Livro faz raio-x do hip hop em 160 páginas

O movimento que nasceu na periferia das grandes cidades e que une música,
arte e dança, ganha agora livro-reportagem, que será lançado esta semana

Já há alguns anos, um movimento juvenil que se alastrou pela periferia das cidades unindo música, artes gráficas e dança – o hip hop – despertou o interesse de antropólogos, cientistas sociais e educadores e inspirou vários estudos teóricos e teses universitárias. Agora, o assunto ganhou as páginas de um livro de reportagem que vai ser lançado esta semana em livrarias de todo o País.

Hip Hop – A Periferia Grita, das jornalistas Janaina Rocha, repórter do jornal O Estado de S. Paulo, Mirella Domenich e Patrícia Casseano, também começou como trabalho acadêmico. Produzida em 1999 como trabalho de conclusão do curso de Jornalismo da Faculdade de Comunicação Social Cásper Líbero, a obra venceu o prêmio Volkswagen de Jornalismo daquele ano e encorajou as recém-formadas a procurar a publicação da reportagem.

Depois de repetidas negativas, o grupo chegou à Editora Perseu Abramo, que topou a empreitada. O livro-reportagem ganhou algumas atualizações e ‘ajustes’ com base em dicas da jornalista Bia Abramo e sai esta semana com 160 páginas e todo em cor.

Menos coloridos – e quase sempre crus – são os depoimentos e entrevistas dos que vivem na periferia. Ainda que não seja um livro de denúncias, mas um relato comportamental do fenômeno hip hop, a obra joga luz sobre um assunto que ainda não teve sua importância quantificada.

Mesmo buscando respostas com teóricos que já se debruçaram sobre o tema, o livro traz uma linguagem fácil, quase coloquial, o que o difere de trabalhos anteriores. Além de nomes famosos do rap como os pioneiros Thaíde e DJ Hum ou Mano Brown, dos Racionais MC’s, as jornalistas entrevistaram o jovem comum da periferia e outros personagens importantes, e não famosos, como Nino Brown, de São Bernardo do Campo, apelidado de ‘antropólogo do hip hop’, por causa de seu acervo pessoal sobre o assunto.

Durante todo o ano de 99, as jornalistas estiveram na periferia paulistana, na Grande São Paulo e ABCD paulista, além de Belo Horizonte, Brasília, Rio de Janeiro, Recife e Fortaleza.

O jornalista Oswaldo Faustino, no prefácio do livro, diz não saber se foi ‘o caráter revolucionário, estético, controverso ou outro fator’ que teria levado ‘jovens universitárias brancas, de classe média’, a se interessar pelo hip hop. Elas explicam:

“Patrícia e eu sempre tivemos uma motivação mais comportamental e a Janaína sempre gostou mais da música, apesar de conhecermos pouco o assunto na época”, explica Mirella Domenich. Desconhecer o tema não foi problema, até livrou as autoras de pré-conceitos. A pesquisa e o contato com quem vivia o hip hop acabou com esse problema. “Com o tempo, também adquirimos uma visão menos paternalista do assunto. Vimos que nem tudo era bom”, afirma Janaína Rocha.

Uma questão, no entanto, incomoda as autoras. Mesmo saindo das salas acadêmicas para as livrarias, o que partiu de ‘jovens universitárias brancas de classe média’ não estaria agora restrito ao leitor ‘branco, de classe média’? Seria, portanto, a perpetuação de uma das maiores queixas dos rappers, a de que a informação não chega à periferia.

“Temos o compromisso de dar retorno aos núcleos e mantemos contato com eles até hoje. Nós buscamos patrocínio para que parte da tiragem fosse distribuída em escolas e nas comunidades, mas, infelizmente, não conseguimos”, conta Janaína.

Isso, no entanto, não ofusca o trabalho de pesquisa e apuração das autoras.

Ao contrário, só confirma o perverso abandono cultural imposto à periferia.

Resenha publicada no Jornal da Tarde de 26/09/2001

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