Trajetória da Luta pela Libertação de Flávia Schilling
Por Flávia Schilling
A história da luta pela libertação de Flávia Schilling começou junto com a implantação dos Comitês de Anistia no Brasil.
O 1º Congresso pela Anistia, realizado em novembro de 1979, em São Paulo, incluiu entre as suas campanhas a libertação de Flávia Schilling.
Por Flávia Schilling
A história da luta pela libertação de Flávia Schilling começou junto com a implantação dos Comitês de Anistia no Brasil.
O 1º Congresso pela Anistia, realizado em novembro de 1979, em São Paulo, incluiu entre as suas campanhas a libertação de Flávia Schilling.
A partir desse Congresso, no Rio Grande do Sul, terra de Flávia, o Movimento Feminino pela Anistia e o Comitê Brasileiro pela Anistia do Rio Grande do Sul lançaram cartazes pedindo a libertação de Flávia e, nacionalmente, a campanha pela coleta de fundos para sua libertação.
Aos poucos, no Brasil, nas capitais e no interior, os brasileiros vão conhecendo Flávia; quem é, onde está, e um pouco da história do seu sofrimento. Os Movimentos de Anistia, em praça pública, vão contando a história de Flávia e recolhem a participação do povo para sua libertação. Chega a aproximadamente Cr$500.000,00 (quinhentos mil cruzeiros) a arrecadação que se faz, do Pará ao Rio Grande do Sul no litoral e no interior do Brasil, para ajudar na campanha de Flávia.
Essa arrecadação, utilizada para sua volta, foi entregue a seus familiares para auxiliar nas custas e honorários profissionais de seu processo – e ainda uma parte foi reservada para sua passagem de volta ao Brasil.
A partir de então, a campanha de Flávia se misturou com a luta pela Anistia, que cresceu em todo o País.
……….
A libertação de Flávia, brasileira presa no Uruguai, passa a ser uma defesa assumida em todos os momentos pelos movimentos de Anistia. A campanha pela arrecadação de fundos havia iniciado esse processo e a campanha política passa a ser uma proposta do II Congresso Nacional pela Anistia – de Salvador, realizado em novembro de 1979.
Essa campanha sempre esteve voltada para o objetivo de trazer Flávia de volta e para que em nada seu retorno estivesse prejudicado. Afinal, no Brasil não se vive um regime de liberdades democráticas e, para os movimentos de anistia, a essência do regime ditatorial não mudou. Mudaram as formas, mas todo o aparelho repressivo continua intacto, a Lei de Segurança Nacional continua vigente. Por isso, sempre quisemos que a volta de Flávia – saída dos porões da ditadura para viver em liberdade no Brasil – se desse o mais rapidamente possível.
Já de há muito, jornais da imprensa alternativa vinham publicando gratuitamente, o selo do CBA sobre Flávia:
" Ela é brasileira.
Está presa nos cárceres uruguaios desde 1972.
O governo e cada um de nós é responsável.
Liberdade para Flávia"
O Movimento Matogrossense pela Anistia lança o cartão de Natal sobre Flávia, distribuído no Mato Grosso do Sul e em outros estados.
A partir de janeiro/80, sobretudo após a volta dos familiares de Flávia ao Brasil, em reunião da Comissão Executiva Nacional dos Movimentos de Anistia, realizada em Recife, se retoma com todo o vigor a campanha por Flávia.
O abaixo-assinado, coletado entre entidades e personalidades para ser entregue ao Presidente da República Oriental do Uruguai, é distribuído em todo o Brasil com o texto:
"Nós, abaixo-assinados, personalidades brasileiras e representantes de entidades comprometidas com a defesa e preservação dos DIREITOS HUMANOS, manifestamos nossa preocupação com a permanência da BRASILEIRA FLÁVIA SCHILLING em cárceres uruguaios desde 1972. De há muito a Sociedade Brasileira, perplexa, aguarda sua libertação e reitera seu permanente anseio pela liberdade IMEDIATA PARA FLÁVIA SCHILLING. ANISTIA AMPLA, GERAL E IRRESTRITA !"
Todas as entidades de Anistia, reunidas em Belo Horizonte nos primeiros dias de março, assumem a decisão de aprofundar a campanha pela libertação de Flávia. Os CBAs do Rio Grande do Sul, São Paulo, Sorocaba, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Bahia, Ceará e Recife, as Sociedades de Defesa dos Direitos Humanos de Alagoas e Pará, o Movimento Matogrossense pela Anistia e D.H, e o MFA Rio de Janeiro, entidades que integram a Comissão Executiva Nacional dos Movimentos de Anistia, decidem entregar ao embaixador do Uruguai no Brasil, o abaixo-assinado coletado. Marcam para dia 27 de março essa manifestação em Brasília.
O CBA do Rio Grande do Sul reimprime o cartaz pela libertação de Flávia. O CBA do Rio de Janeiro vai ao consulado do Uruguai e entrega o abaixo-assinado coletado no Rio de Janeiro e promove um grande show para Flávia.
Em São Paulo, o CBA manda imprimir camisetas com a imagem de Flávia e os dizeres:
"Flávia, teu lugar é aqui"
e confecciona 100 mil selinhos adesivos "Liberdade para Flávia Schilling" amplamente distribuídos em toda a cidade de São Paulo, na periferia e no Centro, nos carros, nos muros, nos "orelhões" e nas caixas de correspondência, nas vitrines das lojas e nos postes, nas pastas e fichários escolares. Não há quem não reconheça, à distância, o selo azul e branco, pedindo liberdade para Flávia.
