Brasil: mito fundador e sociedade autoritária (resenha de Marcelo Pen)
Por Marcelo Pen.
A história está dando os seus “Primeiros Passos”. Inspirada nessa antiga coleção da Brasiliense, a editora Fundação Perseu Abramo está lançando “História do Povo Brasileiro”. O primeiro volume, Brasil: Mito Fundador e Sociedade Autoritária, da filósofa Marilena Chaui, será lançado hoje, às 19h, na Bienal.
Com cerca de 40 títulos no forno e nomes consagrados como Fernando Novais, Maria Vitória Benevides, Jacob Gorender e Emília Viotti da Costa, a série pretende ser para a próxima década o que a “Primeiros Passos” foi para os anos 80.
“Não se trata de um projeto inovador”, ressalta Marco Aurélio Garcia, organizador da coleção. “Pretendemos recolher as contribuições historiográficas surgidas nos últimos 20 anos e torná-las acessíveis a um grande público.”
Garcia, ele também historiador, traça um paralelo entre os anos 60, a década de 80 e os dias atuais. Nos anos 60, havia os “Cadernos do Povo Brasileiro”, com temas políticos, históricos, sociais. Os 80 presenciaram o sucesso da coleção “Primeiros Passos”. O volume O Que É Ideologia, de Marilena Chaui, vendeu mais de 100 mil exemplares. Além do êxito, a série suscitou grandes debates.
“Nesses dois momentos, o Brasil se viu constrangido a pensar-se”, compara Garcia. Segundo ele, hoje ocorre o mesmo fenômeno, por razões diversas. Primeiro, há as efemérides em torno dos 500 anos do Descobrimento. E há, segundo ele, a “débâcle” (derrota).
Garcia arrola a crise do governo Fernando Henrique e os supostos fracassos de sua proposta econômica, perda do otimismo e da hegemonia das idéias liberais como fatores que levaram os brasileiros a mais uma vez se interessar pela própria história.
Para esse público sedento de conhecer a si mesmo, a coleção oferece dezenas de temas, dentre os principais movimentos ocorridos na sociedade brasileira: a Guerra de Canudos, a trajetória dos partidos comunistas, as lutas operária e camponesa, a questão indígena, os estudantes, o feminismo etc (veja acima os próximos lançamentos da coleção).
Não é um quadro temático fechado, algo difícil, aliás, para uma série planejada para se estender pelos próximos três anos. De concreto, a editora promete um tratamento claro e objetivo, não oficioso, dos assuntos; um projeto gráfico bem cuidado, que inclui documentos, fotos, cronologias e ilustrações, para atingir tanto os leitores não-acadêmicos, como os adolescentes. Planejam-se volumes curtos, de 50 a 80 páginas.
Em Brasil: Mito Fundador e Sociedade Autoritária, a filósofa Marilena Chaui defende a tese de que o Brasil já existia muito antes do Descobrimento (ou do “Achamento”).
Segundo Chaui, “o Brasil é uma criação dos conquistadores europeus”, uma “narrativa de origem” com raízes na Bíblia e em concepções milenaristas.
Esse mito, em seu sentido antropológico e psicanalítico, que não “cessa de se repetir”, legitima o populismo e o ufanismo, por exemplo. E esconde a violência e a injustiça na falsa imagem do “Brasil como comunidade una e indivisa, ordeira e pacífica, rumando para seu futuro certo, pois escolhido por Deus”.
Garcia não vê contradição na escolha de uma filósofa para inaugurar uma coleção de história. “A série está na confluência entre filosofia, política e história”, afirma. “Há inclusive muitos pensadores que, a rigor, não são historiadores, como o antropólogo John Monteiro e a crítica literária Walnice Nogueira Galvão. O que desejávamos era reunir um conjunto de textos críticos de qualidade”, completa.
Publicado na Folha de São Paulo.