Por Reinaldo Gonçalves.

Depois da publicação do livro Brasil Privatizado de Aloysio Biondi, que venceu cerca de 200 mil exemplares, a Editora Fundação Perseu Abramo nos presenteia com mais uma pequena obra-prima. O livro de Jorge Mattoso é um retrato tamanho 3×4 da evolução da economia brasileira nos anos 90, com foco na questão do desemprego a partir de 1995. A análise é objetiva, concisa e extremamente didática, ao mesmo tempo em que apresenta, de forma abrangente, as diversas dimensões, causas e conseqüências do problema.

Nunca houve no Brasil um desemprego tão alto quanto o que tem sido observado neste final de século. O crescimento extraordinário do desemprego, tanto em termos relativos como em termos absolutos, tem sido acompanhados pela crescente deterioração das condições de trabalho. A taxa de desemprego aberto tem subido continuamente de 4,6% em 1995 para 7,8 em 1999. A taxa de desemprego oculto também apresenta um aumento dramático. Em São Paulo, por exemplo, a taxa de desemprego total (aberto mais oculto) aumentou de 13,2% em 1995 para 19,5% em 1999. Este aumento do desemprego é generalizado, tanto em termos de grupos sociais, como em termos setoriais. Para ilustrar, a maior taxa de crescimento do número de desempregados é a do grupo social com maior escolaridade – trata-se aqui, de engenheiros, advogados e economistas desempregados. A redução do número de postos de trabalho ocorreu todos os anos a partir de 1995 e atingiu todos os setores, inclusive aqueles com maior intensidade no uso de trabalho (construção civil e comércio).

O autor mostra claramente que também tem havido uma piora significativa das condições de trabalho. Os dados são conclusivos a respeito do aumento do trabalho temporário, por tempo determinado, e sem renda fixa. A precarização do trabalho reflete o fato de que dois em cada cinco brasileiros encontram ocupação em atividades informais. Verifica-se que nas grandes cidades três em cada cindo brasileiros estão desempregados ou na informalidade. Estima-se, então, que cerca de 24 milhões de pessoas estariam fora do mercado formal de trabalho, enquanto mais de 10 milhões estariam desempregadas. A piora da situação do emprego tem implicado em uma deterioração das condições de trabalho. É evidente o debilitamento dos sindicatos. Conforme assinalou o autor “a ação sindical foi restringida pela profunda transformação regressiva da estrutura produtiva, pelo crescimento econômico medíocre, pela redução dos espaços de negociação setoriais e nacionais, pelo aumento do desemprego, pela redução de empregos formais e pela elevação da precarização das condições e relações de trabalho”.

A piora do desemprego e das condições de trabalho no Brasil a partir de 1995 é determinada, em grande medida, pelo modelo econômico adotado. Em particular, o autor especifica a inserção internacional passiva e subordinada, marcada, principalmente, pela abertura comercial e financeira indiscriminada, pela sobrevalorização cambial, e pelos juros elevados. O resultado é que o país tem experimentado um processo de adaptação regressiva do sistema produtivo. O fator mais evidente deste processo é que tem havido uma queda da taxa de investimento bruto da economia brasileira a partir de 1995. A lógica microeconômica de reação das empresas tem sido “acelerar a terceirização, abandonar linhas de produtos, fechar unidades, racionalizar a produção, importar máquinas e equipamentos, buscar parcerias, fusões ou transferência de controle acionário e reduzir custos, sobretudo da mão-de-obra”.

O livro trata ainda da relação entre inovação tecnológica e emprego, e salário mínimo e distribuição de renda. No que refere ao progresso técnico, o autor desmistifica o argumento freqüentemente usado de “desemprego tecnológico”. O ponto central é que a inovação só provoca desemprego quando não é acompanhada de um processo virtuoso de novos investimentos que geram um círculo virtuoso de acumulação. Assim, modelos ou políticas que têm um viés contracionista tendem inibir o potencial de crescimento da inovação tecnológica.

Com relação ao salário mínimo, o autor mostra que 21% dos trabalhadores ocupados recebem até um salário mínimo e 18,7% recebem entre um e dois salários mínimos.

O aumento do salário mínimo é defendido, ao mesmo tempo em que são descartados os pretextos usados mais freqüentemente por aqueles que defendem a manutenção do salário mínimo em níveis absurdamente baixos. Dentre os pretextos, o autor menciona o impacto do aumento do salário mínimo sobre os gastos da Previdência, inflação, eficiência, situação das regiões mais atrasadas e desemprego. Os argumentos de Mattoso têm sido usados no debate atual sobre o aumento do salário mínimo, até mesmo por representantes da plutocracia brasileira, preocupados com a trajetória de instabilidade e crise do país, e que procuram ampliar as políticas sociais compensatórias (e.g., combate à pobreza) e pressionar por aumento do salário mínimo.

O autor vai, entretanto, muito além disso. Mattoso concluiu com um conjunto de diretrizes para um modelo alternativo. Estas diretrizes são a retomada do crescimento associada à geração de emprego, à distribuição de riqueza e renda, e à redução das desigualdades existentes no país. Trata-se de operar estas diretrizes em três eixos centrais: controle de capitais, pausa na abertura comercial e renegociação das dívidas interna e externa. A recuperação do gasto público é vista como um dos elementos básicos do modelo alternativo delineado pelo autor, com base em uma efetiva reforma tributária marcada pela progressividade fiscal e pela distribuição de riqueza e renda.

As qualidades do livro são inúmeras. Ele trata de um tema central da atualidade. Há um balanço perfeito entre análise e evidência empírica. O estilo tem como atributos a objetividade e a concisão. Os boxes usados pelo autor são muito úteis e tratam de todas as questões importantes relacionadas ao tema principal. Ainda como vantagem do livro deve-se ressaltar o enfoque abrangente dado pelo autor, que relaciona o problema do desemprego com o modelo econômico adotado no Brasil, principalmente, a partir de 1995. Por estas qualidades, recomenda-se este livro como leitura obrigatória para todos aqueles interessados não somente no tema emprego (melhor dizendo, do desemprego), como também para aqueles interessados em um melhor entendimento da economia brasileira. Este livro pode ser recomendado, inclusive, como texto de apoio em cursos de Economia Brasileira ou Economia do Trabalho nas faculdades de economia, ou nos cursos básicos de economia de outras faculdades (Ciências Sociais, Engenharia, Direito, etc).


* Reinaldo Gonçalves é professor titular de Economia do IE/UFRJ.

Resenha publicada no Jornal dos Economistas do Rio de Janeiro (nº 130) de fevereiro de 2000