Participei da campanha pela Anistia, comparecendo a todos os movimentos organizados para essa conquista.

Essa campanha representou um grande esforço e demonstração de coragem, já que tínhamos que enfrentar inimigos muito bem municiados. Foi significativa a participação da classe artística e em especial a classe teatral que, através de seus espetáculos, mesmo os que foram proibidos e que foram apresentados da mesma forma, caracterizando uma desobediência civil, procurava desmoralizar aquele regime imposto pela ditadura militar, enfrentando organizações para-militares e militares, sofrendo todo o tipo de arbitrariedades, agressões, mortes, torturas, perseguições etc.

Pela parte que me toca: Fui preso na rua, no dia do meu aniversário de casamento (31/1/69), por três tenentes do exército, sendo que, um deles, reconheci como participante das nossas assembléias. Este, depois de me dar voz de prisão, me levou, dentro de um jipão com mais 10 soldados fortemente armados, para o quartel do REC-MEC no Ibirapuera. Chegando lá, fui entregue a a dois majores: um muito boçal que disse ter-me visto no teatro "fazendo papel de gorila". Isso tinha sido na peça de Plínio Marcos, "Verde que te quero verde", em que eu fazia um gorila com uniforme do exército e censurava tudo quanto era texto, rasgando e riscando, isto sem falar em muitos outros detalhes incluídos com intuito de desmoralizar os censores da época. Esse major me martirizou muito, mentalmente, tentando me atemorizar.

O outro major, de nome Beltrão, me tratou delicadamente, se dizendo meu admirador desde o tempo em que eu trabalhava no Rio, e fazia questão de me tratar por SENHOR e acrescentava sempre: "o senhor vê que eu o trato com educação". Eu soube, depois, que esse major matava os nosso companheiros, dando-lhes um tiro na nuca. Naturalmente, antes de atirar ele devia pedir "licença" ao sacrificado. Ele me perguntou, entre tantas coisas, o que eu achava do CCC. Me fazendo de ingênuo, eu disse que "se tratava de um grupo de estrangeiros com o intuito de lançar brasileiros contra brasileiros". Ao que ele observou, espantado: "Não, senhor Roberto! Eles são daqui do nosso quartel mesmo!". Aquele major boçal chegou a me dizer: "O exército brasileiro, senhor Renato Consorte, está com o senhor por aqui". E fez aquele gesto tocando na testa.

Pensei comigo: "quanta honra". E basta, porque o meu sistema nervoso se descontrolou.

 

*Renato Consorte, ator de teatro, cinema e televisão, participante do movimento pela Anistia.

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