Participei do CBA, desde o início de sua formação. Representando a ADUSP- Associação dos Docentes da Universidade de São Paulo (USP), fui às primeiras reuniões no Teatro Ruth Escobar, em que se discutiu a formação do CBA de São Paulo. Fui designada pela Diretoria da ADUSP como suplente de representante na Comissão Executiva do CBA e pouco tempo depois assumi como titular. As reuniões da Comissão Executiva foam feitas na minha residência durante muito tempo. Apesar de sérias, essas reuniões assumiam um tom de amizade e mesmo intimidade, com lanchinhos ou sopinhas para os representantes que vinham diretamente do trabalho. Assumi o papel de responsável por contatos nacionais com políticos, e com muitos dos CBAS de todo o Brasil.

Participei ativamente de quase todas as atividades do CBA São Paulo: os Congressos pela Anistia, em São Paulo, Bahia, Reuniões em Belém, idas a Brasília, atos públicos, passeatas, coordenação da atividade de anistia dentro da USP, pela Anistia dos Professores cassados.

Os anos de luta pela anistia, assim como as atividades posteriores, recepção de anistiados em aeroportos, conquista de anistia para os cassados e presos políticos, apoio à greve dos metalúrgicos do ABC etc., constituíram durante vários anos a minha atividade prioritária, quando freqüentemente descuidava das atribuições como professora da USP, sendo advertida pelos meus colegas que eu estaria me prejudicando profissionalmente.

As nossas atividades foram tantas, que fica difícil resumir tudo em poucas palavras. Grande parte delas deixaram marcas indeléveis, que voltam à tona da mente e dos sentimentos, em capítulos ou rasgos entre nuvens esquecidas. Por exemplo, o acompanhamento das várias greves de fome dos companheiros presos, a recepção de Flávia Schilling no aeroporto, depois de sua libertação, a visita a familiares de presos e desaparecidos, os depoimentos de pessoas após sua libertação etc.

Dois episódios ilustrativos: Uma visita à mãe idosa do deputado Rubens Paiva, quando ela ainda não se conformava com o desaparecimento de seu filho. Com lágrimas nos olhos levou-me ao seu quarto; em uma mesa, mostrou as fotografias de seus dois mortos: o marido, e um filho falecido pouco depois do desaparecimento de Rubens Paiva. Depois, em outra mesinha, fotografia de Rubens Paiva, "este não sei se está vivo ou morto".

Mais alegres e animadores foram os contínuos contatos com Teotônio Vilella, sempre prestativo e ativo em tudo que dizia respeito à anistia e a luta contra a ditadura. Em uma primeira ida de representantes dos CBAs a Brasilia, vinhamos andando pelo corredor, quando Iramaia Benjamin, avistando Teotônio, disse: "este é o único parlamentar da ARENA com quem vamos conversar", e perguntou: "que tipo de Anistia o Senhor preconiza?", e ele: "Anistia não tem adjetivo, é Anistia mesmo". São inúmeras as memórias sobre a atividade deste grande saudoso companheiro, algumas até anedotais. Em uma ocasião, depois de visitarmos vários presos políticos, e irmos a uma reunião em uma casa modesta no ABC, fomos levados por lideranças locais a uma churrascaria. Fazia frio, Teotônio, sem agasalho, envolveu-se em um cobertor. Quando pediram uma mesa para o Senador, os funcionários da churrascaria arregalaram os olhos, não imaginavam que aquele homem simples, fosse o grande senador.

Considero a minha participação no processo de Anistia como a parte mais significativa de minha vida (fora da família), e a contribuição mais importante para a sociedade em geral. Atrevo-me mesmo a afirmar que acredito ter dado uma pequena contribuição para a conquista da democracia. Esta atividade significa mais do que os aproximadamente 50 trabalhos científicos que publiquei em revistas nacionais e estrangeiras, as mais de 12 teses de mestrado e doutorado orientadas.

A luta pela anistia fez com que eu crescesse e amadurecesse política e pessoalmente. Certamente essa atividade influenciou os meus filhos, que por sua vez participaram de outras formas na resistência. Aliás, as influências foram recíprocas. Certamente o exemplo de nossa luta também se estendeu a meus amigos, orientandos, e todas as pessoas com que convivemos. Formaram-se laços de solidariedade e amizade indestrutíveis com os companheiros de luta, por tudo que passamos juntos, que perduram mesmo depois de trilharmos caminhos políticos diversos. Pelo menos eu sinto assim.

 *Judith Kardos Klotzel é professora e pesquisadora aposentada da USP; teve papel destacado na ADUSP e fez parte da Comissão Executiva do CBA/SP.

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