Foi o Idibal Piveta quem primeiro me falou da possibilidade de vir a acontecer uma Lei da Anistia por aqui. Idi era um otimista crônico, de modo que custei a acreditar. Mas acabei acreditando e me engajei nos grupos de trabalho que ele promovia em seu escritório de advocacia, passando depois a atuar nos fóruns da classe teatral.

Foi o Idibal Piveta quem primeiro me falou da possibilidade de vir a acontecer uma Lei da Anistia por aqui. Idi era um otimista crônico, de modo que custei a acreditar. Mas acabei acreditando e me engajei nos grupos de trabalho que ele promovia em seu escritório de advocacia, passando depois a atuar nos fóruns da classe teatral.

A Anistia se articulou e cresceu até que o mês de agosto, a despeito de sua fama de aziago, viu aquele embrião de esperança se concretizar em certeza de Lei, abrindo presídios políticos e fronteiras e trazendo de volta à vida útil do país, alguns dos seus mais altivos compatriotas.

A essa altura eu estava grávida de Ana Carolina, cumpria determinações médicas de permanecer em repouso absoluto e tive que assistir pela TV à chegada dos exilados. O coração disparava a cada silhueta que saia do avião, a cada rosto que as câmeras mostravam e que me eram familiares apesar das mudanças provocadas pelo tempo. Um andar, um perfil, um jeito de rir e falar, eu reconhecia a todos com uma ternura antiga e profunda, que fundia presente e passado.

O passado. Tão recente e incicatrizável. A Oban, o pânico, o arbítrio. Ideais esmagados, gente esmagada. Esmagada? Mas, e a resistência, a teimosia, a moral altíssima dos presos políticos do DOPS, da Penitenciária, do Carandiru – que visitei por cinco anos e meio? Quem estava mais preso – eles em suas celas, ou eu a céu aberto? Sozinha, dando murro em ponta de faca, vendo a censura cortar minhas peças de teatro como cadáveres em necrópsia, eu teria visto a juventude se esvair num deserto de sonhos mortos, se não recebesse, a cada visita de sábado, a centelha de vida que vinha dos companheiros presos. Se prestava solidariedade ao visitá-los, eles me prestavam solidariedade ainda maior com aquela lição de fé. Eram tantas as atividades! Lá dentro, alfabetização de adultos para os presos comuns, cursos de línguas, culinária, filosofia, artesanato. Aqui fora, famílias virando uma só. Tempo de compaixão, de partilha, de afeto incondicional.

À imagem dos amigos desembarcando no aeroporto, pensei na coincidência dolorosamente bela e simbólica que foi o meu primeiro filho, Pedro Paulo, ter nascido no dia, mês e ano em que a ditadura sacrificou Vladimir Herzog. Mas pensei também que Ana Carolina ia conhecer um Brasil mais amoroso, mais meu. E tive, naquele preciso instante, a convicção de que meus dois filhos, triunfo do amor e da vida, honrariam para sempre as lutas passadas, lutando – no presente – por uma democracia e uma anistia honestamente irrestritas.

 *Consuelo de Castro é dramaturga, participante do movimento dos artistas pela Anistia.

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