Com passos lentos dirijo-me à da Livraria Brasiliense no centro de São Paulo; ainda manco por causa da botinada de um PM, domingo passado. Um casal caminha em minha direção e a moça me aponta com ar de dúvida, fala alguma coisa para o companheiro e apressa o passo arrastando-o. Bem perto me pergunta se sou a pessoa que no domingo estava com o pessoal que abrira a faixa "Anistia Ampla Geral e Irrestrita" no estádio do Morumbi (jogo do Santos!). Ainda tenho cuidados e (in)seguranças, afinal estamos em plena ditadura militar mas, sentindo cumplicidade, confirmo. Penso no que ocorrera: Cosme e uma participante da Torcida Jovem além do Mané foram presos junto comigo no DOPS; Fon conseguiu escapar e a faixa, que o Fon havia engomado, era "a prova". Seguem-se então comentários de aprovação, apoio e um forte abraço a três. Sinto-me fortalecido. Nunca mais os vi, não sei seus nomes, mas guardo a emoção. Apenas sei que não fazemos uma luta isolada. Apenas sinto que milhares de anônimos dão um grande impulso para a luta pela Anistia. Nosso comício reuniu mais de 20 mil pessoas na praça da Sé.

São passados 20 anos e o filme em minha memória mostra cenas da violência policial nas manifestações do centro, a Passeata das Mulheres pela Anistia (todas de negro e com velas acesas) e as mães da Praça de Maio em Buenos Aires. Mostra o atentado que sofremos no TUCA, além da proibição do Show pela Anistia no mesmo TUCA. Reuniões com amigos do IPT e da USP que davam apoio decidido, do TEDUT em Canoas (onde aconteceram fatos inesquecíveis para mim); reuniões intermináveis no CBA, no Sindicato dos Bancários e no Centro Cultural Paulo Pontes em Guarulhos, panfletagens em navios e portos por todo o país. Lembra-me o atentado a Cândido Pinto em Recife (há 30 anos). Dos assassinatos do Pe Antônio Henrique, de Alexandre Vanucchi Leme e Duda Collier (da dor de Dadá e dona Risoleta).

Apenas uma luta sem quartel, dos que não se conformaram com a violência e arbitrariedades da ditadura e contribuíram para sua derrota. Com encontros e desencontros, entendimentos e desentendimentos, somos companheiros em uma das lutas mais importantes travadas no país.

Foram 20 anos de ditadura militar que deixaram como herança, além da situação social mais grave, com o aumento da concentração de renda e a completa corrupção das diversas instâncias oficiais que contracenam com o completo saque local e internacional dos esforços de todos, o agravamento da dependência externa. A violência da classe dominante é a mesma e a tortura continua sendo praticada.

Será que ficaremos calados ? Onde estão os que não "caíram na real" e passaram a sentar-se à mesa dos que dão suporte à exploração? Será que não temos motivos suficientes para levantarmos da rede, deixarmos os chinelos de lado e retomarmos as lutas contra a exclusão social ?

Vamos nos mobilizar?!

 

*Carlos MacDowell de Figueiredo é professor e participante do CBA/SP

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