne Bisilliat, autora do livro “Lá onde os rios refluem – Diadema – 20 anos de democracia e poder local”, editado pela Editora Fundação Perseu Abramo, considera que o município paulista é a “prova de que os neoliberais estavam errados”.
No livro, Jeanne registra a história recente da cidade, que conta quatro gestões do PT na Prefeitura, conseguindo diminuir a pobreza e ao mesmo tempo fortalecer a dignidade da população.
Doutora em sociologia pela Universidade Sorbonne, Jeanne considera que Diadema demonstra que o Estado do Bem-Estar pode realmente existir, trabalhar para mudar a realidade e melhorar a situação do povo.
Em entrevista para a página eletrônica da Fundação Perseu Abramo, Jeanne explica os motivos que a levaram a escrever o livro sobre Diadema, além de destacar as conquistas democráticas e cidadãs que a população do município conquistou ao longo desse processo de transformações.
1 – Por que a sra. escolheu Diadema como objeto da sua pesquisa sobre políticas públicas?
Entre 1987 e 1990, eu havia feito alguns trabalhos na Vila Remo, na Zona Sul de São Paulo, com os movimentos por moradia, e pude ver mais claramente a ligação e a importância dos movimentos populares para as políticas públicas. Isso porque acompanhei as políticas dos governos Jânio Quadros e Erundina na região, e pude confrontar as ações. Percebi inúmeras diferenças, e considerei uma das questões mais interessantes a articulação entre a participação dos movimentos e as políticas públicas nas duas gestões, particularmente na de Erundina.
Justamente nesse processo, conheci o atual prefeito de Diadema, José de Filippi Jr., que fazia assessoria técnica aos movimentos, além de ser secretário de obras da cidade. E então, ele me levou para conhecer a cidade de Diadema.
Em 1995, após 13 anos de governo petista na cidade, e com base no conhecimento que eu havia acumulado, considerei que era importante fazer um trabalho sobre as mudanças pelas quais Diadema havia passado. Um trabalho que contasse o processo de transformação vivido e permitisse a mim e a outras pessoas conhecer a realidade daquele município.
Muita gente acredita que as transformações acontecem assim, num estalar de dedos, mas estão enganados: as mudanças não acontecem de repente. Desta forma, o trabalho sobre Diadema também foi pensado com o objetivo de se estudar a relação entre as mudanças e o tempo, discutindo, por fim, o significado da idéia de transformação.
2 – Qual a primeira impressão que a sra. teve da cidade quando iniciou os trabalhos?
Deparei-me com uma cidade muito pobre, caótica. Era ainda o início das obras de asfaltamento, quase toda as vias da cidade eram de barro… Também me surpreendeu a convicção, a fé mesmo, que as pessoas tinham de que era possível transformar toda aquela realidade.
O aspecto geral da cidade era muito parecido com o que eu estava acostumada a ver na Zona Sul de São Paulo, mas esse sentimento de fé era algo completamente novo.
3 – Quais as principais mudanças que poderiam ser destacadas nos últimos 20 anos?
Diadema passou por um grande processo de transformação, de uma cidade caótica para uma cidade organizada. Com o tempo, Diadema passou a contar com espaços bonitos, praças, parques, coisas que no início não existiam.
Quanto às questões sociais, são muitos os avanços. Na área da Saúde, por exemplo, aconteceu uma mudança impressionante. A implantação de políticas públicas nessa área contribuiu com uma queda expressiva da taxa de mortalidade infantil, que chegou a ser apontada como a mais baixa do Estado.
As áreas de Educação e Habitação também mudaram bastante. Trazendo avanços no combate à violência e ao desemprego.
Além disso, a proximidade da população em relação à Prefeitura, ao poder público, ampliou-se muito. Foram criados os chamados NAPs (Núcleos de Atendimento à População) em várias regiões da cidade, uma descentralização dos serviços que foi muito útil para os moradores e simbólica dessa relação de aproximação entre Prefeitura e população.
4 – Qual o significado principal que a sra. buscou transmitir com a expressão “Lá onde os rios refluem” , no título do livro?
