O cientista político Fábio Wanderley Reis aborda a conjuntura política do país e o papel dos partidos de oposição. Leia a entrevista:

O cientista político Fábio Wanderley Reis acredita que as alegações de adversários do PT sobre uma suposta busca de ‘hegemonia’ pelo partido “não são mais do que jogo político”. Reis cita o projeto de 20 anos de poder que o PSDB alardeava por meio do tucano Sérgio Motta. “Teríamos hegemonismo aí também?”, questiona o professor da Universidade Federal de Minas Gerais, que não é filiado ao PT e possui uma visão distanciada da política partidária no país. Reis é autor do livro “Política e Racionalidade: Problemas de Teoria e Método de uma Sociologia Crítica da Política”.

Na entrevista abaixo, concedida ao Portal do PT, Reis lembra que foi do governo Fernando Henrique Cardoso a autoria do projeto de lei da reeleição, levado ao Congresso e aprovado. Ele diz não ser contrário à idéia, mas ressalta que, caso a iniciativa tivesse partido do governo do PT, “é fácil imaginar o que se diria agora”.

Para ele, de certa forma, todo partido busca hegemonia, o que é diferente de pretender tornar-se partido único. “Alguém sustentaria que partidos democráticos devem empenhar-se em perder eleições de vez em quando?”, questiona.

O cientista político concorda que há uma tentativa, por parte dos tucanos, de se retomar o discurso do medo que foi usado por eles na campanha eleitoral de 2002 para fazer a população acreditar que o PT arruinaria a economia brasileira. “ Acho que certamente há algo disso, sobretudo diante dos bons resultados econômicos que o país vem obtendo e do esvaziamento da crítica no plano econômico com que a oposição esperava poder contar nas eleições deste ano.”

Reis acredita que algumas ações do governo Lula têm suscitado reação exagerada, e, às vezes, “profissionalmente arrogante” na imprensa. Mas ressalva que o PT precisaria livrar-se do que chamou de ‘certos sectarismos’ que estariam sobrevivendo dentro do partido. Confira a íntegra desta entrevista concedida por e-mail:

A oposição tenta emplacar a idéia de que o PT estaria se tornando autoritário e com tendências hegemônicas. Além de declarações consecutivas de tucanos, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, em artigo recente, afirmou que o PT teria aspirações de se tornar um partido único. Qual avaliação que o senhor faz destas declarações?

Creio que as alegações sobre busca de “hegemonia” não são mais do que jogo político. Afinal, todo mundo se lembra do projeto de 20 anos de poder tucano de que falava o ministro Sérgio Motta. Teríamos “hegemonismo” também aí? O PSDB estaria então querendo transformar-se em partido único? Todo partido busca hegemonia (o que é diferente de pretender tornar-se partido único), e não me parece haver nada de inerentemente antidemocrático nisso. Alguém sustentaria que partidos democráticos devem empenhar-se em perder eleições de vez em quando? Além disso, no governo Fernando Henrique, tivemos até a iniciativa da reeleição do presidente levada ao Congresso e aprovada. Eu próprio, em artigos de imprensa na época, apoiei a iniciativa com base em que aumentava as opções do eleitor e que foi conduzida de acordo com a legislação relevante. Apesar de ser uma iniciativa casuística e de, como disse alguém, não dignificar o governo FHC, pretender negar ao governo o direito de se empenhar nela seria negar-lhe o direito de fazer política. Mas é fácil imaginar o que se diria agora se ainda não tivéssemos a reeleição e fosse o governo Lula que tomasse a iniciativa de tratar de introduzi-la…

