Divergências na fundação do PT.
Avaliações diferentes das perspectivas de legalização do partido

A existência, o papel e a importância de grupos originados de organizações de esquerda dentro do Partido dos Trabalhadores passaram a ser, na última semana, um dos tópicos de discussão nos círculos políticos. O tema surgiu durante e após a reunião nacional de fundação do PT, realizada no dia 10, nas dependências do Colégio Sion, em São Paulo.

Convocada para aprovar o Manifesto de Lançamento – cuja primeira divulgação pública se havia dado a 10 de janeiro – e para eleger a Comissão Diretora Nacional Provisória, a reunião só chegou a tratar do primeiro dos dois itens; por consenso dos mil e duzentos presentes à sessão do final da tarde, adiou-se para o Encontro Nacional de 12 e 13 de abril a eleição da Comissão Nacional.

A reunião do dia 10 ressentiu-se de falhas de organização consideradas normais pelos dirigentes, num partido que ainda está nos primeiros passos de sua formação e quase não conta com quaisquer recursos materiais. Por causa disso, e por causa das dificuldades em atender a todos os pedidos de credenciamento, a sessão da manhã começou depois do horário de início previsto.

As dificuldades foram também de natureza política: nem todas as delegações de fora de São Paulo – havia 18 Estados representados – atenderam ao requisito de credenciar um representante para cada grupo de 21 militantes de núcleos, mais os líderes e dirigentes sindicais indicados pelos núcleos ou pelas regiões. O resultado é que, pressionada pelo enorme número dos que não teriam credenciamento, a direção do encontro foi obrigada a admitir todos no recinto dos debates, concedendo direito a voz aos não credenciados; a recomendação de separar fisicamente, dentro do auditório, os credenciados e os não credenciados não foi integralmente respeitada por estes últimos, o que não permitiu diferenciação entre os dois tipos de participantes, nas fases de discussão.

Nas votações das cinco comissões em que se dividiu o plenário, contudo, o critério foi respeitado, e na sessão plenária final, que tornou a congregar os participantes das comissões de trabalho, o critério foi desnecessário, uma vez que as resoluções foram adotadas por aclamação.

Principais decisões
Dirigida pelo coordenador nacional do PT, o líder sindical Jacó Bittar, a mesa foi secretariada pelo senador goiano Henrique Santillo e contou com a presença do deputado fluminense Edson Khair, de Lula, de Paulo Matos Skromov e de outros líderes populares e dirigentes sindicais.

Também sentaram-se à mesa, na parte da manhã, os seis primeiros signatários do Manifesto de Lançamento, muito aplaudido pelo plenário: Mário Pedrosa (fundador do semanário "Vanguarda Socialista" em 1945), Manuel da Conceição, líder camponês do Nordeste; Sérgio Buarque de Holanda, historiador; Lélia Abramo, atriz; Moacir Gadotti, em nome do educador Paulo Freire; e Apolônio de Carvalho, fundador do PCBR.

O final da manhã e quase toda a parte da tarde foram ocupados com discussões acirradas a respeito do Manifesto de Lançamento. Foi no processo dessas discussões que se começaram a delinear com maior nitidez as teses defendidas por militantes originários de algumas organizações políticas e as endossadas pelos principais líderes sindicais e parlamentos do PT.

Foram feitas acusações recíprocas de "obreirismo" e de "linguajar pseudo-radical", de "legalismo" e "parlamentarismo".

Não obstante, no final foi aprovado por consenso, na Comissão de Redação, e por aclamação, no plenário de mil e duzentas pessoas, um Manifesto de Lançamento que não difere muito, no essencial, da sua versão original, mas que contém mudanças de forma no sentido de acentuar a diferenciação entre as classes trabalhadoras e o conjunto da sociedade.

Essas diferenças de forma é que foram abundantemente exploradas pelos jornais das grandes empresas, na semana que passou, e que deram origem a disseminadas preocupações sobre as perspectivas de constituição do PT.

Em relação à Comissão Nacional, a decisão tomada foi a de manter-se a atual Coordenação, provisoriamente, até o encontro de 12 e 13 de abril, quando deverá ser eleita, de acordo com a Lei Orgânica dos Partidos, a Comissão Diretora Nacional Provisória, que deverá solicitar o registro provisório do partido até a realização da Convenção Nacional e eleição da Comissão definitiva. Até 12 e 13 de abril, contudo, deverão ser eleitas, por plenárias estaduais, as Comissões Diretoras Regionais Provisórias, que serão depois referendadas pela Nacional.

"O objetivo fundamental da reunião" – disse Paulo Mattos Skromov, membro da Coordenação Nacional do PT – "é a fundação do partido, sem desprezar nenhum espaço de atuação política dos trabalhadores, e, com esse espírito, nos lançarmos à luta pela legalização do PT. Para isso, estamos hoje abrindo o período preparatório para o Encontro Nacional, com a intensificação de filiação dos militantes, a discussão dos pontos programáticos e estatuários e a adoção dos passos destinados à obtenção do registro no Tribunal Superior Eleitoral".

Apreciações diversas
Entre os próprios líderes e dirigentes do PT, contudo, foram diversas as avaliações sobre a reunião de fundação do partido.

Para alguns, os chamados grupos organizados, que muitos qualificam de "radicais", obtiveram vitórias significativas, principalmente na versão final do Manifesto e no adiantamento da eleição da Comissão Nacional, interpretado pelos que assim pensam como manobra para dificultar ou impedir a legalização do PT. Para outros, o resultado final da reunião, ao contrário, evidenciou que esses grupos são minoritários, levando-se em conta, principalmente, que suas teses não obtiveram o endosso da maioria dos trabalhadores militantes do PT.

O coordenador nacional do PT, Jacó Bittar, fez uma avaliação positiva da reunião, afirmando que ela demonstrou a democracia interna do partido, mas prometeu lutar contra eventuais tentativas de hegemonia por parte dos grupos organizados que não representam a vontade dos trabalhadores. Essa, também, é a opinião de Lula, que acrescentou não estar disposto a fazer o papel de "entregar ao Sistema" esses grupos, embora também não admita a substituição da hegemonia dos trabalhadores, dentro do PT, por facções que não os representem.

Já o deputado federal Airton Soares foi mais contundente nas suas críticas, considerando que a reunião do dia dez não foi democrática e reafirmando que o PT é um partido dos trabalhadores e não uma frente de organizações de esquerda. E o economista Paulo Singer, escrevendo na "Folha de São Paulo" do dia 14, elogiou o espírito democrático da reunião do dia dez e acentuou o caráter de classe do novo partido, que, segundo ele, tem uma originalidade: "…o PT foi iniciado por líderes sindicais, ou seja, parte de figuras representativas da sociedade civil, enquanto os demais partidos em formação foram originados da área política".

`