Comitê pela Anistia – RS

Comitê pela Anistia – RS

Normalmente, quando se analisa o período discricionário em nosso País, iniciado pelo golpe militar em 1964, e as mobilizações populares que puseram fim ao mesmo, é usual sejam citadas as greves dos trabalhadores metalúrgicos do ABC como sendo os primeiros movimentos de massa que marcaram o início do fim dos chamados " anos de chumbo "; entretanto, na verdade foi a luta pela Anistia que primeiro mobilizou parte das lideranças políticas de oposição e que obteve apoio público massivo que obrigou o regime militar a ceder e promulgar a Lei da Anistia.

Aqueles que viveram aquele momento sabem que era a defesa dos Direitos Humanos, tripudiados pela ditadura, a grande ponta de lança inicial da luta pela redemocratização . E esse não é um fenômeno brasileiro, pois outros exemplos mostram que a luta em prol dos Direitos Humanos está sempre na vanguarda durante os períodos de arbítrio; esse é o caso das " Mães da Praça de Maio ", certamente um dos pouquíssimos movimentos populares que desde o início condenou a Guerra das Malvinas, contrariando a maioria da opinião pública argentina, que não soube reconhecer ali uma manobra diversionista dos generais portenhos para encobrir a crise do regime.

Essa é a importância política mais relevante da luta pela Anistia Ampla, Geral e Irrestrita, ombreando com o aspecto humanitário sempre presente nesses movimentos.

Outra faceta a ressaltar foi o caráter suprapartidário do movimento, englobando um leque amplo de forças políticas, organizadas ou não, e que se uniram nos Comitês Brasileiros pela Anistia que surgiram em quase todo o País, ao lado dos Movimentos Femininos pela Anistia, Movimentos pelos Direitos Humanos e outros, cuja tarefa foi lutar pela volta dos exilados, pela libertação dos presos políticos , pela denúncia da tortura e pelo esclarecimento dos casos dos mortos e desaparecidos. A Comissão Nacional dos Familiares dos Mortos e Desaparecidos Políticos funcionou sempre juntos aos CBAs, muitas vezes se confundindo com eles; no caso do CBA-RS, assumimos essa bandeira, juntamente com a luta pela revogação da Lei de Segurança Nacional, após a decretação da Anistia.

O II Congresso da Anistia, realizado em Salvador em dezembro de 1979 decidia que os CBA’s a partir de então deveriam se juntar aos movimentos populares exigindo a total redemocratização no País ; os inúmeros casos de prisões e enquadramentos na LSN que viriam a acontecer, atingindo lideranças dos trabalhadores, se encarregaram de demonstrar a justeza dessa decisão e a necessidade dessa luta.

Ao mesmo tempo em que se propugnava pela Anistia Ampla, Geral e Irrestrita, o CBA-RS participou da campanha pela libertação dos gaúchos Flávia Schilling e Flávio Koutzii, presos no Uruguai e na Argentina, respectivamente.

Do CBA-RS, após a Anistia, surgiu o primeiro movimento organizado no Brasil exigindo o fim da LSN e que congregou dezenas de entidades representativas da sociedade civil. Também por iniciativa do CBA-RS foi públicado pela vez primeira, pela Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul, o Dossiê dos Mortos e Desaparecidos que havia sido elaborado por familiares ligados ao CBA-SP, marco histórico dessa luta.

Mais adiante, o CBA-RS patrocinou a elaboração de um vídeo sobre Luiz Eurico Tejera Lisboa, o primeiro desaparecido político cujo corpo foi localizado por sua mulher Suzana Keniger Lisbôa, enterrado como indigente no cemitério de Perús, em São Paulo, sendo esse caso denunciado à opinião pública e amplamente divulgado. A mobilização no Brasil dos familiares dos desaparecidos políticos no Brasil deflagrou no Cone Sul, todo ele submetido à mesma Doutrina de Segurança Nacional, um movimento que levou à localização dos NN – os "Ningum Nombre"4, militantes políticos torturados e assassinados e enterrados pelas forças da repressão em cemitérios muitas das vezes clandestinos.

Essa luta derivou, um pouco mais tarde para o movimento Tortura Nunca Mais que denunciava e pedia o fim das torturas que haviam saído dos porões da ditadura para o cotidiano das delegacias em todo o País e mais, exigia a punição dos torturadores como condição imprescindível para o fim dessa prática, sendo parte essencial do Ato Público com que marcamos em 1989 os 10 anos da Lei da Anistia.

Na Lei da Anistia os assassinos e torturadores se auto-anistiaram mas esses crimes de lesa-humanidade são imprescritíveis e o esclarecimento de todas as mortes e desaparecimentos de militantes políticos e a punição exemplar dos culpados é a única garantia que temos de que tais fatos não mais se repetirão; entretanto, ainda hoje, em 1999, a impunidade é uma realidade, haja vista o episódio do massacre de 19 sem-terra pela PM em Eldorado dos Carajás, cujos responsáveis, passados 3 anos, ainda não foram condenados.

A Anistia não foi Ampla, Geral e Irrestrita como pretendíamos, pois serviu para acobertar os crimes e criminosos até hoje não punidos, mas foi inegavelmente uma grande vitória contra a ditadura militar e se constituiu, como já afirmamos, no primeiro passo no rumo da democracia política no Brasil, etapa inicial do processo de emancipação do Povo Brasileiro rumo a uma sociedade justa e fraterna.

Porto Alegre, Agosto de 1999.

 José Keninger, economista, presidente do CBA/RS, familiar de desaparecido político.

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