Em agosto deste ano, comemora-se o 20º aniversário da Lei da Anistia, um passo da maior importância na transição do regime militar para a democracia, um marco no processo de abertura política brasileira. A partir da aprovação dessa Lei, os exilados puderam retornar ao País, os cassados tiveram seus direitos restituídos, os presos políticos se reintegraram na sociedade. Foi, sem dúvida, uma luz no fim do túnel, razão pela qual nós, os defensores dos direitos humanos, acreditávamos na época que tínhamos alcançado uma grande vitória.

Passados 20 anos, entretanto, tenho sérias dúvidas se a Lei da Anistia foi realmente tamanha "vitória". Confesso que tenho uma relação de amor e ódio com ela. Em primeiro lugar, se anistiar significa desculpar, conceder perdão a quem perpetrou algum delito, pergunto-me que delito haviam cometido os militantes de esquerda, os assim chamados subversivos? Alguns, convenhamos, tinham participado de atos "terroristas". Mas e os outros, os milhares de opositores do regime, cujo único crime tinha sido manifestar suas opiniões e por isso haviam sido presos ou expulsos do País? Que sentido tinha perdoar alguém que havia apenas usufruído da liberdade de expressão, um direito concedido por Deus? Em segundo lugar, incomoda-me profundamente o fato de que a anistia "ampla, geral e irrestrita", pela qual tanto clamávamos, acabou beneficiando os torturadores e assassinos, esses, sim, culpados de crimes hediondos, premiados pela Lei da Anistia com uma ficha novinha em folha, imaculada, que lhes permitiu continuar vivendo como se nada tivesse acontecido, alguns até alçados a importantes cargos públicos. Com a redemocratização do país, teve-se a impressão de que a tortura acabou. Impressão falsa. A tortura, um crime inafiançável, de acordo com a Constituição Brasileira, continua a ser praticada pelos agentes do Estado. O espancamento, o choque elétrico, o pau-de-arara são técnicas usadas rotineiramente nos interrogatórios policiais. A impunidade de ontem – resultante, em grande parte, da Lei da Anistia – deu tranqüilidade de consciência aos torturadores de hoje.

Infelizmente, a maioria das pessoas só se revolta com a tortura quando ela é de caráter estritamente político. Quando um criminoso comum é torturado, a sociedade se cala ou – pior ainda – aplaude. A triste verdade é que a violência da polícia conta hoje com o respaldo de uma parcela considerável da população.

O 20º aniversário da Lei da Anistia nos lembra que há muitos problemas mal resolvidos em nosso amado Brasil. O cenário mudou, as vítimas são outras, mas a violação dos direitos humanos persiste.

Em 1979, logo após a aprovação da Lei da Anistia, Perseu Abramo comentou: "Uma batalha vencida, falta ganhar a guerra", Agora, onde quer que ele esteja (nalgum lugar lá em cima, com certeza), Perseu deve estar torcendo por nós e incentivando-nos a continuar lutando até ganhar a guerra.

 

*O rabino Henry I. Sobel é presidente do Rabinato da Congregação Israelita Paulista.

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