Por Ricardo Kotscho

Com o passar dos dias, sem nenhuma esperança de retomada das negociações, alguns operários começaram a voltar às fábricas – era inevitável que fosse assim, faz parte de todas as greves. Eles eram insuficientes para que as fábricas retornassem o trabalho nas linhas de montagem, mas muito úteis na campanha publicitária deflagrada pela Fiesp para atingir psicologicamente os operários e, mais do que isso, suas famílias. A cada dia, as grandes fábricas e os ministros publicavam índices conflitantes de retorno ao trabalho – índices cuja veracidade nunca foi permitido a ninguém comprovar. Divulgados como verdades absolutas por algumas rádios e alguns jornais, os números de fura-greves não abalaram o movimento operário: bastava ver os ônibus chagando quase vazios às fábricas, despejando meia dúzia de envergonhados metalúrgicos. Quando a Volkswagem – a maior fábrica do ABC, com mais de 30 mil operários – anunciou oficialmente a retomada da produção, duas dezenas de jornalistas brasileiros e estrangeiros puderam constatar pessoalmente que isso não era verdade: havia, sim, alguns operários dentro da fábrica, mas ela continuava parada. Alguns dormiam, outros olhavam para o vazio ou conversavam em torno das suas máquinas inertes. Mais dia, menos dia, era certo que todos voltariam ao trabalho – afinal, a greve é apenas um instrumento de luta contra a intransigência dos patrões, ainda mais se estes estiverem cumpliciados com regimes fortes e ilegítimos. Mas isso só aconteceu quando foi oficialmente decretado o fim da greve e começou, como de hábito, o corte das cabeças mais conscientes, dos operários com capacidade de liderança. Após 40 dias de greve começa uma nova luta contra as demissões e pela retomada do sindicato. A luta continua – e é longa.
 

Trecho do livro A Greve do ABC

`