Em solidariedade ao povo argentino, os brasileiros repudiam o ditador argentino Rafael VIdla

São Paulo, 22 de agosto de 1980

A visita ao Brasil do ditador argentino Jorge Rafael Videla é mais uma demonstração do enorme fosso que separa o povo brasileiro de seu governo: enquanto o ditador argentino é recebido com honras e festas nos gabinetes de Brasília, o povo brasileiro se mobiliza em direção completamente oposta, para dar apoio à indicação das "Mães da Praça de Mayo" para o Prêmio Nobel da Paz de 1980. A evidência é definitiva: o governo recebe e homenageia o algoz; o povo se sensibiliza pelas vítimas e se manifesta contra seus carrascos.

As "Mães da Praça de Mayo" são o símbolo mais dramático e visível do que representa a ditadura, cujo chefe o governo brasileiro recebe neste instante: elas peregrinam, há quatro anos, em busca de satisfação para o mais elementar dos direitos – o de saber onde estão e como estão seus parentes "desaparecidos". Desaparecido, no novo vocabulário do Cone Sul, quer dizer simplesmente a pessoa presa pelos organismos de segurança e da qual não se tem mais notícias. Mas o regime argentino que Videla representa não se nutre apenas dos "desaparecidos", calculados pela Organização dos Estados Americanos em 5.818, mas que, na verdade, são muitos mais; há, também, os presos, os mortos, os torturados, os exilados – todos somados, tocando a casa das centenas de milhares. Entre eles, representantes de categorias e entidades que integram a sociedade argentina, inclusive grupos que lutam por sua liberdade e por estilos próprios de vida. Vítimas do que até a imprensa americana chama de o "mais sanguinário" regime de todo o mundo, como o fez recentemente o jornal "Washington Post".

E, entre os "desaparecidos" na Argentina, há pelo menos 13 brasileiros, dos quais o ditador ora no Brasil não dá notícias, mesmo porque seus anfitriões, o governo brasileiro, parecem muito pouco interessados no destino deles.

O Videla brindado com champanhe em Brasília é o mesmo Videla que estende os tentáculos de seu mecanismo de repressão além fronteiras. Grupos armados argentinos atuam até no Brasil e, no mês passado, foram ainda mais longe, ao seqüestrarem cinco argentinos em Lima, no Peru. O cadáver de uma das seqüestradas, uma das "Mães da Praça de Mayo", senhora de 54 anos, foi encontrado em Madrid, na Espanha, numa aterradora demonstração de quão longe vai a multinacional da repressão. Mais recentemente o governo argentino se colocou como articulador do sangrento golpe militar boliviano, auxiliando no massacre do povo boliviano.

E, agora, pode sair o famoso Pacto do Atlântico Sul, uma aliança entre Brasil, Argentina e o regime racista da África do Sul, condenado pela ONU em função da prática do "apartheid".

Dos conluios entre generais de um e do outro lado do Rio da Prata, o povo sabe que só pode esperar o pior: afinal, foi apenas poucos dias depois de voltar de Buenos Aires, que o presidente Figueiredo enviou ao Congresso a famigerada Lei dos Estrangeiros, aprovada pela vergonhosa omissão dos parlamentares governistas, que fugiram do plenário na hora da votação. Por triste coincidência, ou não, Videla chega no exato instante em que grupos sem rosto, acobertados pelo Governo, atacam os setores democráticos, numa repetição da técnica usada na Argentina, antes e depois do golpe de Estado de 1976.

Enquanto nos gabinetes se tecem leis como essa, os setores democráticos da sociedade brasileira lutam em outra direção: pelo restabelecimento do direito de asilo em nossa terra – exatamente para que o Brasil possa receber, não os Videla do Cone Sul, mas os perseguidos políticos das ditaduras que mancham a face do Continente.

Videla chegou hoje, 22 de agosto, em São Paulo . Nesta mesma data, em 1972, verificava-se em Trelew o massacre de 17 prisioneiros numa covarde reação à fuga de outros prisioneiros, iniciando o ciclo de violência que mergulhou a Argentina num verdadeiro mar de sangue.

Por tudo isso, a voz do povo brasileiro deve se fazer ouvir mais alto que o tilintar das taças nos brindes dos generais, clamando "fora Videla", todo apoio às "Mães da Praça de Mayo".

Entidades que assinam o documento:
CBA/SP, CLAMOR, COMISSÃO ARQUEDIOCESANA DOS DIREITOS HUMANOS, COMITÊ BRASILEIRO DE SOLIDARIEDADE AOS POVOS DA AMÉRICA LATINA, ABI, UNE, UEE/SP, COMISSÃO PRÓ/UMES, FNT, SECRETARIADO NACIONAL DE JUSTIÇA E NÃO VIOLÊNCIA, ADUSP, APROPUC, APEDESP, APEAESP/FGV, SINDICATO DOS JORNALISTAS, SINDICATO DOS ARTISTAS E TÉCNICOS, PARTIDO DOS TRABALHADORES-PT, CENTRO DE DEFESA DOS DIREITOS HUMANOS DE OSASCO, CONVERGÊNCIA SOCIALISTA, JORNAL COMPANHEIRO, JORNAL EM TEMPO, JORNAL HORA DO POVO, JORNAL O TRABALHO, JORNAL TRIBUNA OPERÁRIA, GRÊMIO LIVRE ANTÔNIO RIBAS, CENTRO DE CULTURA OPERÁRIA, JUVENTUDE DEMOCRÁTICA PROGRESSISTA, APEESSP, FRENTE DE MULHERES FEMINISTAS, ASSOOCIAÇÃO DAS MULHERES, GRUPO NÓS MULHERES, SOCIEDADE BRASIL MULHER, CENTRO DA MULHER BRASILEIRA, DEPARTAMENTO FEMININO DCE/USP.

`