Ao atender demanda da entidade representantiva dos jornalistas, o governo passa a sofrer ataques por supostamente estar defendendo a restrição à liberdade de expressão.


Por Rodrigo Falcão*

Volta da censura à imprensa, autoritarismo e atentado contra a liberdade de criação e expressão. Essas são algumas das palavras utilizadas por segmentos da chamada direita brasileira para definir o que consideram “graves” atitudes do governo Lula. Essas pessoas tentam caracterizar Lula até com feições fascistas.

Como historiador, tenho o hábito de buscar a origem das coisas, sem cair na tentação de estabelecer relações primárias de causa e efeito. Pautado na minha formação jurídica, proponho uma reflexão baseada na idéia de que a lei somente é eficaz quando alcança a todos.

A democracia nasceu da ampliação do direito de uso da palavra e possibilidade de apresentação de propostas para o debate por qualquer cidadão na assembléia democrática de Atenas. O direito de falar o que se pensa é essencial à democracia e conduz ao direito do contraditório. O fascismo, como modalidade do totalitarismo, não admite o debate, pois os detentores do poder já definiram o que deve acontecer no Estado e na sociedade. É a partir dessas diferenças que devemos refletir sobre o governo do PT. Não podemos esquecer que o próprio PT nasceu e vicejou num ambiente democrático, que fez com que participasse de todas as campanhas eleitorais desde sua fundação, elegendo parlamentares e governos municipais, estaduais e federais e, agora, o Poder Executivo Federal.

Imputar propostas de censura à imprensa ou de cerceamento da liberdade de expressão ao governo Lula é inverter a lógica que preside o modelo de comunicação vigente. Vivemos sob uma concentração extrema do controle dos meios de comunicação, mediante o padrão de propriedade cruzada – altamente oligopolizado – em que o mesmo grupo empresarial é dono de vários veículos diferentes (TV, rádio, jornal, revista, editora), muitos por intermédio de concessões públicas que vigoram desde a ditadura.

Deveria o governo Lula, orientado para uma transparência democrática do setor, propor mudanças nessa situação? Certamente. É uma exigência democrática ao menos ampliar a participação da sociedade naquilo que é considerado um bem comum, a informação.

Assim, é possível compreender a razão dos ataques que a proposta de um Conselho Federal de Jornalismo e da Agência Nacional de Cinema e Vídeo (Ancinav) sofreram. O mais peculiar é que, em ambos os casos, seguindo sempre diretrizes democráticas, o governo do PT estava apresentando propostas para iniciar ampla discussão nacional sobre a temática, seja na sociedade, seja no Poder Legislativo.

Chegou-se a sustentar que os jornalistas seriam cerceados com a criação do Conselho. Ora, quando um advogado ultrapassa os limites éticos da profissão, todos cobram, com razão, que a OAB tome imediatas providências. Os limites de atuação de um advogado são tão subjetivos quanto os de um jornalista, e os órgãos de classe são instâncias com poderes distintos das reparações que os interessados possam obter no Judiciário.

A profissionalização do jornalismo no Brasil exige a organização profissional como a das demais carreiras instituídas e regulamentadas por lei no País. O governo Lula teve o discernimento de dar prosseguimento à proposta da Federação Nacional dos Jornalistas sem impor nenhuma decisão autoritária. Prefiro acreditar que grupos situados nos segmentos de centro-direita e de direita tenham se convertido à democracia desde o final do regime ditatorial que sustentaram, por meio do seu braço civil representado pela Arena (Ação Renovadora Nacional), depois PDS. Esses grupos políticos são capazes de identificar possíveis atitudes antidemocráticas pois fizeram parte do descaso com os fundamentos democráticos que norteou o regime dos generais-presidentes, quando a ética foi mandada às favas e a censura recaiu sobre a imprensa.

O PT não é o único partido a ter posições sobre as questões aqui tratadas. O que não é aceitável é atribuir ao governo Lula atitudes antidemocráticas que não cometeu. Imputações infundadas são as verdadeiras práticas fascistas, muitas vezes camufladas sob a defesa da liberdade de expressão. É o mesmo que desejar que o País caminhe para a desestabilização e o desrespeito às normas constitucionais.


* Advogado e mestre em História (Universidade de Brasília)
Publicado no Jornal de BrasíliaLeia também:
Viés autoritário de quem?, de José Genoino (clique aqui)

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