Junto com o selo, o CBA-SP imprimiu e distribuiu um pequeno texto sobre Flávia e, por solicitação da Coordenação do 2º Congresso da Mulher Paulista, realizado no dia 8 de março em São Paulo, enviou um texto de saudações ao Congresso pela decisão de homenagearem, em especial, Flávia Schilling. Nesta mensagem, o CBA-SP contava a história de Flávia e lembrava:
"na trajetória da conquista da Anistia no Brasil, conhecemos de perto a história de inúmeras brasileiras que tombaram ao longo da luta de libertação de nosso País…
Inúmeras as histórias de mulheres exiladas e presas no Brasil – todas trazendo no corpo e no coração a marca destes tempos de violência.
… Flávia lutou em terras estrangeiras a mesma luta que suas irmãs lutaram no Brasil.
O CBA-SP considera, hoje a libertação de Flávia uma proposta que deve reunir os esforços dos movimentos que hoje, no Brasil, exigem liberdade e justiça".
O 2º Congresso da Mulher Paulista – e suas 3.500 congressistas – conheceram um pouco da história de Flávia e, ao final, propuseram uma carta à Flávia, que foi levada ao Consulado do Uruguai em São Paulo, no mesmo dia em que o CBA entregou ao cônsul xerox dos abaixo-assinados dirigidos ao Presidente da República do Uruguai, onde inúmeras entidades e personalidades da cidade e do Estado de São Paulo demonstraram sua adesão. Essa comitiva esteve integrada por representantes do Instituto de Arquitetos do Brasil, Associação Brasileira de Imprensa, Sindicato dos Jornalistas, Sindicato dos Artistas e Sindicato dos Psicólogos; por representantes da União Nacional dos Estudantes e União Estadual dos Estudantes de São Paulo; pela Associação de Professores da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; por parlamentares; representantes da Coordenação do 2º Congresso da Mulher Paulista e do CBA de Sorocaba, representando os CBAs do interior do Estado de São Paulo.
O CBA-SP, a quem coube a iniciativa da manifestação, dirigiu a comitiva e a caminhada, que, percorrendo as ruas do centro de São Paulo, distribuiu os adesivos e os textos sobre Flávia.
Painéis com trechos das cartas de Flávia e faixas pedindo a sua libertação permaneceram à frente do Consulado durante a manifestação.
O CBA-SP considera que a grande comemoração de sua volta será no grande show programado para o dia 26 de abril, data do aniversário de Flávia – "Uma canção para Flávia"- com a participação de cantores, artistas de teatro e televisão, quando será lançado o 2º livro de cartas de Flávia a seus familiares e um disco com canções uruguaias.
Consideramos que a participação dos Movimentos de Anistia na denúncia da situação de Flávia foi decisiva para o regime brasileiro, ao cabo de 7 anos, pela primeira vez, vir a se interessar por uma cidadã brasileira, presa e condenada em terras uruguaias, por leis uruguaias.
Consideramos que a volta de Flávia inicia para os Movimentos de Anistia a execução da proposta, já do Congresso de Salvador (nov/79) de solidariedade aos povos do Cone Sul – e a exigência do respeito à soberania nacional e esclarecimento do seqüestro de uruguaios no Brasil
Que o regime brasileiro assuma com dignidade a defesa do seu território e proteste veementemente contra sua violação.
E nós, comprometidos com a luta e a defesa dos direitos humanos no País, abriremos todos os espaços para que a luta pela Anistia, apenas parcialmente conquistada, assuma com firmeza a exigência de libertação do último preso político no Ceará, a volta dos exilados que ainda estão fora do País, a intransigente defesa dos movimentos populares, o esclarecimento dos casos de mortes e "desaparecimentos" de presos políticos brasileiros, o fim da Lei de Segurança Nacional e o desmantelamento do aparelho repressivo.
Queremos que o Brasil, que exportou para países vizinhos seus métodos de tortura e repressão, recupere sua dignidade na defesa do seu território, no esclarecimento dos casos de brasileiros seqüestrados e "desaparecidos" nos países do Cone Sul e no esclarecimento de estrangeiros aqui seqüestrados. Que o Brasil abra suas fronteiras para a defesa dos Direitos Humanos, pois o povo brasileiro e seus filhos, acolhidos no estrangeiro durante 16 anos, como exilados, têm o mesmo sentimento de fraternidade para com os exilados no Brasil, sobretudo os do Cone Sul.
Flávia Schilling traz no seu corpo a marca da ditadura uruguaia. Volta ao Brasil para viver em liberdade.
Tomamos esta vitória como incentivo para a continuidade da nossa luta para fazer deste País uma nação onde se respeitem os direitos humanos, de onde a tortura e a violência policial sejam banidas, onde a justiça esteja ao lado da liberdade, e em que a distância entre o rico e o pobre seja combatida, para que o povo brasileiro seja respeitado como cidadão e como homem, encontrando melhores condições de vida e de trabalho e a liberdade para se exprimir e se organizar.
Uma Nação que engrandeça a luta de libertação dos povos latino-americanos, no respeito à luta de libertação de seu próprio povo. PELA ANISTIA AMPLA, GERAL E IRRESTRITA !
COMISSÃO EXECUTIVA NACIONAL DOS MOVIMENTOS DE ANISTIA
*Texto extraído de um documento divulgado pelo CBA/SP em abril de 1980.