Turbulências de 68 e fechamento ditatorial
A degringolada do Congresso [de Ibiúna] decepou a representatividade da UNE e a deixou num beco sem saída. O Governo dominou a situação e os meses finais de 1968 tinham a aparência de calmaria. O único motivo de perturbação política vinha do requerimento formal dos altos comandos das Forças Armadas para processamento judicial do deputado Márcio Moreira Alves. A acusação se baseava no discurso do parlamentar que recomendou ao povo o boicote dos desfiles militares do Dia da Independência. Quando proferida na Câmara, a pequena alocução recebeu apagado registro na imprensa. Mas o Serviço Nacional de Informações (SNI) tomou nota e os generais fizeram dela o cavalo de batalha para uma encenação com vistas a novas medidas de arrocho político.
O processo judicial contra o deputado dependia de licença a ser concedida pelo Congresso e este a recusou na votação de 12 de dezembro. Na noite seguinte, após o discurso do ministro da Justiça Gama e Silva, um locutor leu pelo rádio o Ato Institucional nº 5, que colocou em recesso o Congresso Nacional e as Assembléias Legislativas dos Estados, reabriu as cassações de direitos políticos, desta vez por tempo indeterminado, e aboliu o habeas-corpus para detidos por infração da Lei de Segurança Nacional. A ditadura militar alcançou o ápice do fechamento, o que trouxe conseqüências imediatas. A censura inflexível impôs o controle total da imprensa. Deixaram de circular publicações de oposição, artistas foram presos e forçados a sair do País e se asfixiou a vida cultural. Professores universitários sofreram a punição da aposentadoria compulsória e emigraram para ensinar no exterior.
Os líderes estudantis de oposição nem mais podiam circular à vista de todos, sob pena de se exporem a atentados. Presidente eleito da União Estudantil dos Estudantes de Pernambuco, Cândido Pinto de Mello sofreu agressão a tiros por um grupo de policiais, na noite de 28 de abril de 1969, quando pacificamente esperava o ônibus num bairro do Recife. Atingido num pulmão e na coluna vertebral, esteve no limiar da morte e sobreviveu na condição de paraplégico. Chefe do grupo agressor e autor dos disparos, o tenente da Polícia Militar José Ferreira dos Anjos passou incólume pelo processo judicial decorrente do atentado. Já no posto de major, foi condenado em 1981 pelo assassinato de um procurador da Justiça Federal. Não cumpriu a pena porque seus colegas de corporação permitiram que fugisse da prisão.
No entanto, a trama do Ato Institucional nº 5 se consumou a frio, num momento de certa calmaria. Cabe indagar por que veio. A primeira vista, a explicação pode estar na escalada da esquerda, tanto pela via das ações armadas como das lutas de massas. Conforme declarou mais tarde, o general Médici, então chefe do SNI, já em julho de 1968 recomendou as medidas posteriormente inclusas no Ato 5. Mas o movimento operário-estudantil se achava reprimido e esgotado no final do ano e não podia ser a causa determinante do fechamento ditatorial. A causa determinante esteve na tendência crismada na época de "linha dura", atuante desde 1964 e responsável pela crise político-militar de outubro de 1965.
Apesar das ações da esquerda radical, a extrema direita do regime ditatorial não as julgou suficientes para a criação do clima propício ao fechamento completo. Daí a formação de organizações paramilitares e de bandos de provocadores às ordens de diferentes chefias do alto escalão governamental.
A 20 de abril de 1968, uma bomba explodiu no saguão do edifício de O Estado de S. Paulo, na rua Major Quedinho, trincando as colunas de mármore e estilhaçando vidraças num raio de quinhentos metros. Na época atribuído à esquerda, dez anos depois se esclareceu que a autoria do atentado pertenceu ao Estado-Maior do II Exército, conforme relato de um oficial do grupo executor ao jornal O Repórter.
Também em São Paulo, um bando de soldados e sargentos da Força Pública, liderado por Aladino Félix, vulgo Sábado Dinotos – mescla de guru místico e marginal –, promoveu 12 explosões de bombas e um assalto a banco. A explosão mais sensacional ocorreu no meio do estacionamento de automóveis do Largo General Osório, em frente ao edifício do DEOPS, na madrugada de 20 de agosto. Preso e torturado pelo DEIC (desavisado do que estava por trás), Aladino Félix denunciou à Justiça Criminal que agiu por orientação do general Jayme Portela, chefe da Casa Militar da Presidência da República.
Em São Paulo e no Rio, o CCC atacava teatros e livrarias e agredia artistas. Em julho, o Teatro Galpão, na capital paulista, onde se encenava a peça Roda Viva de Chico Buarque de Holanda, sofreu a invasão dos desordeiros do CCC, que espancaram atores e pessoas do público. No Rio, uma bomba explodiu na Livraria Civilização Brasileira em outubro, incidente repetido em dezembro no Teatro Opinião.
O mais estarrecedor veio com a revelação de que o brigadeiro João Paulo Burnier havia ordenado, em abril, a um grupo de 40 homens do PARA-SAR (unidade de busca e salvamento da Aeronáutica) a execução de um plano de terrorismo em vasta escala. O capitão-aviador Sérgio Miranda de Carvalho recusou-se a obedecer as ordens do brigadeiro Burnier, chefe do Gabinete do Ministro da Aeronáutica Márcio de Souza e Mello. A posição do capitão-aviador, apoiado por colegas, frustrou o plano terrorista, mas lhe custou a reforma e afastamento definitivo da Força Aérea, em 1969.
[…] já no primeiro semestre de 1968, a extrema direita militar estava decidida a recorrer a um "plano diabólico e hediondo" – nas palavras insuspeitas do brigadeiro Eduardo Gomes – a fim de suprimir os resquícios liberais remanescentes. Conforme se verifica pelo levantamento de Flavio Deckes, os atentados terroristas de direita com autoria oculta atingem o pico em 1968, decaem bruscamente em 1969 e desaparecem, de todo, entre 1971 e 1975. Consumado o fechamento ditatorial, não era mais necessária a atuação provocadora das organizações paramilitares. O terrorismo de direita se oficializou. Tornou-se terrorismo de Estado, diretamente praticado pelas organizações militares institucionais.