Madre Cristina
Há pessoas que se confundem com a causa que abraçam; há pessoas que se confundem com a Instituição a que pertencem. Madre Cristina criou o Instituto Sedes Sapientiae em 1977 e, desde então, marca indelével distingue essa Instituição: o respeito à diferença e o compromisso com a Justiça. "O Instituto Sedes Sapientiae é um espaço aberto aos que quiserem estudar e praticar um projeto de transformação da sociedade, visando atingir um mundo onde a Justiça Social seja a grande lei" (Madre Cristina).
O que tornou Madre Cristina uma referência obrigatória no cenário político brasileiro e um ponto de inflexão para o campo de elaboração psicológico, certamente tem sua origem na sua formação e na sua opção profissional, religiosa e política.
Nascida em 1916, na cidade de Jaboticabal em São Paulo, cresceu entre discussões políticas e o aprendizado do respeito e amor ao próximo. Licenciada em Filosofia e Pedagogia (1940) pela então Faculdade Sedes Sapientiae, estudou Freud após abraçar a vida religiosa. Completou seus estudos na Europa e doutorou-se em Psicologia em 1954, na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Publicou vários textos e livros na área de conhecimento da psicologia.
Contudo, o ponto de inflexão no campo político estender-se-ia mais além do que supunha Madre Cristina e todos os que participaram da fundação da Instituição: o Instituto Sedes Sapientiae tornou-se âncora e porto seguro para as aflições dos incontáveis perseguidos políticos não só do Brasil como de outros países do Cone Sul.
Abrigou entidades e organizações não governamentais de defesa da cidadania e de educação. Para os que porventura não sabem e mesmo para os que não se recordam mais, no ano de 1977 o Brasil estava mergulhado dentro de um violento Regime Militar, fortalecido pelo seu tempo de vigência e de progressiva impunidade.
A prisão, a tortura e o assassinato; o exílio, o banimento e a crescente restrição à liberdade de expressão e de reunião, determinavam a clandestinidade de um contingente significativo de opositores. O Brasil tornou-se uma nação amordaçada.
De acordo com pesquisas feitas nos Diários Oficiais da União e dos Estados com os documentos da época organizados pelos comitês e movimentos de anistia, havia 500 mil brasileiros atingidos pela ditadura, entre processados, condenados e presos, muitos desaparecidos e mortos. No Exterior viviam 10 mil brasileiros exilados e ainda, entre demitidos do trabalho, cassados e aposentados compulsoriamente, havia 4.877 cidadãos. A lista circunstanciada pelas entidades de anista e pelos advogados, a partir de documentos das Auditorias militares, crescia significativamente, até que os brasileiros, indignados, tomaram a si a Determinação de exigir a anistia e a reinstalação da liberdade no país.
Entre esses estava Madre Cristina e foi dentro desse cenário que o Instituto Sedes Sapientiae foi fundado. À frente a frágil figura da Madre com seus atentos olhos e seu amplo sorriso. Aparentemente frágil e aparentemente sorridente, Madre Cristina foi dura com os inimigos da liberdade e perseguidores de militantes políticos, sua fragilidade não vacilou frente às veladas ou explícitas ameaças de prisão e de morte que recebeu.
Segura de seus propósitos, abriu e, poder-se-ia dizer, jamais fechou a porta do Sedes aos combatentes da liberdade.
Recém inauguradas, as salas do Instituto abrigaram a primeira e restrita reunião do grupo de pessoas que iria fundar o Comitê Brasileiro de Anistia de São Paulo, em maio de 1978, e, em novembro do mesmo ano, as várias reuniões preparatórias e as reuniões de trabalho do 1º Congresso Nacional pela Anistia, realizado nos dias 2, 3, 4 e 5 de novembro daquele ano.
A sessão de abertura foi realizada no Tuca (Pontifícia Universidade Católica) mas foi nas salas de aula do Sedes que se reuniram os familiares de militantes presos, de desaparecidos e mortos que, ainda temerosos, relatavam nas comissões as inacreditáveis histórias de violência ainda inéditas para os brasileiros em geral e mesmo para os presentes ao 1º Congresso.
Ali se tiraram as resoluções relativas aos atingidos políticos: aos presos e ex-presos, aos desaparecidos que se esperava encontrar, aos mortos, aos banidos e exilados, aos cassados pelos atos administrativos, aos demitidos e aposentados das instituições científicas e universitárias.
Essas resoluções, elaboradas após os três dias de trabalhos, foram apresentadas à Nação na sessão de encerramento ocorrida no Teatro Ruth Escobar, na rua dos Ingleses, no dia 5 de novembro.
Ainda às vésperas da conquista da Anistia, reúnem-se no Sedes, entre 7 e 8 de julho de 1979, os Movimentos de Anistia, exigindo a ampliação do projeto proposto pelo governo que, de tão parcial, mereceu severas críticas da sociedade brasileira, que desejava uma Anistia Ampla, Geral e Irrestrita e não uma anistia que trouxesse "em uma das mãos um ramo de oliveira e na outra uma vergasta", como a descreveu o poeta Drummond.
O Sedes, criado sob o signo da resistência e do respeito à pluralidade, estende ao campo do pensamento "psi" sua prática de convivência respeitosa.
A postura de Madre Cristina facilitou essa dupla vertente: o relacionamento cotidiano entre cursos, departamentos, centros de estudos, de educação e clínica psicológica com as entidades e organizações vinculadas à prática política.
Por longo tempo a Madre Cristina foi diretora desse Instituto.
Há vários anos, diferentes grupos sucedem-se na tarefa de sustentar e conduzir o Sedes.
É incomum uma instituição apostar no novo e recolher de suas fundações, continuamente, os acertos do tempo decorrido. O Instituto vive um tempo de liberdade e de enriquecedor trabalho. Muitos de seus funcionários, dirigentes, professores e ex-alunos aqui estavam desde os primeiro momentos. Muitos convidados por Madre Cristina, outros acolhidos em tempos difíceis. Todos, com certeza, vinculando-se aos novos que vão chegando, querendo preservar a história do Sedes Sapientiae e reconhecendo na Madre a integridade de quem apostou na justiça e continua bancando o exercício da liberdade.