Promoção: do inferno para o purgatório. Foi como encarei a mudança de prisão , no DOI-Codi (Centro de operações de Defesa Interna) do Rio, para o exílio na Alemanha, onde viveria quase 14 anos. Entre outros motivos óbvios, porque, às margens do Reno, foi possível reengajar-me na campanha pela anistia, lançada, já em 1965, pelo diário carioca Correio da Manhã, onde havia participado da mais importante resistência da imprensa à ditadura militar.

A luta pela anistia era parte da resistência e, portanto, do cotidiano no exterior. Pois a volta ao Brasil era o supremo objetivo, que orientava todas as ações. De modo que, transmitindo para o país pelas ondas curtas da Voz da Alemanha, redigindo para o Pasquim, colaborando na obra coletiva Memórias do exílio ou escrevendo o catártico romance Nas profundas do inferno, eu me sentia rompendo as barreiras da tirania e antecipando, de certo modo, o retorno, que, no entanto, só seria completado com a queda do regime ou com a anistia.

Com o tempo, à medida que se inviabilizava a utopia de uma derrubada revolucionária, a segunda hipótese foi-se impondo como palavra de ordem: anistia ampla, geral e irrestrita! E nós, exilados, passamos automaticamente, à condição de apóstolos dessa boa causa na Europa, que percorríamos em busca de apoio à campanha afinal aqui deslanchada. Entre os eventos de solidariedade a que compareci, lembro-me especialmente dos que me levaram, com Apolonio de Carvalho e Augusto Boal à Dinamarca e à Suécia. A multiplicação dos convites para palestras sobre o tema e sobre a situação política brasileira prenunciava a iminência da vitória e, por conseguinte do tão almejado regresso.

A anistia de 28 de agosto de 1979 significou, sem dúvida, outra promoção, mas não para o céu. Para começar, ela não foi ampla, geral e irrestrita, mas insuficiente e discriminatória, tanto que, mesmo ampliada pela Constituição de 1988 e pela legislação subseqüente, continua, 20 anos depois, tendo sua efetivação emperrada, obstruída e até contestada em estatais e órgãos da administração pública federal, como a Petrobrás e o Instituto Nacional de Seguro Social (INSS), que chegam a descumprir decisões judiciais favoráveis aos anistiados. Para muitos militares – sobretudo subalternos, como os marinheiros – a anistia até hoje não se concretizou.

E o Brasil neoliberal do anistiado Fernando Henrique Cardoso se distancia, cada vez mais, do céu idealizado no exílio (externo e interno), a que esperávamos chegar com a anistia, as diretas-já e a Constituinte. A democracia passa ao largo do plano econômico e social num país em que a representação popular é definida pelo poder financeiro. Para as crescentes legiões de deserdados, desterrados, desempregados e excluídos de qualquer progresso, muitos deles esperando a quitação de uma dívida social contraída há quase 500 anos, não há remissão do pecado original de que vêm eivados todos os modelos aqui implantados. O Brasil nunca foi governado para tornar feliz o seu povo, mas para dar lucro a uma minoria. O paraíso brasileiro é um privilégio das elites.

*Arthur José Poerner é escritor e jornalista; ex-preso e exilado.

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