Eu sou Celeste Fon e participei da campanha da Anistia Ampla, Geral e Irrestrita, como irmã dos presos políticos Antonio Carlos Fon e Aton Fon Filho, e no CBA-SP.

Ao querer atender à solicitação de Zilah, para escrever um depoimento sobre a campanha da Anistia, tanta coisa foi reavivada em minha memória, que não sabia o que escrever, o que selecionar.

Eu sou Celeste Fon e participei da campanha da Anistia Ampla, Geral e Irrestrita, como irmã dos presos políticos Antonio Carlos Fon e Aton Fon Filho, e no CBA-SP.

Ao querer atender à solicitação de Zilah, para escrever um depoimento sobre a campanha da Anistia, tanta coisa foi reavivada em minha memória, que não sabia o que escrever, o que selecionar.

Alguns momentos de medo e terror vividos antes da campanha voltaram fortes, eu os escrevi, depois desisti. Escrevi também sobre muitos momentos de carinho, solidariedade, de exemplo, e de pessoas que proporcionaram esses momentos. Alguns estão neste depoimento:

* A solidariedade e o amor da querida vó Jeanne Sahuc (que adotamos como a avó que nunca tivemos e por quem fomos adotados) . Francesa, hoje com 97 anos, que enfrentou os policiais armados que vigiavam nossa casa, para nos levar o seu conforto, num momento em que muitos se afastaram de nós.

* A coragem de Maria Lúcia (a baixinha) colega do Banespa, que não titubeou em atender ao meu pedido de passar um telegrama quando eu não pude fazê-lo.

* A acolhida de Fernanda Coelho, na sua casa no Rio de Janeiro, numa noite de Natal, para que eu pudesse no dia seguinte visitar meu irmão Aton – depois de tanto tempo sem vê-lo, porque havia sido transferido de S.Paulo para a Ilha Grande.

* O exemplo e a firmeza de Dona Isabel, mãe de Chiquinho e Virgílio, que, apesar de sua idade avançada e da dura vida que levava, foi uma fortaleza na luta pela vida e pela Anistia.

* A atitude serena e competente do saudoso Perseu Abramo, um dos fundadores e membro da executiva do CBA e que escreveu sua Carta de Princípios.

* A firmeza e coragem da inesquecível Madre Cristina, que certamente salvou muitas vidas. Acolheu no Instituto Sedes Sapientiae o 1o. Congresso de Anistia, vigiou reuniões de familiares de presos e escondeu muitos perseguidos políticos.

* O conforto e a ação de Dom Paulo Evaristo Arns, batalhador incansável dos Direitos Humanos, que tantas vezes nos recebeu em sua casa ou na Cúria, ouviu nossas súplicas, nossos choros, e nos ajudou sempre.

* A dedicação do advogado Luiz Eduardo Greenhalgh. Lembro-me de um dia em que, com ele, acordamos a secretária da Auditoria Militar a fim de localizar o Juiz Auditor para resolver um problema urgente que se passava com os presos.

* A determinação dos presos políticos, que lutaram, pondo em risco as próprias vidas (como nas inúmeras greves de fome), dando a sua contribuição à luta pela Anistia.

* O momento de esperança na votação do projeto em Brasília. De alegria por cada voto "sim" pela Anistia Ampla, Geral e Irrestrita e tristeza, raiva, indignação por cada voto "não". A traição, votando "não", do então deputado Francisco Rossi, que havia prometido aos familiares votar a favor, causou tanta revolta aos familiares que, se não estivéssemos nas galerias, ele teria apanhado.

* Os muitos momentos de solidariedade, força, trabalho, produzidos por todas aqueles que constituíram a campanha pela Anistia, e que possibilitaram sua conquista. São tantas pessoas e tantos momentos que passam agora pela minha memória!

* O momento de alegria pela saída dos presos anistiados e de tristeza por não ter atingido meu irmão, que permaneceu preso até novembro de 79. Aton foi solto em liberdade condicional, o Juiz suspendeu a decisão e ele ficou novamente um mês na cladestinidade, até dezembro de 79, quando então foi reafirmada sua liberdade condicional. Nesse período voltamos a viver momentos de tensão e medo.

Mas, a campanha de Anistia foi, para toda minha família, um momento onde já não nos sentíamos sós. Sentíamos que éramos uma grande família, tínhamos rompido até mesmo os limites do nosso país. Todos, sem exceção, deram sua contribuição, das mais diversas formas. Papai, infelizmente, morreu antes de ver o Aton solto.

Para mim, a luta pela Anistia Ampla Geral e Irrestrita foi sobretudo um grande momento de solidariedade, o maior que jamais vivi. Junto com os companheiros, tantos e tantas, aprendi que nunca estamos sozinhos se é justa a nossa causa, embora os inimigos nos queiram fazer acreditar no contrário. Eu, que entrei na luta pela vida e pela libertação dos meus dois irmãos, vivi a certeza de que "eu tenho tantos irmãos que não os posso contar".

S.Paulo, junho/99

*Celeste Fon – familiar de preso político e participante do CBA/SP; atualmente coordenadora do CEPIS do Instituto Sedes Sapientiae.

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