"Os estudantes iam de sala em sala com uma sacolinha que dizia “Fundo de Greve dos Metalúrgicos do ABC”.


Por Maria Helena Moreira Alves*

A greve dos metalúrgicos do ABC de 1980 marcou uma virada na história do Brasil. Toda a sociedade civil se mobilizou em apoio à greve. No Rio de Janeiro, várias organizações comunitárias e sindicatos organizaram o Fundo de Apoio à Greve dos Metalúrgicos. Formou-se um comitê de organização que incluía gente de todos os grupos de oposição aos militares, gente da Igreja, intelectuais e artistas, professores e sindicalistas. Lembro-me de que a organização foi fisicamente centralizada no Sindicato dos Jornalistas do Rio de Janeiro, e que Caó, na época, era o presidente do sindicato. Os outros sindicatos mais atuantes foram os metalúrgicos do Rio de Janeiro, os metalúrgicos de Niterói, os eletricitários e os petroleiros. Na época eu trabalhava prestando assessoria para vários sindicatos e por isso fui secretária do fundo de greve.

Nós fizemos de tudo. Organizamos atividades nas fábricas, nos locais de trabalho, nas universidades. Cada grupo fazia sua coleta. Os estudantes iam de sala em sala com uma sacolinha que dizia “Fundo de Greve dos Metalúrgicos do ABC”.

O apoio aos metalúrgicos virou moda nas escolas, até de primeiro e segundo graus. Me lembro que meus filhos juntavam dinheiro também, entusiasmados com o movimento. Um dia meu filho, que tinha somente dez anos, por iniciativa própria, saiu com um amiguinho da escola, de apartamento em apartamento, pedindo dinheiro. Deu de cara com um militar que lhe deu uma tremenda bronca e ainda por cima foi à minha casa de noite, para pedir

explicações. Me acusou de comunista e ameaçou, dizendo que eu seria presa por desviar menores.Os meninos se assustaram muito.

O clima de tensão era muito grande, éramos seguidos e ameaçados pela PM. Sentei com as crianças e contei o que estava se passando, a repressão, a violência contra os trabalhadores do ABC e do Brasil. Decidimos que seria melhor “camuflar” a campanha. Daí por diante, as crianças saíam na rua com uma sacolinha que dizia “Apóie as Crianças do Mundo”. Juntaram um bom dinheiro. Foi uma farra. Lembro-me de que elas sentavam no chão todas as tardes e espalhavam o dinheiro para contar e anotar num caderninho. Estavam muito concentradas com sua responsabilidade. Depois fomos para São Bernardo do Campo, junto com as crianças, para entregar, no Sindicato dos Metalúrgicos, o dinheirinho arrecado por eles.

O “Fundo de Apoio à Greve dos Metalúrgicos do ABC”, no Rio de Janeiro, também organizou dois shows importantes. O primeiro foi um show de música popular brasileira no Sindicato dos Metalúrgicos do Rio de Janeiro. Meus filhos e seus amigos, entusiasmados, ajudaram com a bilheteria. Diziam que eu era muito “mole” e que tinha de ficar de “olho” para que ninguém entrasse sem pagar! Lula esteve presente no show. Até hoje a Vânia, amiga da minha filha se lembra, deslumbrada, do abraço e do beijo que o Lula lhe deu. Nos dias seguintes, não queria lavar a cara. Na época Vânia e Tina tinham 13 anos e os sindicalistas do ABC foram os seus ídolos. Parece que esse amor aos metalúrgicos ficou com a Vânia, que é casada com o Valtinho, dirigente da Comissão de Fábrica da Mercedes-Benz.

O outro show foi o histórico Show do Riocentro. A gente trabalhou à bessa. Chico Buarque de Holanda foi o grande organizador desse show. Deu-nos a maior força. Me lembro que ele estava muito nervoso com o clima de tensão, e quase quebrou o violão quando subia pra o palco. Foi muito lindo! Muita alegria, muito amor, muita energia. Felizmente só quando estava terminando o show é que ficamos sabendo da bomba que tinha explodido no colo do criminoso. As pessoas diziam: “foi castigo de Deus”. E o povo só ficou sabendo quem eram aqueles que pretendiam matar mais de 10 mil pessoas que estavam dentro do Riocentro assistindo ao show em apoio aos metalúrgicos, porque foi a neta do Tancredo Neves, que estava atrasada e corria com o namorado para o show, que passou perto do estacionamento e prestou os primeiros auxílios ao feridos com a explosão. E, aí, viu dos documentos deles.
 

* Maria Helena Alves é pesquisadora e professora universitária. Na época, assessorava vários sindicatos e foi secretária do Fundo de Apoio à Greve dos Metalúrgicos do Rio de janeiro. Hoje é professora de Estudos Latino-americanos, na Faculdade de Filosofia da Universidade do Chile.

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