Tenho escrito muito sobre o nosso PT, particularmente sobre seus 20 anos, e tenho falado muito de nossas vidas. Isso mesmo, de nossos sonhos, filhos e filhas, de nossas famílias, nossas profissões, nossas esperanças e conquistas. Tenho falado muito de nossos problemas, impasses e desafios, de nossos erros e derrotas. Porque o PT é um pouco de tudo que nos aconteceu nas últimas duas décadas.

 

No meu caso particular, o PT surgiu em minha vida ainda na clandestinidade, quando li, pela primeira vez, notícias sobre um operário do ABC chamado LULA, cercado de jovens sindicalistas que falavam uma linguagem sincera, simples e direta, falavam de liberdade, de rebeldia e queriam lutar, ir para a ação conquistar seus direitos, sem medo da ditadura.

Logo de cara me simpatizei com eles e com sua luta que tomei como uma continuidade da minha luta, da luta da minha geração, a geração de 68. Sem muitas informações, fiquei vacinado contra as análises de “uma certa esquerda” que já tinha preconceitos contra Lula e os sindicalistas e, simplesmente, aderi, ou, como diria o Carlito, optei, quando eles começaram a falar em criar um “partido dos trabalhadores”. Pensei comigo, “eis aí uma coisa nova”, talvez, na prática, uma resposta a todos os nossos sonhos de um partido popular, formado por trabalhadores, democrático, pluralista e de luta, um partido para mudar a política brasileira e dar um basta à ditadura. Um partido construído de baixo para cima, que ia consultar as bases, organizado por fora da legislação oficial e ligado às lutas populares e sindicais. Parecia um sonho, mas era realidade.

Muito tempo passou até a anistia, minha volta para São Paulo e meu primeiro contato com o PT, seus núcleos, reuniões, com o Lula e o Encontro do Sion, quando o PT foi fundado. Assinei a ata de fundação com o sentimento de que acabava de readquirir meus direitos políticos e minha nacionalidade que a ditadura roubara. O PT entrou em minha vida para não sair.

Convidado para ser membro do Diretório Nacional, não aceitei, precisava estudar, terminar o curso de Direito, criar meu filho que ficara no Paraná, trabalhar e organizar minha vida a partir do zero. Fui para o núcleo da ABI, que se reunia na rua Augusta, conhecido como “núcleo das estrelas”, pela quantidade de personalidades, e depois para o do diretório zonal do Jardim América, onde fiz um pouco de tudo, tesoureiro, organizador. Fui trabalhar na liderança do PT na Assembléia Legislativa de São Paulo, onde me submeti a uma seleção interna para ser auxiliar administrativo, fui datilografar e organizar arquivos, ganhar a vida, recomeçar. Ganhava três salários mínimos. Acho que fiz certo. Comecei de baixo, no espírito do PT. Não me arrependo.

Em 81, fui eleito para o Diretório Regional de São Paulo e fui Secretário de Formação Política por dois anos. Fizemos cartilhas, seminários, palestras e cursos, cine clube, organizamos os primeiros grupos de trabalho de políticas públicas e demos início, no PT, à discussão – na época herética – de “programa de governo”. Preocupado com a falta de organização e estrutura do PT, ainda que avaliássemos ser natural o início espontaneísta e anárquico do Partido, começamos a cuidar da primeira sede do PT em São Paulo, na rua Santo Amaro, em uma garagem, além da sede nacional, que ficava ainda junto ao escritório do Airton Soares, também na Bela Vista.

Durante os anos da clandestinidade ficávamos sempre em contato com os companheiros e companheiras da luta armada e das organizações de esquerda. Na volta à legalidade, retomamos os contatos e a discussão sobre nossos erros e derrotas e sobre o que fazer. Continuar com nossas organizações? Dissolvê-las? Fundi-las? Eu, desde o primeiro momento, percebi que o PT era uma oportunidade única de termos realmente um partido de trabalhadores, democrático e socialista, de luta social e para ser governo, um partido organizado, com militantes e discussão política, um partido com força real na sociedade. Defendi que nós, da esquerda, devíamos nos unir aos sindicalistas e às bases populares da Igreja e formar, dentro do PT, uma articulação para dar organização e direção ao Partido. Fundamos a Articulação dos 113, que se propôs a transformar o PT em um partido e se contrapôs às organizações de esquerda que, durante anos, viram o PT como uma frente ou se viam como partidos de vanguarda, os verdadeiros partidos marxistas-leninistas do Brasil, os dirigentes da revolução.

Começamos a organizar o PT em São Paulo e a disputar sua orientação em nível nacional, primeiro para legalizá-lo – muitos não concordavam – mas, para legalizá-lo sem se adaptar à lei partidária da ditadura, para participar das eleições, mas sem deixar a luta social, para ter uma plataforma de luta contra a ditadura, mas sem deixar de lado nosso programa. Da luta contra a Lei de Segurança Nacional, da legalização do PT, fomos para as eleições de 82, quando aprendemos o que era uma disputa eleitoral. E nunca mais esquecemos o papel da TV e do rádio, que usamos muito mal. Em 85, já dávamos lições e revolucionávamos a comunicação.

De lá para cá percorremos um longo caminho e estamos nos constituindo numa alternativa de poder no Brasil. Hoje, governamos estados e municípios, temos uma presença marcante no parlamento, uma ampla base social e eleitoral e principalmente uma militância espalhada por todo Brasil.

Constituímos uma frente de esquerda e um Fórum Nacional de Luta que congrega 80 entidades nacionais e participamos da vida política do país com propostas de governos e, mais do que isto, representamos ideais e valores socialistas.

A realidade de nosso país e do povo brasileiro, porém, exige mais do PT e da esquerda. Há 10 anos sofremos uma derrota eleitoral e iniciou-se um amplo processo de hegemonia conservadora, sob a direção, primeiro de Collor e depois de FHC.

Com apoio internacional, base social e econômica interna, os partidos de direita, numa aliança majoritária no parlamento e nas urnas, conduziram o país para um beco sem saída, submetendo-nos à globalização sem soberania e a uma democracia com exclusão social. As mínimas conquistas sociais estão correndo risco. A economia nacional está sendo desestruturada e desnacionalizada sob uma avalanche de privatizações e uma nunca vista concentração de renda e de poder.

O grande desafio do PT é derrotar essa hegemonia e construir uma alternativa de poder para romper com a dependência externa e eliminar a exclusão social, aprofundando a democratização do poder, da riqueza e da renda no Brasil.

Esta é uma hora de desafios, que devemos assumir com a mesma garra e audácia que tivemos em tantos momentos históricos durante estes vinte anos do PT. Isto só será possível se mobilizarmos a sociedade brasileira e apresentarmos ao nosso povo uma alternativa de vida nova, numa sociedade fundada em novos valores, numa sociedade justa e solidária.


* José Dirceu de Oliveira e Silva
, no momento da fundação era um ex-preso político e exilado, de volta ao Brasil graças à Lei da Anistia. Hoje é Deputado Federal pelo PT/SP (2º mandato) e Presidente Nacional do Partido dos Trabalhadores.

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