O dia a dia nos tribunais militares. A noite nos teatros, contra a lei de segurança, pela anistia. A vida do advogado era assim.

A prisão foi a realidade para muitos, como produto de militante ação em organizações políticas, mas foi a defesa técnica e política exercida nas tribunas das Auditorias Militares que galvanizou a opinião pública.

O dia a dia nos tribunais militares. A noite nos teatros, contra a lei de segurança, pela anistia. A vida do advogado era assim.

A prisão foi a realidade para muitos, como produto de militante ação em organizações políticas, mas foi a defesa técnica e política exercida nas tribunas das Auditorias Militares que galvanizou a opinião pública.

O advogado foi o escolhido para denunciar a tortura do cliente pela polícia política. A perseguição aos parentes, a tortura, as revistas vexaminosas, o largo tempo de encarceramento, tudo militava contra os presos, dividindo famílias. O advogado era a família dos presos políticos.

Denúncias contra a atuação do Esquadrão da morte, no Presídio Tiradentes foram feitas pela voz de advogados. E seguiu-se a prisão de oito advogados paulistas, em vez do criminoso denunciado. Seus escritórios foram invadidos.

Colocar na emergência de um hospital de São Paulo um perseguido político baleado – figura de cartaz (aquela ignomínia que reproduzia a cara de patriotas e a expressão "procura-se") – a três advogados custou a prisão, a um digno procurador militar a carreira, mas valeu a vida – e isso ainda emociona – àquele mineiro simpático que a polícia política queria matar.

O dia a dia nos tribunais. A noite nos teatros…

A anistia assim construída não foi concebida apenas como "esquecimento" das condutas políticas cometidas contra a lei penal durante o período de chumbo. A anistia foi pensada – e só teria sentido assim – como forma de restabelecer a igualdade em relação àqueles que usaram do direito de insurgência contra a opressão, no caso a ordem autoritária constituída e, assim procedendo, foram processados, presos, afastados ou demitidos de seu trabalho, cassados em seus mandatos parlamentares. Por isso, não havia e não há sentido em se falar de anistia para os crimes comuns cometidos por agentes do Estado. Estes não cometeram crimes políticos…

A luta pela anistia foi a luta pelo retorno do exílio, pela saída da prisão de brasileiros, mas foi principalmente a forma da cidadania brasileira gritar o seu sonho por um estado de direito, por uma nova sociedade. Que vem vindo, vamos reconhecer os avanços. Há o que comemorar. Mas, saibamos identificar os nós, as muitas resistências. A democracia é um processo. É bom saber disso, para não desanimar. A luta segue. A indignação ante a injustiça não pode ser guardada. Há muito por fazer.

 

* Belisário dos Santos Jr., advogado, foi defensor de presos e perseguidos políticos durante o regime militar e membro da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo; atualmente é Secretário da Justiça e da Defesa da Cidadania do Estado de São Paulo.

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