Thereza Brandão
Meu engajamento, e de minha família, na luta política contra a ditadura militar, começou nos idos de 64. Em abril desse ano, por oferecer refúgio a duas amigas do Rio, procuradas pela repressão, tivemos nossa casa "visitada" pelos agentes do Cenimar. A casa foi vigiada por 24 horas pelos referidos agentes e pelo DOPS. Qualquer pessoa que chegasse era obrigada a se identificar. Nesse momento, eu e minha família tomamos consciência dos métodos utilizados pela ditadura militar e, ao mesmo tempo, da necessidade que tínhamos de participar ativamente da luta contra o regime então estabelecido no país. Começou então um compromisso da minha família com os perseguidos. Evidentemente, essa solidariedade se estendeu por todo o período que viria em seguida.
O ano de 69 e seguintes foram muito mais difíceis; era um trabalho constante de procurar abrigo para perseguidos políticos. A minha casa se abriu para esconder perseguidos pelo regime e para acolher familiares de presos políticos, que vinham a São Paulo para visitá-los no presídio Tiradentes.
No final de 75 comecei a trabalhar como voluntária na Comissão de Justiça e Paz (CJP). Já em 76 passei a fazer parte da referida comissão, bem como da Comissão Arquidiocesana de Pastoral de Direitos Humanos e Marginalizados (CADH). Esse era um grupo ecumênico formado por padres e freiras, e leigos que tinham trabalho na periferia. Éramos procurados por muitos familiares ou foragidos que buscavam apoio. A partir de 1977 essa solidariedade se estendeu aos latino-americanos do Cone Sul. Dentro desse contexto, quando começou formalmente a luta pela Anistia, fomos solicitados a participar. Eu e mais um companheiro fomos indicados pelo CADH para integrar o CBA; na verdade, representávamos a Igreja. Nem sempre o trabalho foi fácil. Havia desconfiança e preconceitos. O nosso papel foi, então, de aparar as arestas no envolvimento da Igreja.
Um momento importante foi o da realização do I Congresso Nacional pela Anistia , organizado pelo CBA/SP. Alguns setores "preocupavam-se" com uma possível perda de controle da situação. Graças à participação muito clara da CNBB, as dúvidas se dissiparam.
Também durante a campanha da Anistia houve um fato que ilustra bem a situação reinante na época. Por ocasião de uma greve de fome dos presos políticos, as várias entidades que participavam da luta propuseram a realização de uma vigília. O local escolhido foi a Igreja de São Domingos, nas Perdizes. No início, tudo estava transcorrendo razoavelmente. Entretanto, a partir das 22 horas, quando os frades se recolheram, a Igreja foi tomada pelos agentes da repressão. Houve, em conseqüência, muita tensão no restante da noite. Ainda assim a vigília continuou e foi muito bonita: manifestações artísticas, cantos, depoimentos pessoais etc. criaram um clima de muita emoção e participação.
Quando da greve dos metalúrgicos do ABC e da prisão do Lula e demais companheiros, tivemos uma atuação maior no CBA. Assim que o Lula foi preso, o Frei Beto telefonou para minha casa pedindo que, em nome da Marisa (esposa do Lula), levássemos para o DOPS alimentação para os presos, o que foi feito de imediato. Mas como previmos que a situação ia perdurar, precisávamos de um esquema mais permanente para sustentar essa ajuda aos presos. Graças ao fato do nosso grupo ser ligado à Igreja, conseguimos que um colégio religioso fornecesse as refeições. Assim, já no dia seguinte, e durante todo o tempo da prisão dos companheiros, na hora do almoço e do jantar, formando duplas com companheiras do CBA, íamos levar comida para os presos.
Durante os três anos da campanha do CBA, com maior ou menor intensidade, participamos de suas atividades. A campanha da Anistia foi fundamental na luta pela conquista das liberdades políticas, embora em 1979, quando foi promulgada a lei do Governo, sentíssemos, por parte dos militantes, um certo desapontamento, dadas as limitações dessa lei, que deixou impunes os que mataram e torturaram tantos brasileiros.
* Thereza Brandão, professora; trabalhou como voluntária na Comissão de Justiça e Paz e participou das atividades do CBA como representante da Comissão Arquidiocesana da Pastoral dos Direitos Humanos.