Já as acusações sobre autoritarismo do PT exigem que se destaquem alguns matizes importantes. Tem-se salientado a esse respeito o conjunto recente de propostas relativas à imprensa e sua regulação, às restrições à prestação de informações por funcionários públicos, ao uso governamental de informações atualmente protegidas por sigilo, a certa tutela sobre a produção cultural, ao cerceamento do Ministério Público… Embora vários aspectos dessas propostas me pareçam justificar-se em muito maior medida do que sugere a reação exagerada e às vezes profissionalmente arrogante que suscitaram na imprensa, é difícil negar que o caráter de “pacote” com que surgem favorece a leitura em termos de manifestação de autoritarismo, sobretudo se a gente lembra que o ideário petista original envolvia posições equívocas quanto à adesão aos princípios da democracia liberal. Não obstante o aprendizado de realismo e moderação pelo qual o partido passou e vem passando, creio que o PT precisa, sim, livrar-se de certos sectarismos que sobrevivem. Acho que é verdade (mesmo se isto pode ser visto como a contraface de certa consistência maior, dadas suas origens) que o partido é mais propenso do que outros a dar prioridade a critérios de lealdade partidária e ideológica sobre critérios de competência para o preenchimento de cargos mesmo técnicos, e é inegável, por exemplo, o caráter ideológico de testes aplicados para esse fim, em alguns casos, por órgãos de administrações petistas anteriores nos níveis estadual e municipal.

Em outro artigo recente, o cientista político Wanderley Guilherme dos Santos rebate a tese daqueles que chama de “neo-terroristas”, ao comparar o crescimento do PT ao do PSDB — este, muito mais expressivo após a eleição de FHC.

O sr. acredita que o crescimento do PT nas eleições de 2004 pode representar, de alguma forma, uma ameaça à democracia ou ao pluralismo político?

Como a resposta à pergunta anterior já sugere, acho, na verdade, irrelevante saber quanto este ou aquele partido cresceu para saber se há democracia ou ameaça à democracia. A menos que se demonstre que o crescimento decorre de práticas ilegais, não se pode pretender identificar atuação política (e eleitoral) eficiente com “antidemocratismo” — nem negar ao partido o direito de fazer política, como foi dito acima quanto à proposta da reeleição introduzida pelo governo FHC.

O amplo arco de alianças construído para a base aliada do governo federal, por si só, já não faz cair por terra qualquer indicação de tendência hegemônica?

É pelo menos um indício favorável, evidenciando o realismo político-eleitoral mencionado antes e que é até razão para críticas por corresponder a práticas que tivemos também no governo passado.

Dirigentes petistas acreditam que a oposição estaria querendo retomar o discurso do medo de que fez uso na campanha em 2002, quando tentou fazer a população acreditar que o PT arruinaria a economia brasileira. O que o sr. pensa sobre isso?

Acho que certamente há algo disso, sobretudo diante dos bons resultados econômicos que o país vem obtendo e do esvaziamento da crítica no plano econômico com que a oposição esperava poder contar nas eleições deste ano.

Se o sr. concorda que o PT é um partido democrático, poderia explicar as razões de pensar assim?

Se a questão for de democracia interna ao partido, creio que seria difícil negar que o PT se destaca de maneira positiva no quadro partidário brasileiro. Quanto ao caráter democrático ou não do partido em sua atuação político-eleitoral e administrativa, acho que minhas respostas anteriores deixam claro o que penso: embora julgue que seria bom que o partido se libertasse de vez de certos resquícios (ou setores?) sectários, o crucial é que o jogo seja jogado no quadro institucional-legal das regras democráticas (em que podemos ter, por exemplo, como acabamos de ver, uma ação do presidente da República eventualmente punida pela Justiça eleitoral). Não acredito que o PT pudesse apostar eficazmente contra o quadro institucional mesmo se tivesse realmente essa intenção — uma eventual aposta dessa natureza pelo partido estaria fadada a dar com os burros n”água e a inviabilizar o próprio governo Lula.

Na sua opinião, como se governa para todos? O PT mostrou exemplos deste estilo de governar no país?

Com a ressalva dos resquícios sectários, não me parece que haja diferenças relevantes quanto a isso entre o governo do PT e, por exemplo, o governo do PSDB que tivemos de 1995 a 2002. E dá até para tolerar alguns custos do aprendizado de anti-sectarismo se eles forem o preço para termos o que há de positivo na experiência do PT como construção institucional na área partidária e na riqueza simbólica do acesso de um Lula à Presidência, e de um empenho mais significativo, como conseqüência, no sentido de eventualmente se implantar uma social-democracia autêntica no país. Tomara que o partido não continue se dispondo a correr o risco de comprometer seu potencial com tergiversações como a que me parece ter ocorrido no episódio Waldomiro Diniz.*

Entrevista publicada no Portal do PT

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