Em 1968, eu residia no Rio, estudava sociologia no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ e era dirigente do movimento estudantil. Na noite da sexta-feira 13 de dezembro, estava participando de uma reunião e fui dormir tarde, sem assistir aos noticiários de TV. Também não tive contatos com familiares, pois já era constrangido a viver em condições de semiclandestinidade: desde a repressão ao 30o Congresso da UNE, em meados de outubro, estava provisoriamente hospedado na casa de um amigo. Só vim a ser informado sobre a decretação do AI-5 no dia seguinte, por intermédio de companheiros participantes da luta contra o regime militar, provavelmente por minha namorada. Imediatamente, apesar do fim do ano letivo, fizemos reuniões de avaliação e distribuímos panfletos no Centro da cidade e nos bairros da periferia.

Para mim, não foi um raio no céu azul. Já tinha sido detido anteriormente pelo DOPS na porta da antiga Faculdade Nacional de Filosofia. Era alvo de um processo na justiça militar. Havia sido preso no Congresso de Ibiúna, onde participava como membro de uma das chapas que pleiteavam a eleição, tendo preferido escapar durante o transporte para Minas Gerais a esperar pela triagem policial. Naquele final de ano, tendo conseguido driblar a prisão, estava dedicando-me à reorganização do fórum máximo dos universitários, então forçado à ilegalidade. Portanto, engajado na resistência democrática, sendo pessoalmente alvo da repressão política, avesso a qualquer ilusão nos governantes e acompanhando o frenesi dos comentários e especulações de véspera, não fiquei propriamente surpreso.

O AI-5 foi um capítulo da progressão inaugurada pela quartelada de 1964 e trilhada pela sucessão de atos institucionais. No fundo, era mais uma confissão governamental de ilegitimidade e uma demonstração de que o eufêmico Conselho de Segurança Nacional, formado pelos ministros e a cúpula das Forças Armadas, estava disposto a tudo para deter a oposição crescente na sociedade civil, sobretudo a ascensão das mobilizações de massas e o fortalecimento da esquerda, e as tímidas ressalvas no Congresso Nacional, das quais a menos inofensiva fora negar o julgamento do então deputado Márcio Moreira Alves. Acabou sendo o epílogo da crônica da morte anunciada das mediações ditatoriais.

Todavia, isso não significa que o AI-5 tenha sido uma banalidade. Ao contrário. Conjunturalmente, consumou uma disputa interna ao golpe, em que os menos truculentos eram aqueles que apoiavam o suposto trânsito à ditadura concreta em nome da defesa de uma democracia abstrata e retórica. A única exceção fora o voto de Pedro Aleixo. Visto à luz do período histórico, representou uma radicalização coercitiva do regime militar e o emblema de sua transição endógena ao terrorismo de Estado, com todas as trágicas conseqüências que acarretou para o povo e a Nação brasileiros.

*Jornalista.

 

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