Por Paulo José Cunha.

O impacto da não-notícia

Uma notícia pode ser analisada em relação à sua veracidade; depois, acerca do ângulo sob o qual o fato que a gerou foi abordado; também sobre a idoneidade do repórter que o apurou e do veículo que o divulgou; pode-se ainda avaliar sobre como foi tratada a notícia do ponto de vista da edição (se ocupou mais ou menos espaço ou tempo). Podem ser examinadas suas implicações e desdobramentos e sua inter-relação com a conjuntura. Pode-se considerá-la relevante ou irrelevante, importante ou desimportante a partir de avaliações subjetivas. Pode-se, inclusive, especular sobre as razões de quem divulgou o fato (pois existem notícias que não servem ao interesse público, e sim ao interesse direto do veículo ou de quem o financia). Ainda outro dia, um jornal maranhense ligado ao grupo de mídia comandado pelo senador José Sarney divulgou uma catástrofe falando mais das providências adotadas pela Governadora Roseana Sarney do que do fato em si. O nome de Roseana estava presente em quase todos os parágrafos, denunciando nítido interesse em promover a candidata. A notícia saiu perdendo e Roseana, ganhando. No famoso debate Lula x Collor denunciou-se a manipulação da edição do JN para favorecer ainda mais a candidatura de Collor. A notícia saiu perdendo etc.

Até aqui estamos no terreno da notícia, inclusive da notícia distorcida ou apresentada de modo a favorecer este ou aquele ponto-de-vista. Mas sempre da notícia objetiva, visível, palpável, tangível. Mas, e o que dizer da não-notícia, da discreta omissão ou da sonegação proposital da informação, visando com isso a formação de uma opinião favorável ou contrária a uma causa, uma candidatura, uma instituição? É possível analisar uma não-notícia?

No excelente Mídia: teoria e política (Ed. Fundação Perseu Abramo, 365 págs, R$30,00) o professor e pesquisador Venício A. de Lima, com ajuda de Liziane Guazima, pesquisou 26 edições do Jornal Nacional nos meses de março a agosto de 1998, período imediatamente anterior à disputa de Fernando Henrique Cardoso pela reeleição. A pesquisa, complexa e exaustiva, comprova de modo irrefutável a suspeita que a originou, segundo a qual a Rede Globo teria tido participação direta, sobretudo por omissão, na formação de uma opinião favorável a FHC. Assim, passaram quase batidas no JN as denúncias de Itamar e Andrade Vieira; a presença da seca nordestina no noticiário; os saques dos flagelados mostrados como “ação política” etc. Mas, aponta Venício, o dado mais gritante do exame comparado do JN com outros telejornais e com os cinco jornais da chamada grande imprensa foi o enfoque abertamente favorável ao governo que pleiteava a reeleição em relação ao tema mais sensível na época: o desemprego. O próprio slogan de FHC era “Quem derrotou a inflação vai vencer o desemprego”, lembra? Os índices de desemprego eram divulgados por fontes oficiais (Min. do Trabalho, IBGE), patronais (FIESP), sindicais (Dieese) e por institutos de pesquisa como o IBOPE. “Apesar disso” – diz o pesquisador – “o JN somente noticiou dois índices: um divulgado pelo IBGE, que indicava uma diminuição de 0,22% no índice de desemprego; e o outro divulgado diretamente pelo Ministro do Trabalho, que indicava aumento da oferta de emprego para trabalhadores com carteira profissional. Por outro lado, o JN jamais noticiou aqueles índices que, mensalmente, anunciavam o aumento do desemprego, que atingiu patamares alarmantes no primeiro semestre de 1998”.

A não-notícia raramente chama a atenção. A notícia “oculta” em um veículo só ganha visibilidade por efeito de contraste com outros midia que dela tenham se ocupado editorialmente. Foi assim na época da campanha das diretas, de cobertura obrigatória por todos os veículos de comunicação (inclusive o jornal O Globo). A omissão da Rede Globo de Televisão em relação ao assunto foi tão ostensiva que chamou a atenção a ponto de a própria não-notícia tornar-se eloqüente (o famoso Comício da Candelária terminou sendo abordado sob o disfarce de festividade comemorativa do aniversário de São Paulo). Com as manifestações pelas diretas crescendo em intensidade e volume, a emissora foi forçada a vê-lo. E, para amenizar o impacto do slogan “o povo não é bobo, abaixo a Rede Globo” cunhado anos antes numa greve de metalúrgicos, foi forçada a negociar com o governo militar e a mostrar, mesmo timidamente, um dos maiores movimentos de massa da história recente do país.

Como o monopólio televisivo praticamente inviabiliza o efeito de comparação, somente através de pesquisas como a do professor Venício é possível verificar objetivamente o impacto da não-notícia. A qual, sem dúvida, às vezes é muito mais influente do que o mais virulento editorial. Como a verba para pesquisas desse tipo é muito restrita, podemos (devemos) estar cercados do perigo da não-notícia em todas as áreas sem sequer nos apercebermos disso. O racionamento de energia, por exemplo, é o resultado de quê?


TELEJORNALISMO EM CLOSE 122 – coluna semanal de análise da mídia do Professor Paulo José Cunha, da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília.

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