É uma imagem poética. Diadema conseguiu impedir que a água, que representa a pobreza, a miséria, continuasse a fluir e invadisse tudo. Diadema conseguiu fazer com que a água refluísse e não aumentasse a miséria. Pelo contrário.
5- Na sua opinião, Diadema e as políticas públicas aplicadas na cidade deveriam ser mais conhecidas?
Com certeza não são suficientemente conhecidas. É um caso único de uma cidade com quase 20 anos de governos sucessivos do PT, de quase 20 anos com administrações progressistas. No livro, faço uma análise à parte do significado da gestão de Gilson Menezes na Prefeitura frente ao PSB, entre 1997 e 2000. De todo modo, ao longo das quatro administrações petistas em Diadema, desde 1982, observamos uma coerência muito grande, com alguns eixos fundamentais ético-sociais realmente se consolidando. Na minha análise, é um caso único de coerência no mundo: de se fazer sempre o que é mais necessário, priorizando os mais pobres e melhorando sempre um pouco mais. Também é importante salientar como a participação da população foi crescendo ao longo desses anos.
Porto Alegre fez um trabalho muito forte de marketing para falar do Orçamento Participativo (OP) implantado pelo PT na cidade, que realmente merece ser conhecido. Em Diadema, por outro lado, existe um carimbo, uma espécie de “marca de fábrica” de um OP construído sempre buscando fazer todo o possível para atender às necessidades primárias dos excluídos, o que faz com que o projeto da cidade não venha à tona.
Nesse sentido, é até um pouco injusto, triste, que o caso de Diadema não seja tão conhecido. E meu livro se apresenta como um primeiro estudo mais aprofundado nesse sentido.
6 – A sra. Pode falar mais sobre essa questão da coerência, sobre o processo de melhoras permanentes e que priorizam a população mais pobre?
Como eu disse, Diadema era inicialmente só barro, uma cidade dormitório. A Prefeitura buscou então priorizar a mobilidade das pessoas, além das questões de moradia, de urbanização das favelas. Junto a isso, foram priorizadas as questões na área da Saúde.
Depois, passou-se a dar uma maior atenção para as questões da Educação, dos Esportes, Lazer e Cultura.
De certo modo, as propostas de governo do PT e de Filippi são sempre muito próximas ao longo da história, coerentes, buscando-se sempre melhorar.
7 – A sra. acredita que o livro traz também elementos de um testemunho, ao incorporar uma carga emocional aos fatos observados. Até que ponto se dá este envolvimento do pesquisador com seu objeto de estudo e de que forma isso interfere no desenvolvimento do trabalho?
Na minha opinião, a inteligência tem que ser ajudada pelo coração. A esfera intelectual é sempre acompanhada da sensitiva, não é possível separá-las.
No momento em que eu olhava toda a pesquisa que havia reunido para o livro, percebia o tamanho de tudo que foi feito: e é uma obra humana maravilhosa. E perceber isso tem uma carga emocional forte. Mas ter esse sentimento não me impede de criticar, coisa que faço em vários momentos do livro.
8 – O denominado “modo petista de governar” transformou Diadema num exemplo de democracia e cidadania? Como isso se deu?
Como sempre ocorre, o processo de participação foi iniciado pelos movimentos populares. Com o tempo, esses movimentos foram se organizando, e foram sendo criados fóruns e conselhos populares.
Havia um programa muito interessante das primeiras gestões do PT, chamado “Pé na Rua”, que foi a semente do Orçamento Participativo de Diadema. Durante 15 dias, a Prefeitura estava presente o tempo todo em um determinado bairro, participando de debates, festas, conversas da população com a equipe de governo etc. Desse diálogo surgiam indicações de obras e intervenções prioritárias da Prefeitura na região, que deveriam ser realizadas no curto prazo. Tudo isso foi uma aprendizagem intensa de cidadania.
Hoje, com o atual estágio alcançado pelo OP no município, Diadema é um exemplo de poder local, com o poder público trabalhando com o povo cada vez mais e organizando cada vez mais a participação. Definitivamente, isso não é fácil, sobretudo no sentido de não ficar na demagogia. Merece análise detalhada. Diadema, para mim, é um fantástico laboratório social, em constante transformação.
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