São Paulo, 28 de agosto de 1979

Mãe:

Acordei dia 23 com a Sônia me dando um abração alegre, me cumprimentando pela anistia. Sabe o que o poté aqui fez? Ficou duro e resmungando: que anistia o quê? Que anistia poxa? Depois me arrependi, mas era tarde e já tinha cortado o barato dela.

Mas não é gozado? Apesar de a gente ter conseguido uma anistia quase total, apesar do Betinho agora poder voltar, não dá para ficar feliz.

Que foguetes poderemos soltar sem magoar os trezentos que, além de terem sido torturados feito cobaias, continuarão presos ou exilados? Cheguei a pensar na gente fazer a festa da volta do mano bem longe, talvez em Ribeirão das Neves. Mas, que diabo, será que vamos ter que comemorar escondido feito ladrão em festa de partilha?

Por outro lado, poxa, a gente conquistou uma vitória que parecia utopia nem seis meses atrás. Temos que valorizar , é preciso valorizar para animar o crioléu. A gente finge que não gostou pra não acomodar, mas, na realidade, nós ganhamos, sim!

Falo em acomodar porque, se antes animava muito lutar por 10 mil, d’agora pra frente será só por uns mixas trezentos. Viu o Petrônio na TV com as mãos desdenhando: "Só ficaram alguns nenhuns…"

É este o meu medo. E já tenho a solução. É simples. O DOPS, SNI, DOI-CODI não continuam aí? Vamos encher as cadeias, tudo de novo! Que cada um comece imediatamente a fazer por onde ser preso. Aí teremos um número imenso de presos políticos para motivar a luta pela anistia TOTAL.

Para ser preso? É fácil. Basta manter a dignidade por meia hora. Dependendo do cargo que ocupe, 5 minutos de dignidade continuam dando prisão perpétua.

Olhaí 50 presos políticos! Guentaí que já serão 20 mil, 30 mil. Vocês não estão sozinhos.

Primeirão.

A bênção do seu doril,

Henfil