Manifesto contra o terrorismo cultural (1965)
Minuta – 1965
Nós, cidadãos brasileiros, abaixo assinados, sentimo-nos no indeclinável dever de vir a público para afirmar nossa posição contrária ao terrorismo cultural que, através de numerosas e insofismáveis manifestações concretas, vem se implantando no País.
Minuta – 1965
Nós, cidadãos brasileiros, abaixo assinados, sentimo-nos no indeclinável dever de vir a público para afirmar nossa posição contrária ao terrorismo cultural que, através de numerosas e insofismáveis manifestações concretas, vem se implantando no País.
Os primeiros dias de abril foram marcados com a invasão da Universidade de Brasília, a prisão e a posterior demissão de numerosos professores; nos meses que se seguiram, o sistema isolado de ensino superior do Estado de São Paulo também foi atingido pela onda de violências: em São José do Rio Preto, prisões e demissões de professores e prisão de alunos; em Marília, prisão de professores; em Ribeirão Preto, prisão de professores, alunos e ex-alunos; ainda no Interior, no Instituto Tecnológico de Aeronáutica, em São José dos Campos, prisão de professores e alunos e expulsão de estudantes. Em outros Estados, igualmente, fez-se sentir o terrorismo intelectual: Goiás, prisão e demissão de professores; Porto Alegre e Pelotas, demissão e aposentadoria compulsória de professores; Minas Gerais, intervenção na Universidade, prisão de professores e alunos e demissão de professores; em Mato Grosso, demissão de professores; em Recife, prisão de professores, demissão de professores e intelectuais.
Além disso, em todo o País, jornalistas, padres, escritores, editores, artistas, livreiros, professores secundários, professores primários, educadores, foram perseguidos, muitas vezes presos e demitidos; lares foram violados, livros apreendidos, quadros depredados; arquivos, fichários e material de estudo desbaratados. Intelectuais de renome internacional e técnicos especializados tiveram seus direitos políticos cassados e foram obrigados a abandonar o País.
Agora, em São Paulo, três professores são sumariamente demitidos da Escola Paulista de Medicina, enquanto se anuncia a demissão de vários professores das Faculdades de Filosofia e Arquitetura da Universidade de São Paulo.
Ao mesmo tempo, UNE, Uniões Estaduais de Estudantes e grêmios estudantis são invadidos e depredados; estudantes são caçados por policiais e por militares; várias associações estudantis estão sob intervenção; e o ministro da Educação suspende eleições em grêmios de várias Faculdades do País quando verifica que o Governo vem sendo sistematicamente derrotado nos poucos pleitos já realizados.
Esses são alguns dos fatos que vêm ocorrendo na área cultural depois do 1º de abril. O silêncio espontâneo ou provocado de grande parte da imprensa e dos meios de comunicação do País impede o público de conhecer, em toda a sua extensão e todos os seus pormenores, o que vem ocorrendo em qualquer ponto onde porventura haja um livro, um professor e um aluno, onde se pretenda debater idéias e exercer o direito de crítica.
Todos esses fatos aí expostos constituem manifestações de uma das formas de terrorismo que caracterizam a ação do grupo que assumiu o poder a 1º de abril; ao lado do terrorismo cultural, o público tem tomado conhecimento de outras formas de violências, que cassam direitos, mandatos, modificam a composição de câmaras legislativas. Cada um dos fatos indicados só pode ser compreendido como um ponto dentro de um esquema global de silenciamento das consciências capazes de criticar a situação e a ação dos governantes. Dificilmente se encontra uma explicação para cada caso e dificilmente se pode aceitar que as perseguições, prisões e demissões constituam "exageros" de responsabilidade individual, "equívocos", "enganos". Todos eles constituem um quadro que, a esta altura, não pode ser mais escondido pelas autoridades nem ignorado pelos cidadãos do País. Ignorar o quadro é uma forma de omissão culposa, é coonestar a violência, é tornar-se cúmplice de um crime contra o desenvolvimento cultural do País.
Os cidadãos brasileiros, abaixo assinados, fundamentados nesses dispositivos constitucionais – dos quais não há notícia de que tenham sido expressamente revogados ainda, e nem suspensos por um estado de sítio declarado, já que a Constituição de 1946, no artigo 141, garante a inviolabilidade do lar e da correspondência, a liberdade de ir e vir, a liberdade de concepção filosófica e religiosa, a liberdade de expressão do pensamento vêm, pois, a público, manifestar-se:
a. plenamente de acordo com os princípios contidos na carta do Professor Florestan Fernandes (Ultima Hora, 16.9.) e, consequentemente, contra a prisão desse professor, motivada pela redação da carta;
b. plenamente de acordo com os princípios contidos na Declaração de Princípios dos assistentes da Faculdade de Filosofia; com os princípios contidos no Manifesto dos Assistentes da Faculdade de Filosofia endereçado à Congregação da mesma escola; com a Carta dos Professores
c. plenamente de acordo com outras manifestações públicas contrárias ao terrorismo intelectual, tais como: o "Documento Recusado"; entrevista do professor Paulo Duarte; Carta do professor Paulo Duarte; manifesto da chapa vencedora nas eleições da Federação dos Estudantes de Brasília; artigo do jornalista Márcio Moreira Alves; artigos de Tristão de Atayde; noticiário dos jornais Última Hora, Correio da Manhã e Folha de São Paulo; deputados federais, estaduais e vereadores que se manifestaram contra as violências na área da cultura; carta do presidente da Federação Norte-Americana de Cientistas ao marechal Castelo Branco; telegrama dos bioquímicos; telegrama dos arquitetos de Londres; manifestação dos 99 juristas da OIT; manifestação dos físicos de Turim:
d. Celso Furtado, Anísio Teixeira, Heron de Alencar, Josué de Castro, Leite Lopes, Mário Schemberg, Florestan Fernandes, Ernani Fiori, Vilanova Artigas, Warwick Kerr, Marcos Lindenberg, Paulo Freire, Wilson Cantoni, Luiz Hildebrando Pereira da Silva, Michel Rabinovitch, Marcos Rubinger, David Rosenberg, Fernando Henrique Cardoso, Isaias Raw, Edgar Graeff, foram de uma forma ou de outra atingidos pelo terrorismo intelectual; numerosos professores, técnicos, especialistas, cientistas, intelectuais, já deixaram ou se preparam para deixar o País; novas vítimas deverão ser imoladas nos próximos dias. O terrorismo cultural, minando a consciência crítica da Nação, é o caminho pelo qual se implanta o fascismo no País. Os cidadãos brasileiros abaixo assinados, dispostos a não permitir que se transforme este País num Estado Fascista, vêm juntar sua voz à dos que denunciam e repudiam o terrorismo cultural.
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