A luta pela anistia foi algo que surgiu cedo na minha atividade política. Isto porque ainda muito jovem, e militante comunista desde os bancos universitários, assisti em 1964 à quebra violenta das liberdades e direitos democráticos junto com a truculência da ditadura militar (prisões, espancamentos, torturas, cassações etc) contra as principais lideranças do meu Estado e do país, assim como contra companheiros de luta e pessoas afetivamente muito ligadas a mim. Um marco desta luta foi o Encontro Nacional que o MDB realizou em 1972. Naquela oportunidade, eu atuava nas fileiras do MDB pernambucano. Nesse histórico encontro, apesar da reação de algumas das principais lideranças nacionais do MDB, foi lançada a Carta do Recife na qual se incluiu a bandeira da anistia. Ressalte-se que essa proposta (havia também as bandeiras de luta pela Constituinte e por eleições diretas) foi a mais criticada por certas lideranças e setores oposicionistas, alegando tratar-se de influência de militantes do PCB nas fileiras do MDB pernambucano. De fato, no seu clandestino VI Congresso, o PCB havia definido a necessidade da criação de uma ampla frente democrática cujo objetivo era lutar pelas liberdades democráticas, por anistia, constituinte e eleições em todos os níveis. Como candidato a prefeito de Olinda, naquele ano, aproveitava as visitas a eleitores, atos públicos e comícios para levantar essas bandeiras. Em 1974, eleito deputado estadual e depois líder da oposição na Assembléia Legislativa, dei seqüência às minhas pregações. E, em 1978, como deputado federal, fui membro da Comissão Mista do Congresso Nacional que examinou e deu parecer no projeto de anistia encaminhado pelo governo militar.

A campanha representou muito para mim e pessoas do meu convívio. De um lado, pela minha ativa participação na comissão criada no Congresso Nacional, que me permitiu articular-me com lutadores pela anistia de todo o país. De outro, por ela ter envolvido minha esposa, Letícia, que foi uma ativa militante do Movimento Feminino pela Anistia-PE. Seu pai e irmão (exilados no Chile e Canadá), além de punidos pela ditadura, eram vítimas de perseguição política.

No processo da luta pela anistia, são imorredouras as imagens quando das visitas que fizemos, em 1979, aos presos políticos nos presídios em que foram jogados pelo Estado policial. A capacidade de luta deles era fantástica, realizando greves de fome para lançar denúncias e manifestos. Recordo uma visita ao presidio na ilha de Itamaracá, quando se travou um debate sobre a amplitude da anistia. Muitos deles defendiam que se deveria votar contra o projeto, se ele não fosse amplo e irrestrito. Eu sempre advoguei que deveríamos votar a favor, por mais restrita que fosse a anistia conseguida graças à luta e pressão da sociedade. É que esse primeiro passo beneficiaria milhares de pessoas e criaria condições para outros passos maiores e mais rápidos. E foi o que ocorreu. A anistia aprovada pelo Congresso e sancionada a 28 de agosto de 1979 não teve a amplitude pela qual lutamos. Porém, de imediato milhares voltaram ao país ou à atividade política; em seguida, os presos restantes foram soltos por redução de pena. Somente com a Constituinte, em 1988, alcançamos a plenitude do nosso objetivo. Após a conquista da anistia, o momento mais marcante para mim foi receber, no aeroporto de São Paulo, a primeira leva de dirigentes comunistas vinda do exílio, como Gregório Bezerra (ex-deputado federal constituinte e líder camponês), Lindolpho Silva (fundador da CONTAG), Hércules Corrêa dos Reis (ex-deputado estadual e líder têxtil no Rio) e Luis Tenório de Lima (líder dos panificadores em São Paulo), todos dirigentes do CGT (Comando Geral dos Trabalhadores). E, no plano afetivo, o retorno do meu sogro, o engenheiro Antonio Baltar, ao Recife, e de vários companheiros e amigos ao nosso convívio.

Com o retorno à cena política aberta de milhares de lideranças políticas e sociais que haviam dela se afastado por cassação de mandatos, exílio, prisão, clandestinidade, o processo que se vinha desenvolvendo no país para isolar e derrotar a ditadura ganhou nova dinâmica, proporcionando maior liberdade de imprensa, o surgimento de novos partidos, maior espaço para ação de trabalhadores e estudantes, e para mobilização de grandes contingentes populares, de que foram exemplo as campanhas pelas eleições diretas em todos os níveis e pela Constituinte. A anistia foi um passo decisivo na conquista da democracia e por melhores condições para a luta por direitos e novos avanços sociais.

 

*Roberto Freire é senador pelo PPS; participou como parlamentar de toda campanha pela Anistia.

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